Outro dia, estava no último andar de um prédio, na cidade de São Paulo. Conversava com um grupo de educadores e profissionais sobre “Espiritualidade”. Ao ver aquela paisagem me vieram à mente algumas imagens urbanas para falar do tema. Três componentes me chamaram a atenção, no alto de tantos prédios enfileirados: os pára-raios, as antenas e os terraços.
A espiritualidade moderna funciona como um pára-raios. O ser humano, atribulado por tantos problemas pessoais, como relações afetivas, dificuldades para educar os filhos, crise financeira, doenças psico-somáticas, estresse e perda crescente de sentido para viver, recorre ao sagrado em busca de alívio. As experiências religiosas emotivas fortes caracterizam grande parte da mística contemporânea, para diminuir suas tensões. Isso explica em parte o crescimento vertiginoso do pentecostalismo evangélico e da renovação carismática católica. A religiosidade tem uma função terapêutica. Na verdade, pode curar ou simplesmente atenuar a dor e o sofrimento.
A espiritualidade do pára-raios é ambígua. De um lado, ela abarca uma dimensão real da experiência espiritual, quando as pessoas provam a misericórdia e a bondade de Deus, aliviam suas dores e recuperam a alegria de viver. Muitas delas conseguem superar graves estados de desespero e degradação, quando se conectam com Deus e descobrem que a vida não está perdida. De outro lado, a relação com o sagrado pode se tornar funcional. As pessoas buscam a Jesus somente nos momentos de tempestade. Além disso, a relação entre céu-terra parece vir somente de cima. Anula-se o valor das realidades humanas, pois elas estão submetidas ao critério dos “raios celestes”. A experiência religiosa intensa pode ofuscar outras dimensões da realidade humana e dar margem à intolerância e às novas formas de opressão.
Prefiro imaginar a espiritualidade como antena. Do alto da cidade, há enormes antenas que transmitem sinais de TV, celular, rádio e internet. O homem e a mulher que fazem uma experiência espiritual encarnada são semelhantes às antenas e seus componentes complementares. Recebem, interpretam e disseminam sinais. À luz da energia divina, decodificam os traços de luz e sombras da realidade humana. Estão antenados nas grandes questões sociais, culturais e ambientais da atualidade. Procuram perceber o que Deus lhes diz ali. A presença divina se manifesta para eles como apelo, denúncia, indignação e anúncio esperançoso. Cultivam uma espiritualidade que se alimenta da vida e da Bíblia. No cotidiano, não há respostas prontas, nem raios que vêm do céu de forma estrondosa. O pára-raio é importante, para evitar que as antenas se queimem. Mas o núcleo da experiência religiosa não reside no seu caráter milagroso. E sim, em ser sinal de vida e esperança.
Por fim, vejo na grande cidade alguns terraços no último andar. Ali as pessoas se encontram, comem, bebem e festejam. Imagino que a espiritualidade é também o espaço do encontro de pessoas, que se fortalecem na fé. Jesus gostava de fazer festa. Acolhia as crianças e chamava a participar da mesa várias categorias de gente excluída no seu tempo: as mulheres, os pobres, os pecadores, os doentes. O encontro com Deus promove o encontro com os seres humanos. E nesta mesa da irmandade também participam todas as criaturas. É a festa da sustentabilidade. Aqui ressoa a palavra de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).