segunda-feira, 14 de julho de 2008

Gestão e Espiritualidade: pedalar é preciso

Quando eu era menino, queria muito andar de bicicleta. Mas, meus pais não me permitiram, pois julgavam ser perigoso. Mais tarde, já com 20 anos de idade, durante uma missão de férias no interior de Goiás, vi uma bicicleta e me deu vontade de aprender. Ah, não foi fácil! Uma catequista me ajudou. Ela segurava a bicicleta por trás, enquanto eu tentava me equilibrar. Então, me dizia: “Olhe para frente e vá pedalando”. Depois de alguns tombos, deu certo. Percebi então que, na bicicleta, só se consegue o equilíbrio em movimento.
Articular Gestão com Espiritualidade é como andar de bicicleta. Quanto mais cedo a gente aprende, mais fácil se torna. Mesmo assim, trata-se de uma busca de constante equilíbrio, que só se alcança quando em movimento.
“Gestão” se tornou uma palavra chave para organizações e grupos na sociedade contemporânea. Não é mais algo restrito a empresas. O motivo é simples: a gestão ajuda a alcançar resultados. Podemos definir “gestão” como a habilidade de liderar pessoas e coordenar processos, em vista de resultados, para realizar a missão de um grupo organizado. Trata-se de uma habilidade, ou seja, uma competência que se adquire e se desenvolve. Ser gestor(a) é um aprendizado constante, que exige estudo, reflexão e revisão da própria prática. Liderar pessoas significa envolvê-las de forma que assumam a sua responsabilidade e se sintam estimuladas a dar o melhor de si. Coordenar processos, por sua vez, quer dizer: estabelecer metas (aonde queremos chegar), tecer estratégias, realizar atividades, avaliá-las e aprender com elas. Um “processo” é mais do que fazer coisas, pois tem um começo, um meio e um fim, que se alimenta novamente e impulsiona mudanças.
Quem está à frente de qualquer grupo eclesial é necessariamente um gestor(a). Pode ser em uma paróquia, uma pastoral determinada ou uma comunidade. Ou então, em instituição mais complexa, como escola, hospital ou rádio. Até a pouco tempo atrás, os cristãos tinham a ilusão de que bastava boa vontade e muita fé para conduzir um grupo ou uma organização da Igreja. Hoje, devido à exigência cada vez maior de qualidade, a gestão se torna imprescindível. O amadorismo, ou seja, fazer as coisas de qualquer jeito, sem processos, é um dos grandes limites na condução da ação pastoral da Igreja.
A espiritualidade é como a outra roda da bicicleta. Ela diz respeito às motivações mais profundas que nos movem, ou seja, a paixão por Jesus Cristo e o Reino de Deus. Cultivar a espiritualidade é alimentar esta sintonia com o Deus da Vida, que nos ama e nos convoca para promover o Bem e espalhar sua Boa-Nova. Seguir a Jesus, como seus primeiros discípulos, vivendo na sua presença, escutando seus apelos, recebendo seu amor misericordioso: isso é espiritualidade para os cristãos.
Porque parece tão difícil pedalar esta bicicleta? Gestão e Espiritualidade não são rodas iguais, nem do mesmo tamanho. Estamos lidando com realidades que têm linguagens, lógicas, saberes e atitudes muito diferentes e que entram em conflito. Devemos aprender a relacionar ambas, sem que uma tome o lugar da outra. Hoje temos a grande oportunidade de articular gestão com espiritualidade. Uma organização cristã sem gestão, fracassa. E se lhe falta espiritualidade, esvazia-se. Perde sentido, mesmo que tenha sucesso. A gestão ajuda a alcançar bons resultados. E a espiritualidade nos guia para opções iluminadas, inspiradas no Evangelho. Nunca é tarde para aprender! Será um exigente e prazeroso equilíbrio em movimento, como andar de bicicleta. Pedalar é preciso!

domingo, 6 de julho de 2008

Reconstruir a casa


Era uma vez uma casa, imensa e bela. Edificada lentamente, durante milhões de anos, parecia infinita, devido à sua forma arredondada. Por ela passeava uma multidão incontável de seres, os mais diversos. O solo, chão da casa, era rico em nutrientes que garantiam o ciclo de vida das plantas e dos animais. Suas paredes eram constituídas por rochas recobertas pelos tons múltiplos de cores de gramíneas, arbustos e árvores. O telhado se abria durante o dia para o clarão do sol, que, com sua energia, sustentava os seres com luz e calor. Invisivelmente, era protegido por uma fina camada de gases, que filtrava a luz do sol na medida adequada para garantir a continuidade da teia da vida. À noite, estrelas cintilantes coalhavam o céu, e a lua, com sua cor prateada, brindava o viajante com sua luz discreta e suave.
A casa-comum-de-todos-os-seres, também chamada pelos humanos de Planeta Terra, tinha cinco enormes quartos, separados por infindáveis porções de terra e muita, muita água. Será que havia janelas? Ou antes se tratava de um sem número de cortinas, que velavam e desvelavam mistérios, belezas, riscos e aventuras? Embora a casa não tivesse portas nem porteiras, penetrar em seu mistério exigia algumas chaves. Não aquelas, pequenas ou grandes, feitas de metal, mas sim as da mente e do coração, que permitem compreender sem jamais pretender agarrar e dominar.
Hoje a nossa casa comum tem a aparência de um admirável edifício, totalmente marcado pela intervenção humana. No entanto, não se pode esconder as rachaduras crescentes, a abertura no telhado e a perda da qualidade de vida de seus habitantes. O ser humano se assenhorou do Planeta. Considera-se seu patrão. Perdeu o vínculo com as outras criaturas e as toma simplesmente como “recursos” ou “coisas”. Baseado na ciência e na tecnologia e no espírito conquistador do mercado global, considera-se dono absoluto de seu futuro. Na realidade, construiu um modelo insustentável, que gera crescente exclusão social e enfraquecimento do ecossistema.Neste contexto, é preciso recriar novas chaves de leitura, para compreender a humanidade em relação aos outros seres que povoam nossa casa comum. Assim, poderemos mudar o olhar e ampliar a nossa percepção. Com a consciência aberta, vem a ação transformadora. Atitudes individuais se conjugam com ações coletivas. É tempo de construir a cidadania planetária, que articula a visão ampla e global com a concretude das ações locais. Trata-se de gerar e desenvolver a consciência eco-planetária e de tecer redes com vários atores sociais. Com as novas gerações, iremos superar a visão pessimista e trágica, resgatar o encantamento, canalizar a indignação e nutrir a esperança, para reconstruir nossa casa comum.