quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A novidade cósmica da encarnação

Neste tempo de natal, partilho com você estas palavras inspiradas de T.Chardin, que descobre as consequências cósmicas da encarnação do Filho de Deus.

No princípio havia o Verbo soberanamente capaz de sujeitar e de modelar toda Matéria que nascia.
No princípio não havia frio e trevas; havia o Fogo, a luz preexistente que, paciente e infalivelmente, elimina nossas sombras.
Espírito ardente, Fogo fundamental e pessoal”.

Aconteceu. O Fogo, mais uma vez, penetrou a Terra.
Não caiu ruidosamente sobre os cimos, como o raio em seu esplendor. O Senhor forçaria as portas para entrar em sua própria casa?
Sem tremor, sem trovão, a chama iluminou tudo por dentro. Desde o coração de menor átomo até a energia das leis mais universais.
Naturalmente invadiu, individualmente e em seu conjunto, cada elemento, cada força, cada ligação do nosso Cosmo. E este, espontaneamente se inflamou.

Toda a matéria doravante está encarnada, meu Deus, pela vossa Encarnação

sábado, 19 de dezembro de 2009

Padre Toninho: doces e negras lembranças

Conheci Padre Toninho em 1993. Já faz tempo, meu Deus! Eu acabava de voltar de meu doutorado em Roma e fui convidado para participar da ERT, Equipe de Reflexão Teológica da CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil). A chegar na equipe, encontrei homens e mulheres que estimularam minha reflexão teológica. Um deles era o Padre Antônio Aparecido da Silva, negro, pertencente ao Instituto dos Orionitas, considerado como “um dos maiores estudiosos e defensores da causa negra na Igreja”.
Convivi com Toninho na ERT durante vários anos. Depois, deixei a equipe ao me tornar provincial dos maristas, pois era impossível conciliar as agendas. No ano de 2001 encontrei Toninho na Assembléia Geral da CRB em São Paulo. Ele também era provincial! Conversamos e demos boas gargalhadas. Eu lhe disse: “quando a gente terminar terminar esta missão, vamos voltar para a ERT, pois somos teólogos. E, em 2005, voltamos a fazer parte da mesma equipe teológica. Foi um festa o nosso reencontro!

Guardo de Toninho, recentemente falecido, doces memórias. Em nossas reuniões, Toninho era o homem do bom humor. Grande companheiro, sabia dizer as coisas com clareza e delicadeza. Seu sorriso era contagiante. Discreto, contribuía sempre com algo original. Podia ser pouco, mas tinha profundidade.
A grande aprendizagem que significou para mim conviver e trabalhar com Toninho foi seu olhar multiétnico e pluricultural, a partir de seu lugar de negro e Afrodescendente. Por isso, digo que guardo de Toninho “negras recordações”.

Toninho foi um homem muito importante para a Vida Religiosa, a Igreja e a negritude no Brasil. Convido você a olhar e entrevista com ele no portal afro.
http://www.portalafro.com.br/entrevistas/padretoni/toninho.htm
Veja também alguns depoimentos sobre ele no site do IHU, da Unisinos
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=28517
Nos últimos anos, acometido por diabetes e perda das funções dos rins, Toninho provou a dureza da doença. Sentia suas forças se esvaindo. No mês de agosto esteve na nossa reunião e se despediu. Sua última intervenção na discussão retratou uma enorme sabedoria.

Certa vez, eu o chamei de “Rei Nagô”, e ele sorriu, se reconhecendo no título. Agora, deve estar festejando com o Ressuscitado, os mártires, os santos e as santas, a festa que no céu nunca termina. Com Atabaque e tambores, a grande celebração do triunfo do Reinado de Deus...
Termino com um texto do próprio Toninho sobre a ressurreição. E me calo, chorando sua perda.“A ressurreição, enquanto acontecimento totalizante e totalizador, instauradora de um novo messianismo e da vigência atual e escatológica do Reino, torna-se ponto de encontro e plenificação de todos os anseios e aspirações. A ressurreição é um fato globalizante, uma sementeira jogada sobre o universo. Deus nos ‘escolheu em Cristo antes de criar o mundo’, nos diz a Carta aos Efésios,’ derramou abundantemente sobre nós’ a sua graça (cf. Ef 1,4.6). Portanto, a ressurreição é o lugar da convergência, assim como a cristologia é a plenificação de todas as antropologias”.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

CNBB e a Conferência do Clima

A CNBB publicou nota convocando os cristãos católicos a fazerem gestos concretos de apoio e mobilização em vista da Conferência do Clima. Veja, divulgue e faça algo em sua comunidade no próximo final de semana.
Nos dias 7 a 18 de dezembro, realiza-se a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente - COP 15, em Copenhague. As decisões que serão tomadas pelos governantes terão impacto no futuro da humanidade e em todas as formas de vida no Planeta.
Considerando a importância dessa Conferência, bem como a urgência do tema em pauta, nós bispos do Conselho Episcopal de Pastoral (CONSEP), reunidos em Brasília, nos unimos ao apelo global direcionado aos líderes mundiais, exigindo um acordo corajoso com metas necessárias e mensuráveis na emissão de poluentes. Esperamos igualmente que as populações mais vulneráveis afetadas pelas mudanças climáticas recebam os recursos necessários para a sua adaptação e o seu desenvolvimento sustentável.

Diante da declaração de intenção do Governo brasileiro em diminuir, até 2020, em 38% a emissão de gases que provocam aquecimento da Terra, e a redução de 80% do desmatamento da Amazônia, manifestamos a nossa expectativa para que essas metas sejam acompanhadas por políticas nacionais coerentes, que promovam a sustentabilidade do desenvolvimento humano, especialmente das populações mais empobrecidas e a integridade da criação, em obediência aos seguintes princípios:
· O reconhecimento da água como direito humano, bem público e patrimônio de todos os seres vivos, com a conseqüente implementação de políticas hídricas que priorizem o ser humano e a dessedentação dos animais;
· A implementação de uma ampla política de reforma agrária e agrícola com uma justa distribuição da terra, em favor das unidades familiares e comunitárias, mais produtivas por hectare, geradoras de oportunidade de trabalho, produtoras de alimentos, em consonância com o meio ambiente;
· O aprimoramento e a implementação do Plano Nacional de Mudanças do Clima (PNMC), que orientem de modo adequado e coerente outros planos e iniciativas governamentais;
· A opção por uma matriz energética limpa e diversificada, junto com um maior investimento tecnológico e atenção à sabedoria e ás práticas das populações tradicionais;
· A manutenção do código florestal e a busca de mecanismo de incentivo para a sua implementação;
· Transparência e controle social sobre os investimentos públicos e privados para que as políticas de Reduções de Emissões Associadas ao Desmatamento e à Degradação Florestal (REDD) não sejam regidos pelos interesses do mercado.

Movidos pelos gritos da Terra e dos seus filhos e filhas especialmente, dos mais empobrecidos, conclamamos as nossas comunidades eclesiais a realizarem nos dias 12 e 13 de dezembro próximo, atos que sinalizem nossa preocupação com as decisões que serão tomadas na Conferência de Copenhague. “Antes que seja tarde demais, precisamos fazer escolhas corajosas, que possam restabelecer uma forte aliança entre o ser humano e a Terra” (Papa Bento XVI, discurso em Loreto).
Como gesto concreto, sejam promovidos debates, orações e vigílias junto com iniciativas de outras Igrejas e organizações sociais, Em consonância com a iniciativa das Igrejas de outros Continentes, incentivamos que se dêem 350 repiques de sino, às 12 horas do próximo dia 13 de dezembro. Este gesto simbólico visa alertar os governos a não permitirem que se ultrapassem 350 partes por milhão (PPM), limite máximo e seguro de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, conforme atestam os cientistas que estudam o clima.
Que as celebrações do Advento nos coloquem em vigilante atitude na defesa e promoção da vida na Terra.
Brasília, DF, 10 de dezembro de 2009.
Dom Geraldo Lyrio Rocha (Presidente da CNBB)
Dom Luiz Soares Vieira (Vice-Presidente)
Dom Dimas Lara Barbosa (Secretário-Geral)

sábado, 14 de novembro de 2009

Jornada Teológica Latino-americana

No final de outubro, estive em Santiago do Chile, a convite da coordenação de “Ameríndia”, para contribuir na Jornada Teológica Latino-americana, que aconteceu naquela cidade.
Tive um primeiro contato com “Ameríndia”, grupo de teólogos e pastoralistas empenhados em fortalecer a fé encarnada em nosso continente, durante o Fórum Internacional de Teologia e Libertação, em Belém, no início deste ano. Na ocasião, apresentei o tema “Interfaces da Teologia com a Ecologia”. Alguns membros viram minha apresentação e perceberam que o tema da Ecologia devia ganhar mais destaque nas atividades da Ameríndia. Então, daí nasceu o convite para escrever um capítulo sobre “Ecologia a partir do Documento de Aparecida”, para um livro que apresenta várias faces pastorais a partir do referido documento. Ele já foi publicado na Colômbia, por Paulus, com o nome: “La missión em Questión”. A versão brasileira virá em breve.
A Jornada Teológica no Chile é a primeira de uma série que acontecerá em várias partes do nosso continente. Ela ganhou um sabor especial, devido à comemoração dos 80 anos de Sérgio Silva, teólogo da libertação chileno, que tem uma longa e bela história de reflexão, luta e compromisso com a formação de cidadãos à luz da fé. Sérgio é sobretudo uma figura original. Sempre de bom humor, conta piadas e recorda fatos pitorescos, provocando gargalhadas em seus interlocutores.
Esta Jornada Teológica foi dirigida simultaneamente a distintos públicos. Para os professores de Teologia havia um conjunto de atividades específicas, em forma de conferências e debates, na Universidade Católica, sob o título de: “Sinais dos Tempos e método teológico”. Havia também uma palestra a cada noite, destinada ao grande público, na sede da Conferência dos Religiosos do Chile (CONFERRE). Já agentes de pastoral, padres, religiosos e leigos podiam se inscrever em um seminário temático, com duração de dois dias, no Instituto de Teologia Alfonsiano, dos redentoristas. Ofereceram-se os seguintes seminários: “Leitura comunitária da Bíblia. Orientações de Aparecida”, “Comunidades Eclesiais de Base. Novo impulso a partir de Aparecida”, “Teologia e Povos indígenas à luz de Aparecida” e “Ecologia e Teologia. Uma reflexão a partir de Aparecida”.

A mim coube a tarefa de apresentar três temas no seminário de Ecologia e Teologia: “Ecologia: Panorama e conceitos”, “Teologia e Ecologia: reflexão bíblico-teológica”, e “Aspectos práticos da ecologia a partir do Documento de Aparecida”. Estava comigo Dom Demétrio Valentim, bispo de Jales (SP), que teve uma atuação importante na Assembléia de Aparecida, sobretudo quanto à questão da ecologia e da Amazônia.
Participaram do seminário umas trinta pessoas, que atuavam em diferentes espaços de pastoral e iniciativas socioambientais. Entre eles: grupos de “Paz e Ecologia” de diferentes congregações religiosas, membros de pastorais sociais, religiosas inseridas, participantes de movimentos ecológicos em defesa da Patagônia Chilena e das Águas, e educadores populares.Foi uma experiências enriquecedora para mim. Tive ocasião de partilhar o resultado de meus estudos sobre “Ecologia e Fé”. E senti-me fortalecido, ao ouvir o testemunho de várias pessoas, em outro país, que partilham comigo do mesmo sonho e da mesma causa: um mundo inclusivo, fraterno e sustentável.

domingo, 25 de outubro de 2009

Dom Oscar Romero: lembranças

Em meados de Outubro, estive em El Salvador, para conhecer de perto a vida e a obra de Dom Oscar Romero. Havia assistido antes o filme “Romero”, que utilizei algumas vezes com jovens e educadores em encontros e retiros. Retive da película a coragem crescente deste homem, sua retidão, o amor ao povo empobrecido, e a cena trágica de seu assassinato durante a celebração da eucaristia. Havia lido também trechos de discursos de Dom Romero. E, sobretudo, ouvi a gravação de algumas homilias dominicais dele. Fiquei tocado pela forma como Dom Oscar comentava as leituras bíblicas. Seu discurso era de um seguidor de Jesus, que partia da Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, estava tão sintonizado com a situação de seu povo, que não tinha medo de denunciar as injustiças e propor alternativas viáveis para a sociedade, marcada pela violência do regime ditatorial que exterminou, segundo se afirma, mais de 50 mil pessoas.
Oscar Romero nasceu em 1917, no interior de El Salvador. Era o segundo de uma família de sete filhos. Seu pai exercia a função de telegrafista. Em casa, não havia energia elétrica nem água encanada e as crianças dormiam no chão. No início da adolescência, foi para o seminário menor. Completou seu estudos em Roma, na Universidade Gregoriana. Para mim, uma feliz coincidência, pois ali, muitos anos mais tarde, concluí meu doutorado em teologia.
Romero foi ordenado em 1942, em plena segunda guerra mundial. De volta ao seu país, começou a exercer a missão de padre em comunidades do interior. Logo percebeu a importância do rádio na evangelização. Por onde passou fazia programas ao vivo, gravava homilias e estimulava a presença da Igreja neste âmbito. Por um tempo, foi também editor do Jornal Arquidiocesano. Desde cedo foi reconhecido pela sua capacidade de organização pastoral. Em 1970 foi ordenado bispo auxiliar de San Salvador. Em 1974, transfirido para a diocese de Santiago de Maria. Pessoa de grande liderança, Dom Romero era tido como um bispo conservador, que inclusive não sintonizava com as propostas de renovação do Concílio Vaticano II e da Conferência Latino-americana de Medellín. Era sensível para ajudar os pobres, porém em perspectiva assistencialista.
Com o coração aberto e a mente atenta, Dom Romero visitava as comunidades, ouvia as pessoas, tentava compreender a situação pela qual passava seu país. Naquele momento, El Salvador estava sob o domínio de uma ditadura militar, semelhante às outras que assolaram todo o nosso continente. O governo perseguia as lideranças políticas e sociais, torturava e assassinava pessoas e se mantinha impune. Lentamente, Dom Romero foi percebendo que não bastava boa intenção ou gestos individuais. A situação era estrutural e exigia ações coletivas. Para seu processo de conversão aos pobres contribuíram muitas pessoas. Dentre elas, o jesuíta Rutílio Grande, barbaramente assassinado.
Em 1997, Dom Oscar Romero foi nomeado Arcebispo da Capital, San Salvador. Passou a estimular a formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), rompeu com a aliança da Igreja com as oligarquias locais, organizou comissões para apurar as diversas violações aos direitos humanos no país, promoveu o diálogo e clamou contra a violência. Percebeu que sua postura de enfrentamento em relação ao governo totalitário, que servia às elites aristocráticas do país, poderia lhe custar a vida. E assim aconteceu, no dia 24 de março de 1980.
Visitei inicialmente o túmulo de Dom Romero, que está na cripta da catedral de San Salvador. Infelizmente, devido ao segundo bispo que lhe sucedeu, membro da Opus Dei, seu corpo foi retirado da nave principal e colocado num lugar de menor acesso, pouca visibilidade e horário restrito. Mesmo assim, é visitado constantemente por muita gente, que o reconhece como santo. Vi em outro lugar uma série de testemunhas de “ex votos”, ou seja, de pessoas que deixam registrado que alcançaram graças e curas através de sua intercessão. A atual tumba está revestida com uma cobertura de pedra. Nas quatro pontas há vultos de mulheres e símbolos que evocam cada evangelista. Uma justa homenagem a quem se pautou pelo evangelho de Jesus. Ali me ajoelhei e rezei, pedindo o dom da profecia.
A seguir, fui visitar a casinha onde ele morou. Está localizada dentro da área de um hospital para doentes de câncer, onde atuam as Irmãs Carmelitas. Era uma casa simples e pequena, que foi transformada num museu em sua memória. Lá se pode ver muitas fotos de seus contatos com o povo, as festas e celebrações da qual participou, objetos pessoais, o gravador na qual registrava cada noite seu diário, a cama e a mesa de trabalho. O objeto-símbolo que mais me impactou é a camisa que ele usava no dia de morte, manchada de sangue e com a marca da bala que lhe perfurou o coração (foto ao lado).
Para terminar, a poucos metros dali fica a capela do hospital, local de seu martírio. Dom Romero foi assassinado por um atirador de elitedo exército salvadorenho, treinado nas Escolas das Américas. Sua morte repercutiu em vários lugares de mundo. Hoje, ele é um símbolo da Igreja dos pobres e da espiritualidade da libertação.
Para mim, ver e sentir de perto os locais, as pessoas e os objetos que evocam a memória deste homem de Deus fortaleceu a minha fé. Foi uma ocasião de renovar meu compromisso de colaborar para uma sociedade solidária e sustentável.
São Romero, rogai por nós!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Blog action Day e os professores


Estive sumido uns tempos, aqui no meu blog.
Volto hoje, num dia especial.
Para começar, celebro o dia dos professores.
Recordo meus mestres, a começar da professora da primeira série, Regina, que me ensinou a ler, escrever e contar. E termino com o grande mestre Libânio, que me introduziu no mundo da teologia. Entrei aí para ficar...
Ah, eu gosto de ser professor, de estimular os alunos a pensar, a refletir, a ampliar seus horizontes, a querer conhecer mais, a fazer do conhecimento um instrumento de transformação.
Parabéns a todos os professores e professoras!
O segundo motivo de festejar hoje é um evento mundial, que reúne blogueiros dos quatro cantos da terra. No dia 15 de outubro de cada ano, a gente se solidariza com um tema importante para o nosso mundo. Neste ano, o Blog action Day está centrado no Aquecimento Global e nas mundanças climáticas.
Ontem vi uma notícia que me deixou indignado. Na primeira página do Estado de Sáo Paulo, se diz: "Por crescimento, Casa Civil veta meta ambiental mais ambiciosa". Segundo o periódico, a proposta que o Brasil quer levar para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, em dezembro, esbarrou no "desenvolvimentismo" da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e expôs uma divisão no governo sobre a questão ambiental.
No fundo, nenhuma novidade, pois o atual governo dá mostras que está insensível à questão ambiental. Resta à sociedade civil erguer sua voz. O dia de hoje é uma boa ocasião. Visite os blogs que aderiram ao "Blogactionday".
Da minha parte, como professor, continuarei atuando com meus alunos e outros interlocutores, para que juntos dilatemos a consciência planetária e desenvolvamos atitudes de cuidado com o planeta, nossa casa comum. Nesta tarefa, nossos todos professores e aprendizes... Vamos lá!

domingo, 13 de setembro de 2009

Ecologia e Educação: a hora!

A ecologia, com suas múltiplas faces, é um dos “Sinais dos tempos” que caracteriza o atual momento histórico do planeta. No seu bojo se reflete uma grande mudança na humanidade, que lentamente acontece, em meio a conflitos e retrocessos.

A modernidade científica e filosófica dos últimos séculos provocou um desencantamento em relação à natureza, ao ecossistema. Esta perdeu seu caráter mágico e “sacramental”. A água, os minerais, o ar, os microorganismos, as plantas e os animais foram reduzidos à matéria prima para a produção e a objeto de estudo para a ciência. Foram considerados como coisas, perderam sua relação conosco. O ser humano, na sua versão ocidental, masculina e branca, se transformou no “centro do universo”, no critério decisivo de organizar a existência e o pensar. É o que chamamos de antropocentrismo moderno.

No entanto, fatos e reflexões dos últimos vinte anos, mostraram a insuficiência da razão científica, a insustentabilidade do atual modelo de produção econômica e a mediocridade da cultura globalizada, que ignora a diversidade. Os sintomas de uma crise planetária, tocando ao mesmo tempo os indivíduos, as nações e o ambiente, são visíveis: falta de sentido para a existência, perda da qualidade de vida, eclosão de novas formas de pobreza e exclusão social, aumento da violência e da insegurança social, mudanças climáticas ocasionadas pela soma de vários fatores. Ou seja, o antropocentrismo moderno, tão orgulhoso e auto-suficiente, mostra-se decadente, um gigante com pés de barro. Presenciamos então um desencanto em relação à vida.

Felizmente, há também um movimento múltiplo, de natureza ética, cultural, social e espiritual, que cresce em todo o planeta, com sinais esperançosos. Não se trata de um movimento único, orquestrado, mas de manifestações plurais, algumas convergentes e outras em conflito, mas que lentamente vão se articulando e buscando sentido comum. Destacamos, entre elas, a afirmação crescente do papel da mulher e a questão de gênero, o resgate das culturas e etnias não ocidentais (afro-descentes, indígenas, orientais asiáticos), o empenho por uma cultura da paz, da tolerância e da diversidade, as tentativas de estabelecer relações econômicas justas no mundo, e sobretudo, uma nova consciência ecológica. Tudo isso impacta na educação.

O caos no qual estamos imersos está nos abrindo possibilidades inusitadas, como pessoas, cristãos e educadores. A crise civilizatória atual faz lembrar a experiência do apóstolo Paulo. Ele tinha tantas certezas! Mas, um dia, “caiu do cavalo” e ouviu uma interrogação do Mestre. Necessitou passar uns dias na completa escuridão, numa cegueira externa que lhe possibilitou repensar a vida. Depois das trevas veio uma luz que lhe iluminou toda a existência. A questão ecológica oportuniza um novo olhar sobre os indivíduos, a espécie humana e todos os sistemas vivos. Nós, seres humanos, nos redescobrimos como parte da natureza e interdependentes em relação a todos os outros seres. Coloca-se novamente no centro das nossas existências a ética, os valores que nos movem, e como estes valores se traduzem em atitudes pessoais e ações coletivas. Percebe-se que a emoção tem uma importância vital nos processos humanos, desde a aprendizagem escolar até a gestão de processos, numa pedagogia empreendedora. E a mística, como desejo de se religar a algum sentido maior, para além da razão e do subjetivismo, volta à ordem do dia. Então acontece um reencantamento em relação à existência humana, à natureza e ao Divino. Estes processos são simultâneos e transversais. Avançamos sim, em meio ao desencantamento da mentalidade moderna que tudo pretende explicar e dominar, ao desencanto de uma crise civilizatória e ao reencantamento do brilho do novo olhar sobre nós e o mundo.

Nós educadores, somos pessoas que vivemos tudo isso, a começar de nossa existência pessoal, íntima, familiar. Talvez não tenhamos consciência plena da beleza e do desafio do momento que partilhamos com outros seres humanos. E que a nossa contribuição é muito importante, pois irá somar com a de tantos outros, nos mais diversos setores da sociedade, em todos os recantos da Terra. Paulatinamente, vamos compreendendo que a questão ecológica não é uma coisa pequena (embora se manifeste a partir de simples atitudes) e nem ocasional. Ela toca a compreensão de mundo, a forma de vive e atuar, subjetivamente e comunitariamente. Por isso, deve provocar mudanças nos processos pedagógicos e pastorais na escola.

A ecologia impacta na escola em várias vertentes:
- epistemológica (carácter e finalidade do conhecimento),
- metodológica (como conhecer),
- ética (valores e relações interpessoais)
- e espiritual (mística como re-ligação com Deus e suas criaturas).
A luz da consciência ecológica provoca uma mudança no núcleo da atividade básica da escola, que é a (re)elaboração do conhecimento. Percebe-se com clareza que a escola necessita extrapolar a sala de aula e os manuais didáticos. Os educadores e os alunos, à medida que conhecem melhor seu entorno, trazem novas perguntas (a respostas também) para ampliar a espiral do conhecimento. Compreender os ciclos da natureza - e do ser humano nela inserido - exige experimentação, implica o exercício dos sentidos, o envolvimento do corpo e das emoções. Significa superar a frieza da experiência científica moderna, na qual o pesquisador é o sujeito e a natureza, em duplo sentido, o “objeto”. Conhecer é também experimentar-se, estabelecer relações com outros seres, admirar sua beleza e acolher seus limites. O conhecimento também abre as portas à contemplação, a perceber o sopro do Espírito de Deus nas criaturas. Basta que o olhar se mantenha encantado.

Aceitar o paradigma ecológico (ou a dimensão ecológica da existência) leva a rever os métodos pedagógicos e a estreitar os laços entre as diversas áreas do saber. Pois a visão holística privilegia a compreensão das relações, e não somente o conhecimento focal e isolado. Faz ver como as diversas dimensões do real se implicam mutuamente. Ajuda a retomar a unidade original, que se perdeu à medida que foi necessário segmentar os saberes, para progredir no desenvolvimento da ciência. Uma concepção ecológica valoriza o protagonismo do aluno e põe novamente a questão da importância das vivências cotidianas para a sistematização do conhecimento. Tal perspectiva vem ao encontro do esforço que se realiza, em tantos lugares e há muitos anos, de uma educação significativa para os alunos e com os alunos, desde a proposta da educação evangélico-libertadora, até as contribuições do construtivismo sócio-interacionista.

Se podemos falar de uma “eco-pedagogia”, ela implica assumir a dimensão ética do saber. O que fazemos com o que conhecemos? Infelizmente, o conhecimento moderno se tornou, em primeiro lugar, fonte de acumulação de riqueza individual e manifestação da vaidade. Quem conhece somente para si se assemelha a alguns personagens do filme de desenhos “Kihiro”: bestializa-se com um porco glutão ou se torna um espírito destruidor que pretende seduzir a todos. A ética ecológica tem uma intenção ampla. Propõe um sentir co-responsável que ultrapassa todas as fronteiras, a ponto de nos percebermos “cidadãos planetários”. E, ao mesmo tempo, valoriza as atitudes individuais e as ações comunitárias locais, pois somente estas alavancam mudanças reais que alimentam nossa esperança. A escola, como espaço inter-geracional de relações cotidianas, pode ser um espaço privilegiado para gerar atitudes de cuidado consigo mesmo, com os outros e com o ambiente.

Uma parte significativa dos alunos das escolas católicas particulares são membros de famílias abastadas, com um padrão de consumo bem maior do que a média da população. Isso significa também: produzir muito lixo e deteriorar o ambiente. É necessário ajudar os alunos e suas famílias a serem consumidores conscientes, a usar racionalmente a água e de energia, a perceber a “pegada ecológica” que eles deixam para trás, a perceber a necessidade de uma produção ecologicamente sustentável. Para isso, a escola necessita de uma política ambiental clara, que envolva a todos, desde o funcionário dos serviços gerais até o diretor, e se traduza em gestos pessoais e institucionais ambientalmente educativos.

Conforme L. Boff, o ser humano é exterioridade (materialidade, presença), interioridade (desejo, emoção, imagens) e profundidade (pergunta-se de onde vem e para onde vai, pelo sentido). A espiritualidade consiste em cultivar “o espaço de profundidade, em enriquecer o centro de nós mesmos, em alimentar a dimensão do espírito com a amorosidade, a solidariedade, a compaixão, o perdão e o cuidado para com todas as coisas”. Por tais valores e atitudes se revela o espírito e se tece a espiritualidade. O ser humano tem inteligência intelectual, emocional e espiritual. A integração das três nos abre à comunhão amorosa com todas as coisas, numa atmosfera de respeito e de reverência para com todos os seres. Se o espírito é vida e relação, seu oposto não é a matéria, mas morte, ausência de relação. Espiritualidade, neste contexto, “é a potencialização máxima da vida, é compromisso com a proteção e expansão da vida (..) em toda a sua incomensurável diversidade e em todas as suas fases de realização”. Uma espiritualidade ecológica é profundamente integradora, e ajuda a superar a dicotomia entre sagrado e profano, espírito e matéria, que perseguiu o cristianismo durante muitos séculos. Vale recordar aqui a experiência e a reflexão de Teillard Chardin, um padre e cientista do século passado, que expressou de muitas formas esta unidade interior. Ele dizia: “Toda a matéria doravante está encarnada, meu Deus, pela vossa Encarnação”.

Creio que a escola pode ser um espaço maravilhoso para experimentar e celebrar o Deus da vida, cujo Espírito criador e redentor (recriador) passeia pela vastidão do universo e pela biodiversidade de suas criaturas. Está na hora de dar um passo maior. Para essa fascinante tarefa, somos todos convocados, como artífices e aprendizes.
(Versão modificada de texto apresentado no último Congresso Nacional da AEC)

sábado, 22 de agosto de 2009

sábado, 15 de agosto de 2009

Beco sem saída

Transcrevo artigo de Drauzio Varella publicado na Folha de São Paulo, com o qual me identifiquei. Queria falar a respeito da gravidade da crise ética no nosso país, a partir da corrupção generalizada e da impunidade do congresso e do senado. Draúzio falou por mim...
Os últimos acontecimentos de Brasília foram tão desconcertantes e chocaram a nação de tal forma, que ignorá-los seria omissão. No trato da administração pública, chegamos a níveis de desfaçatez e de imoralidade assumida incompatíveis com os princípios éticos mais elementares. Para os que ganham a vida com o suor do próprio rosto, é revoltante tomar consciência de que parte dos impostos recolhidos ao comprar um quilo de feijão é esbanjada, malversada ou simplesmente desapropriada pela corja de aproveitadores instalada há décadas na cúpula da hierarquia do poder.Mais chocante, ainda, é a certeza de que os crimes cometidos por eles e seus asseclas ficarão impunes, por mais graves que sejam. Do brasileiro iletrado ao mais culto, todos nós temos consciência de que o rigor de nossas leis pune apenas os mais fracos. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico parar na cadeia, diz o povo, com toda razão.
Uma noite, na antiga Casa de Detenção de São Paulo, ao fazer a distribuição de um gibi educativo sobre Aids, perguntei, à porta de um xadrez trancado, quantos estavam ali. Um rapaz de gorrinho de lã, curvado junto à pequena abertura da porta, respondeu que eram 17. Diante de minha surpresa por caberem tantos em espaço tão exíguo, começou a reclamar das condições em que viviam. Às tantas, apontou para a TV casualmente ligada no horário político, no fundo da cela, no qual discursava um candidato:-Olha aí, senhor, dizem que esse homem levou 450 milhões de dólares. Se somar o que todos nós roubamos a vida inteira, os 7.000 presos da cadeia, não chega a 10% disso.

Essa realidade, que privilegia a impostura e perdoa antecipadamente os deslizes cometidos pelos que deveriam dar exemplo de patriotismo e de respeito às instituições, serve de pretexto para comportamentos predatórios (se eles se locupletam, por que não eu?), gera descrédito na democracia e, muito mais grave, a impressão distorcida de que todo político é mentiroso e ladrão. Considerar que a classe inteira é formada por pessoas desonestas tem duas consequências trágicas: votar nos que "roubam, mas fazem" e afastar da política cidadãos que poderiam contribuir para o bem-estar da sociedade.
De que adianta documentar os crimes se os criminosos ficarão impunes e retornarão nas próximas eleições ungidos pela soberania do voto popular? Como renovar a classe política num país em que quase dois terços da população não têm acesso à informação escrita, em que empresários financiam campanhas de indivíduos inescrupulosos, comprometidos apenas com os interesses de quem lhes deu dinheiro, e no qual as mulheres e os homens de bem se negam a disputar cargos eletivos, porque não querem ser confundidos com gente que não presta? É evidente que os políticos brasileiros não são os únicos responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram. Antes de tudo, porque muitos são honestos e bem-intencionados; depois, porque o clientelismo que os cerca é uma praga que nos aflige desde os tempos coloniais. Os que se aproximam dos políticos para pedir empregos públicos, nomeações para cargos estratégicos, favores em negócios com o governo ou para oferecer-lhes suborno, por acaso são mais dignos?

Esse é o beco sem saída em que nos encontramos: os partidos aceitam a candidatura de indivíduos desclassificados, os empresários financiam-lhes a campanha (muitas vezes com os assim chamados recursos não declaráveis), o eleitor vota neles porque "não faz diferença, já que todos são ladrões" ou porque podem conceder-lhe alguma vantagem pessoal, a Justiça não consegue nem sequer afastar do serviço público os que são flagrados com as mãos no cofre e, para completar a equação, as pessoas de bem querem distância da política.
A esperança está na prática da democracia. Se a Justiça não pune os que se apropriam dos bens públicos, a liberdade de imprensa é a arma que nos resta, a única que ainda os assusta.
(Charge da Internet)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Memórias do Líbano (1)

Fui convidado por Dom Edgar, bispo maronita do Brasil, a participar do programa "Memórias do Líbano", na TV Canção Nova. No primeiro programa, falamos sobre os diferentes sentidos que a festa da Transfiguração assume no rito maronita e no rito latino. Aprendi coisas lindas, como a tradição do fogo, ligada a esta festa, para manifestar a energia e luz de Deus que transparece em Jesus.
Sou de origem libanesa. Meu pai, Victor Murad, já falecido, veio do Líbano com seus vinte anos, em busca de melhoria de vida para si e seus parentes que ficaram na terra natal. Minha mãe, Aypha, hoje com mais de 80 anos e de uma vitalidade incrível, é brasileira e filha de libaneses.
Na minha infância e adolescência respirei, simultaneamente, os ares da cultura brasileira e da libanesa. E assim constituí minha identidade.
Recordo-me que certa vez, quando estudava na Alemanha, convivi por um breve período com um jovem padre libanês, que também veio aprender a língua de Goethe. Em certo momento, ao ver minha forma de agir, de gesticular e de ver o mundo, ele me disse: "Você é mais libanês do que imagina".
Sem distinguir bem o que tenho de brasileiro e de libanês, o que importa hoje é me compreender num contexto de multiculturalidade. Ou seja, de me perceber igual e distinto, partilhando de forma própria aquilo que constitui nossa condição comum de seres humanos e de cristãos: peregrinos neste mundo belo e confuso, seguidores de Jesus e cidadãos planetários.
Semana que vem tem mais um programa. Desta vez, irei falar mais de minhas lembranças familiares e da visita que fiz ao Líbano. Boas e felizes memórias...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Teofania na Amazônia dos pequenos

Partilho com você este texto de Frei Joahannes Gierse, com suas impressões sobre o Intereclesial das CEBs, acontecido em Porto Velho, no final de julho. Concordo com o que ele diz. Saboreie o olhar franciscano apurado....

“Teofania”, segundo o dicionário, quer dizer a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa; uma revelação sensível da glória de Deus, ou através de um anjo, ou através de fenômenos impressionantes da natureza. Não tenho a menor dúvida que tudo isso aconteceu em Porto Velho! Vejam:

A glória de Deus na “Amazônia”: pela primeira vez na história dos 34 anos dos Intereclesiais este encontro das CEBs aconteceu na região Norte do Brasil. Diz o Pe. Raimundo Possidônio, de Belém: “A Amazônia é obra do Deus criador e providente, pois neste pedaço do planeta quis presentear-nos com um pedaço do Paraíso, e fez os povos desta terra depositários de uma grande missão: cuidar de sua obra maravilhosa”. Mas neste pedaço do Paraíso, a terra e as águas, os povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos e extrativistas estão gritando, pois sofrem as dores da exclusão, destruição e morte causadas pelos grandes projetos “de desenvolvimento”.

Deus presente numa Igreja com rosto amazônico: a Igreja na Amazônia realizou uma conversão desde o encontro de Santarém em 1972, com sua diretriz “encarnação na realidade em vista da libertação” e que se expressa nas prioridades pastorais: formação de agentes pastorais locais e de comunidades cristãs de base fundadas na fé e no amor, a pastoral indígena e a frente pioneira da migração. O amazônico da Igreja e os seus frutos eram palpáveis nos Intereclesial.

A manifestação de Deus na diversidade dos participantes: Quem conhece o tamanho continental do Brasil entende o que significa encontrar pessoas dos quatro cantos; compreende também com qual esforço as caravanas das CEBs viajaram durante dois, três ou quatro dias! Pelas estradas, rios e ares enfrentando 2000 ou mais de 4000 km para chegar. Eram 3.010 delegados, aos quais se somavam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico da Assembléia encontrava-se espelhado também no rosto das 38 nações indígenas ali presentes”, além de pessoas dos outros continentes, como relata a Carta Final.

A revelação de Deus no povo de Porto Velho: a acolhida e o carinho com que as famílias, as paróquias e a diocese trataram os delegados foi algo extraordinário. Equipe de acolhida no aeroporto e nas paróquias, a qualquer hora do dia ou da noite, tocando e cantando, faixas e mensagens de boas-vindas. Presentes e lembranças, feitas de artesanato da região; fartura nas mesas tanto em Porto Velho como ainda em paróquias de Rondônia e Mato Grosso que há mais de 1000 km distantes acolheram as caravanas; famílias hospitaleiras; equipes de serviço para tudo; atendimento perfeito de saúde; em todo lugar “água encanada” para refrescar do calor; celebrações inculturadas... e tudo isso feito com um amor gratuito, generoso. Durante quatro anos, a Igreja de Rondônia montou essa “estrutura” preparando equipes de voluntários – entre eles muitos jovens! Ao longo de quatro anos cada um/uma contribui mensalmente com R$ 2,00! Não é de se admirar que muitas famílias derramaram lágrimas de saudade na despedida de seus hóspedes!

Dom Moacir, revela a ternura e o vigor de Deus: o bispo de Porto Velho deu todo apóio para que o Intereclesial acontecesse na Amazônia. Acreditou na capacidade de sua Igreja particular e não se cansou de caminhar com seu povo, apesar de sua deficiência física, resultado de dois acidentes de carro, sendo um causado por um atentado. Ele marcou na celebração de abertura a frase de origem africana: “Gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares não importantes realizam coisas extraordinárias” e que ficou no coração, na mente de todos/as delegados/as, pois expressa a mística e a missão das CEBs revigorando a convicção de que estão no trilho certo. Fiquei pasmo com a sensibilidade de Dom Moacir na celebração de encerramento: ao iniciar a oração eucarística pediu a todos da equipe de animação não falassem no microfone para que o próprio povo rezasse de uma só voz e assim os ouvintes da rádio ouvissem a própria voz do povo de Deus (a maioria de nossos cantores/as é dono do microfone e abafa a voz orante da assembléia!); a todos/as os 10.000 fiéis foi oferecida a comunhão sob duas espécies (a maioria dos padres não tem essa “sensibilidade litúrgica”, mesmo tendo poucas pessoas participando da Missa!).

Deus falando no tema, na dinâmica, na organização do Intereclesial: O fato de as CEB’s tematizarem “o grito da Terra que vem da Amazônia” e de reconhecerem que precisam se converter em comunidades ecológicas manifesta uma visão profética adequada aos nossos sinais dos tempos. Estamos longe de assumir a missão sócio-ambiental. A dinâmica do Encontro foi a conhecida “Ver-Julgar-Agir”, que garante a interação fé e vida e o comprometimento eclesial diante dos desafios da missão. Também o trabalho em “canoas” (grupos), rios (miniplenárias) e no porto (plenário) agilizou a troca de experiências e o processo de reflexão. Novidade foi o dia de missão no qual foram visitadas: populações indígenas, comunidades de bairro, agrícolas-coloniais, extrativistas, ribeirinhas, afro-descentes, de ocupação, Casa do Menor, de recuperação de dependentes e hospitais.

Se a teofania acontece também através de um fenômeno impressionante da natureza, então não resta dúvida de que no dia 22 de julho durante a celebração penitencial, Deus estava presente! Naquela tarde, suportando um calor infernal, as 3000 pessoas caminharam em direção ao rio Madeira fazendo também memória dos mártires. Chegando na margem do rio, ao por-do-sol, enxergamos ainda as grandes obras que desviam o rio e acabaram com a cachoeira, para construir a usina hidrelétrica Santo Antônio. No alto de uma rocha, uma mulher proclamou as bem-aventuranças e a multidão as repetia. Para mim, não havia diferença entre o mar da Galileia, onde Jesus pregava às multidões, e nós na beira do rio Madeira. O vento soprou fortemente, trazendo alívio, e nuvens escuras fecharam o céu. Dom Luis Soares, dizia: “Deus nos livre de um mundo feio em que não haja mais peixes, pássaros, árvores, animais, homens e mulheres... é impossível acreditarmos em Deus se não estivermos de bem com os irmãos e com a natureza. O ambiente é a nossa casa e fazemos parte dele. No momento em que matamos a natureza, estamos matando a nós mesmos”. E enquanto falava, o céu respondeu abençoando aqueles que fazem das bem-aventuranças o sentido e a missão de sua vida. Deus afirmava em forma de chuva: “Este é o caminho da vida, da esperança, da Terra sem males! Podem confiar, estou ao lado dos pequenos”!

A viagem de volta foi outra aventura: 40 pessoas entre as quais dois bolivianos, um índio pernambucano, três jovens, um casal, dois padres, mulheres entre 35 e 75 anos de idade, dois motoristas e um alemão-nordestino-paulistano, durante 54 horas num ônibus formaram uma “CEB ambulante”. Rezamos o Ofício das Comunidades e no ritmo indígena, avaliamos o 12º, tivemos serviço a bordo, assistimos ao “Big Bus Brasil”, presenteamos o amigo oculto, brincamos e cantamos... É Deus se revelando nos pequenos!

domingo, 26 de julho de 2009

Carta final do Intereclesial das CEBs

Selecionei aqui alguns trechos da carta do Intereclesial, oferecendo uma visão de conjunto dos 4 dias de encontro e os compromissos assumidos. Para ver o texto completo, acesse: http://www.cebs12.org.br/ Leia e divulge.

1. Nós, participantes do XII Intereclesial das CEBs, daqui das margens do Rio Madeira, no coração da Amazônia, saudamos com afeto as irmãs e irmãos de todos os cantos do Brasil e dos demais países do continente, que sonham conosco com novos céus e nova terra, num jeito novo de ser igreja, de atuar em sociedade e de cuidar respeitosa e amorosamente de toda a criação!
2. Fomos convocados de 21 a 25 de julho de 2009, pelo Espírito e pela Igreja irmã de Porto Velho/RO, para nos debruçar sobre o tema que nos guiou por toda a preparação do Intereclesial em nossas comunidades e regionais: “CEBs: Ecologia e Missão – Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”.
4. Somos 3.010 delegados, aos quais se somam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. Dos delegados de quase todas as 272 dioceses do Brasil, 2.174 são leigos, sendo 1.234 mulheres e 940 homens; 197 religiosas, 41 religiosos irmãos, 331 presbíteros e 56 bispos, dentre os quais um da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, além de pastores, pastoras e fiéis dessa Igreja, da Igreja Metodista, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Unida de Cristo do Japão. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico de nossa Assembléia encontra-se espelhado no rosto das 38 nações indígenas aqui presentes e no de irmãos e irmãs de nove países da América Latina e do Caribe, de cinco da Europa, de um da África, de outro da Ásia e da América do Norte. Queremos ressaltar a presença marcante da juventude de todo o Brasil por meio de suas várias organizações.

5. Fomos recebidos, na celebração de abertura pela equipe da celebração e por Dom Moacyr Grechi, com muita música e canto, ao cair da noite, ao lado dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré que lembra para os trabalhadores, que a construíram e para os indígenas e migrantes nordestinos, o sofrido ciclo da borracha na Amazônia. Foram evocadas ali e, seguidamente nos dias seguintes, as palavras sábias do provérbio africano: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, consegue mudanças extraordinárias”.
6. Iniciamos o primeiro dia, dedicado ao VER, partindo do grito profético da terra e dos povos da Amazônia, símbolos da humanidade, na sua rica diversidade. Partimos para os locais dos mini-plenários de 250 participantes, nas paróquias e escolas. Eles levavam os nomes de doze RIOS da bacia amazônica: Madeira, Juruá, Purus, Oiapoque, Guamá, Tocantins, Tapajós, Itacaiunas, Guaporé, Gurupi, Araguaia e Jari.
8. Divididos nos Rios em 12 CANOAS, com duas dezenas de participantes cada uma, partilhamos as experiências, gritos e lutas das comunidades em relação à nossa Casa comum, a partir do bioma amazônico e dos outros biomas do Brasil (cerrado, caatinga, pantanal, pampas, mata atlântica e manguezais da zona costeira), da América Latina e do Caribe. Vimos nossa Casa ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas, sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras, pelas queimadas, poluição e envenenamento das águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos, pelos rejeitos das mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra-se ameaçada também pelo crescente tráfico de drogas, de mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado pela violência urbana.
9. Somamos nosso grito ao das populações locais, para que a Amazônia não seja tratada como colônia, de onde se retiram suas riquezas e amazonidades, em favor de interesses alheios, mas que seja vista em pé de igualdade, no concerto das grandes regiões irmãs, com sua contribuição específica em favor da vida dos povos, em especial de seus 23 milhões de habitantes, para que tenham o suficiente para viver com dignidade.
10. Fazemos um apelo para que os governantes sejam sensíveis ao grito que brota do ventre da Terra e, pautados por uma ética do cuidado, adotem uma política de contenção de projetos que agridem a Amazônia e seus povos da floresta, quilombolas, ribeirinhos, migrantes do campo e da cidade, numa perspectiva que efetivamente inclua os amazônidas, como colaboradores verdadeiros na definição dos rumos da Amazônia.
11. Tomamos consciência também de nossas responsabilidades em relação ao reto uso da água, da terra, do solo urbano e à superação do consumismo, respondendo ao apelo, para que todos vivamos do necessário, para que ninguém passe necessidade.
12. Constatamos, com alegria, a multiplicação de iniciativas em favor do meio ambiente, como a de catadores de material reciclável, no meio urbano, tornando-se profetas da ecologia e as de economia solidária, agricultura orgânica e ecológica. Saudamos os muitos sinais de uma “Terra sem males”, fazendo-nos crescer na esperança de que “outro mundo é possível, necessário e urgente”.
13. Realizamos a Caminhada dos Mártires, em direção ao local onde o rio Madeira foi desviado e em cujo leito seco, ao som dos estampidos das rochas dinamitadas, está sendo concretada a barragem da hidroelétrica. Celebrou-se ali Ato Penitencial por todas as agressões contra a natureza e a vida humana. Defronte às pedreiras que acolhiam as águas das cachoeiras de Santo Antônio, agora totalmente secas, ao lado da primeira capela construída na região, foram proclamadas as Bem-aventuranças evangélicas (Mt 5, 1-12), sinal da teimosa esperança dos pequenos, os preferidos de Deus.

14. No segundo dia do encontro, partimos em grupos, em visita às muitas realidades locais: populações indígenas, comunidades afro-descendentes, ribeirinhas, extrativistas, grupos vivendo em assentamentos rurais ou em áreas de ocupação urbana; bairros da periferia; hospitais, prisões, casas de recuperação de pessoas com dependência química e ainda a trabalhos com menores ou pessoas com deficiência. O retorno foi rico na partilha de experiências, nas quais descobrimos sinais de vida nova. Reiteramos que os projetos dos grandes, principalmente as barragens das usinas hidroelétricas,as usinas nucleares geradoras de lixo atômico que põe em risco a população local, são projetos do capital transnacional que não favorecem os pequenos. Apoiados na sabedoria milenar dos povos indígenas, nos animamos a repetir com eles: “Nunca deixaremos de ser o que somos”. Nós, como CEBs no meio dos simples e pequenos, reafirmamos nossa teimosa opção pelos pobres e pelos jovens, proclamada há trinta anos em Puebla, resistindo e lutando para superar nossas dificuldades, sustentados pela fé no Deus que se revelou a nós como Trindade, a melhor comunidade.

15. No terceiro dia, a oração foi alentada pela promessa do Êxodo: “Decidi vos libertar... vos farei subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra, onde corre leite e mel” (Ex. 3, 8). Em cada canoa, os relatos iam revelando uma igreja preocupada com a justiça social e a defesa da vida nos testemunhos de gente simples em todos aqueles lugares visitados. Esses relatos aqueceram nosso coração e nos desafiaram a perseverar na caminhada das CEBs.
16. À tarde, fomos tocados por vários testemunhos. Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, retomou em sua história a trajetória dos negros no Brasil, suas dores, resistências e esperanças de um mundo melhor, nos seus Quilombos da liberdade. Marina Silva, senadora pelo Acre e ex-ministra do Meio Ambiente, contou sua eu caminhada de menina analfabeta do seringal para a cidade de Rio Branco e de lá para São Paulo, mas principalmente sua incessante busca, a partir da fé herdada de sua avó, alimentada pela experiência das CEBs, da leitura da Palavra de Deus e pelo exemplo de Chico Mendes, de bem viver e de colocar-se publicamente a serviço, em favor do povo amazônida. Por fim, acompanhamos pelo vídeo o testemunho de Dom Pedro Casaldáligo e nos emocionamos com suas palavras de esperança e confiança em Jesus e na utopia do seu Reinado.
17. Neste dia, ocorreu também o encontro da Pastoral da Juventude de todo o Brasil e outro também muito significativo entre bispos, assessores e Ampliada Nacional das CEBs. Momento fecundo do estreitamento de laços e abertura a novos passos em nossa caminhada, em que foi expressa a alegria e alento trazidos pela presença significativa de tantos bispos. Desse encontro, os bispos presentes resolveram enviar sua palavra às comunidades:

19. Na manhã do último dia, fomos guiados pelo texto do Apocalipse: “O anjo mostrou para mim, um rio de água viva... O rio brotava do trono de Deus e do cordeiro...; de cada lado do rio estão plantadas árvores da vida... suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22, 1-2). Bebemos no manancial da fé que nos une a todos e todas, na única família humana, como filhos e filhas da mesma Mãe-Terra, a Pacha-Mama dos povos andinos, a Terra sem Males dos Povos Guarani, na busca, sonho e construção do Reino de Deus anunciado por Jesus.
20. Juntos, representantes das Religiões Indígenas e dos Cultos Afro-brasileiros, de Judeus, Cristãos Ortodoxos, Católicos e Evangélicos, Muçulmanos, de mulheres e homens de boa vontade e de todas as crenças, no diálogo e respeito à diversidade da teia da vida, acolhemos os gritos da Amazônia e de todos os biomas e reafirmamos nossa solidariedade e compromisso com a justiça geradora da paz.

COMPROMISSOS ASSUMIDOS
21. Caminhamos como povo de Deus que conquista a Terra Prometida e a torna espaço de fartura e fraternura, acolhendo todas as expressões da vida.
22. Comprometemo-nos a fortalecer as lutas dos movimentos sociais populares: as dos povos indígenas, pela demarcação e homologação de suas terras e respeito por suas culturas; as dos afro-descendentes, pelo reconhecimento e demarcação das terras quilombolas; as das mulheres, por sua dignidade e igualdade e avanço em suas articulações locais, nacionais e internacionais; as dos ribeirinhos pela legalização de suas posses; as dos atingidos pelas barragens, pelo direito à terra equivalente, restituição de seus meios de sobrevivência perdidos e indenização por suas benfeitorias; as dos sem terra, apoiando-os em suas ocupações e em sua e nossa luta pela reforma agrária, contra o latifúndio e os grileiros; as dos Movimentos Ecológicos, contra a devastação da natureza, pela defesa das águas e dos animais.
23. Queremos defender e apoiar o movimento FLORESTANIA, no respeito à agrobiodiversidade e aos valores culturais, sociais e ambientais da Amazônia.
24. Assumimos também o compromisso de respaldar modelos econômicos alternativos na agricultura, na produção de energias limpas e ambientalmente amigáveis; de participar na luta sindical, reforçando a ação dos sindicatos do campo e da cidade, com suas associações e cooperativas e sua luta contra o desemprego, com especial atenção à juventude.
25. Convocamos a todos nós para o trabalho político de base, para a militância em movimentos sociais e partidos ligados às lutas populares; para participar nas lutas por políticas públicas ligadas à educação, saúde, moradia, transporte, saneamento básico, emprego, reforma agrária e para tomar parte nos conselhos de cidadania, nas pastorais sociais, no movimento pela não redução da maioridade penal, no Grito dos Excluídos, nas iniciativas do 1º. de Maio e das Semanas Sociais.
26. Comprometemo-nos ainda a fortalecer e multiplicar nossas Comunidades Eclesiais de Base, criando comunidades eclesiais e ecológicas de base nos bairros das cidades e na zona rural, promovendo a educação ambiental em todos os espaços de sua atuação; fortalecendo a formação bíblica; incentivando uma Igreja toda ela ministerial, com ministérios diversificados confiados a leigas e leigos; assumindo seu protagonismo, como sujeitos privilegiados da missão; fortalecendo o diálogo ecumênico e inter-religioso e superando a intolerância religiosa e os preconceitos.
27. Queremos, a partir das CEBs, repensar a pastoral urbana, como um dos grandes desafios eclesiais, assumir o testemunho e a memória dos nossos mártires e empenhar-nos na Missão Continental proposta pela V Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho, em Aparecida. Rumo ao XIII Intereclesial no Ceará

28. Acompanhados pelas comunidades e famílias que nos receberam e caravanas de todo o Regional, celebramos a Eucaristia, presença sempre viva do Crucificado/Ressuscitado, comprometendo-nos com todos os crucificados de nossa sociedade, com suas lutas por libertação, para construirmos outro mundo possível, como testemunhas da Páscoa do Senhor, acompanhados pela proteção e benção da Mãe de Deus, celebrada no Círio de Nazaré e invocada na região amazônica, com outros tantos nomes; no Brasil, com o título de Aparecida, e na nossa América, com o de Virgem de Guadalupe.
29. Escolhida a Igreja do Crato, que irá acolher, nas terras do Pe. Cícero, o XIII Intereclesial, recolocamos nos trilhos o trem das CEBs, rumo ao Ceará, enviando a vocês, irmãos e irmãs das comunidades, nosso abraço fraterno, e cheio de revigorada esperança. amém! axé! auere! aleluia!

sábado, 25 de julho de 2009

Intereclesial das CEBs (3)

O Intereclesial das CEBs caminha para seus últimos momentos. Quero partilhar com vocês algumas experiências vividas, impressões e informações. No dia dedicado à missão, fiquei em Porto Velho. De manhã, após a bela celebração, ouvimos a palavra de Pedro Ribeiro de Oliveira, Irmã Julieta e Leonardo Boff. Este último, em especial, falou com sabedoria e unção. Talvez não tenha novidades, mas foi uma palavra simbólica, de esperança.
Neste “dia de missão”, os participantes do Intereclesial visitaram experiências rurais e urbanas das CEBs e do movimento popular na região, além de algumas realidades que clamam. Houve de tudo. Quem foi visitar as comunidades ribeirinhas teve que ficar um longo tempo na estrada, inclusive com ônibus quebrado. Aqueles que optaram por conhecer a triste realidade das penitenciárias de Porto Velho, tiveram que esperar horas e somente alguns puderam ter contato com os presos. Os que visitaram as comunidades urbanas nas periferias perceberam o descaso do poder público para com os pobres, e também provaram a acolhida, a alegria e a fraternidade das comunidades.
Aliás, para mim, este foi o ponto mais forte do Encontro. Entre tantos eventos, congressos, fóruns e encontros em que participei na vida, nunca presenciei um com espírito de colaboração tão forte, somando efetivamente uma multidão de pessoas. Na primeira noite, percebi que havia uma imensa toalha no palco, toda confeccionada de forma artesanal em forma de flores, que se chama “fuxico”. Não podia imaginar quem fez aquilo. Ontem fiquei sabendo: foi a soma de centenas de toalhas artesanais, feitas em muitas comunidades. Tecidas a muitas mãos, com muito carinho. As comunidades rurais e urbanas se prepararam para o encontro durante dois anos.
Este doce sabor da fraternidade e da acolhida foi tematizado na manhã do quarto dia do encontro. Fui novamente para o miniplenário intitulado “Rio Tocantins”. A celebração da manhã, com cantos, leitura da bíblia, salmos entoados e símbolos terminou com a partilha de mel (foto acima), vindo de uma iniciativa de apicultura de socioeconomia solidária de Santa Catarina. Alguns, literalmente, se lambuzaram de mel.... A seguir, partilhou-se nos grupos menores (chamados de “canoa”) a experiência da missão no dia anterior. E, no final da manhã, em cada um dos 12 miniplenários, dois assessores locais apresentaram alguns dados sobre a Amazônia e a Igreja daqui. Onde estive, contamos com a apresentação do Ir. João Gutemberg, marista nascido no Acre, e um bispo da região.
Pude também conhecer e conversar com alguns bispos. Dentre eles, Dom Possamai, vice-presidente da comissão da Amazônia da CNBB e Dom Erwin, bispo prelado do Xingu, região onde viveu Ir. Dorothy. É emocionante ouvir estes homens, que são pastores e profetas.
Dois acontecimentos importantes marcaram ainda o quarto dia do intereclesial das CEBs: os testemunhos de vida e a reunião da equipe ampliada com os bispos. À tarde, no “Porto” (Plenária), a assembléia ouviu os depoimentos do arcebispo negro, emérito da Paraíba, Dom José Maria Pires (Dom Zumbi), com seus quase 90 anos; o bispo emérito de Goiás (GO), dom Tomás Balduíno, grande batalhador e fundador da CPT e a senadora Marina Silva. Veja detalhes no site da cnbb.
Visite http://www.cnbb.org.br/ns/modules/news/article.php?storyid=1892
Sobre o encontro da Equipe de organização do Encontro com os bispos, relata o Padre Geraldo, assessor de comunicação da CNBB: A presença dos bispos também foi ressaltada como muito importante para o Intereclesial. Foram 56, inclusive o presidente e o vice-presidente da CNBB. “A presença numerosa dos bispos, inclusive a Presidência e os assessores da CNBB, são a confirmação de que as CEBs retomaram o rumo”, avaliaram os membros da Equipe Ampliada. “O intereclesial é uma grande assembleia que faz perceber como anda a Igreja no Brasil. Por isso é importante a presença do episcopado neste evento”, acrescentaram. Os bispos destacaram ainda, como pontos fortes do encontro, a espiritualidade e a qualidade dos delegados no Intereclesial. Ressaltaram, igualmente, o número expressivo de padres (331). Os bispos presentes sugeriram que as CEBs entrem como um dos temas prioritários na próxima assembleia. A proposta será levada ao Conselho Permanente da CNBB. Por fim, reconheceram que é necessário dar mais visibilidade ao que foi discutido no Intereclesial.
No último dia, a Assembléia decidiu que o próximo intereclesial das CEBS será no Ceará, a partir da diocese de Crato.
Veja as ultimas notícias do Intereclesial das CEBs no site da CNBB: (www.cnbb.org.br).

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Intereclesial das CEBs (2)

Porção de sangue de Irmã Doroth, recolhido com a terra onde tombou seu corpo. Caminhada margeando as matas, recordando tantos mártires da Amazônia. Celebração penitencial diante do canteiro de obras da barragem Santo Antônio, no Rio Madeira. Proclamação das Bem-Aventuranças. Calor e chuva repentina. Renovação da Esperança. Grito que ecoa, clamor a Deus!
Tudo isso compôs a celebração penitencial com a qual se concluiu o segundo dia do Intereclesial das Comunidades de Base, aqui em Porto Velho, Rondônia. Os participantes ainda se encontram, à noite com as famílias que as acolheram carinhosamente em suas casas. Momento de recordar um dia intenso...
Começamos a jornada cedinho, as 7.15h da manhã, no Ginásio do SESI, batizado de “Porto”, em alusão à realidade amazônica. Lá se reuniram os 3 mil delegados para a oração da manhã, que desta vez foi animada pelas comunidades indígenas. Tempos de silêncio de acolhida, diante da forma própria dos índios sintonizarem com o sagrado.
Depois, os ônibus nos esperavam. Fomos divididos em 12 rios, grupos de até 300 pessoas, que se encontraram em escolas da Cidade durante boa parte do dia. Fui para o “Rio Tocantins”, que funcionou na escola das salesianas. Na chegada, como em todo lugar onde estivemos, membros de comunidades e paróquias nos acolheram com música e sorriso. Depois da animação, quatro assessores apresentaram brevemente algumas questões referentes à realidade socioambiental da Amazônia e do Brasil. A seguir, fomos para os grupos menores. Ali se dá o momento onde as pessoas podem se ver, se reconhecer, contar seus “causos”, partilhar lutas e conquistas. Foi isso que aconteceu. Estive no grupo 7 e ouvi algumas experiências significativas de CEBs rurais e urbanas.
Na hora do almoço, outra boa surpresa. O alimento simples, farto e saboroso foi elaborado por voluntários(as) das comunidades. Sabor de família, de partilha, de colaboração, que marca desde o início o jeito de ser das CEBs.
No início da tarde apresentou-se uma síntese dos grupos, centrada no momento de VER a realidade da Amazônia e do Brasil, seus gritos e conquistas. Vieram à tona as grandes questões socioambientais. A primeira, sem dúvida, é a expansão violenta do agronegócio exportador, que traz consigo a destruição do ecossistema, dispersão das comunidades tradicionais e pouca melhoria de condição de vida para a população. Tocou-se também sobre a crescente dificuldade de acesso à água potável no Brasil, em distintas regiões. E, como tudo está interligado, também se falou da violência urbana e do tráfico de drogas. Não senti um clima de desespero ou indiferença diante de um quadro tão sério. Ao contrário, as pessoas sabem que estão fazendo sua parte, que estão colaborando para uma sociedade diferente, animadas pela fé. Partilharam-se algumas experiências bem sucedidas de socioeconomia solidária, de agroecologia e de conscientização ambiental.
E no final da tarde, sob um sol escaldante, fizemos a caminhada até a barragem no Rio Madeira. Aliás, escutei várias pessoas comentando sobre os impactos das barragens em sua região. Penso que a questão da energia é vital para a sustentabilidade.


“Mestre, onde moras? Vinde e Vede – Quem conhece, ama!” Como este mote, hoje o dia está dedicado à missão. Os participantes irão visitar uma das experiências locais: população indígena, comunidades agrícolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas, comunidades de ocupação, casa de detenção, hospitais, casa do menor (salesianos), casa de recuperação de dependentes químicos, bairros populares e comunidades afro-descendentes.
As CEBs continuam sendo um sinal de esperança para uma sociedade justa, inclusiva e sustentável. O intereclesial mostra que um mundo novo é possível e dele já se vêem belos e tênues ramos.

Ir. Afonso Murad

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Intereclesial das CEBs (1)

“Gente simples,
fazendo coisas pequenas
Em lugares não importantes
Conseguem coisas extraordinárias”

Esse refrão de origem africana, e proclamado por Dom Moacir Grechi, arcebispo de Porto Velho, resumiu de forma poética o início do XII Intereclesial das Comunidades de Base, que acontece de 21 a 25 de julho. Realizado pela primeira vez na região amazônica, no estado de Rondônia, o interclesial tem como tema: “CEBs, ecologia e missão”, e como lema: “Do Ventre da Terra o grito que vem da Amazônia”. Este importante encontro reúne aproximadamente 3 mil pessoas, entre delegados de base e agentes de pastoral, eleitos em suas dioceses, bispos, 97 assessores, inúmeros convidados de outras igrejas cristãs e de vários países e uma representativa porção de povos indígenas da região amazônica.
Estima-se que mais de 7 mil pessoas estiveram concentradas na noite de 21 de julho, junto com os participantes do Interclesial, na celebração de abertura que ocorreu no centro de Porto Velho. O momento celebrativo, belo e expressivo em símbolos, trouxe um pouco da complexa realidade amazônica: o rio e a mata, os povos da floresta (indígenas, ribeirinhos e seringueiros), o povo da periferia das cidades, a bio-diversidade e a diversidade cultural, a destruição do bioma pelo agronegócio, a esperança e a resistência do povo.
Na celebração de abertura foram lembrados também todos os regionais presentes, com seus respectivos biomas: mata atlântica, cerrado, caatinga, pampas e pantanal. A questão ecológica, compreendida no viés sócio-ambiental e a partir dos pobres, parece marcar o diferencial deste encontro das CEBs. Outro destaque é tornar mais conhecido a Amazônia para os próprios brasileiros.
O segundo dia do encontro das CEBs terá como temática o VER: “Grito Profético da Terra e dos Povos da Amazônia, símbolos da humanidade”. A disposição dos espaços e dos temas levará em conta a realidade da Amazônia. O lugar central das plenárias denonima-se “Porto”. Os lugares onde se reunirão os 12 miniplinários são os “rios”, que abarcam ao todo 144 grupos de partilha e discussão, chamados de “canoas”. Bem cedinho, como é comum aqui na Amazônia, as 7 horas da manhã, inicia-se a animação musical e a celebração organizada pelos povos indígenas. A seguir, haverá uma introdução dos assessores, seguido de trabalho de grupo. Será o momento em que as pessoas poderão se expressar livremente, partilhando sua experiência de vida, suas convicções, lutas e esperanças. Na parte da tarte haverá as miniplenárias, seguida de uma síntese dos respectivos assessores. Por fim, uma celebração penitencial reunindo todos os participantes.
Espera-se que este Intereclesial das CEBs na Amazônia amplie a consciência dos cristãos sobre seu compromisso socioambiental e seja mais um alerta para a sociedade sobre a importância da Amazônia para o nosso planeta. Muitas pequenas luzes, formando uma constelação de Luz e Consciência.

Afonso Murad

domingo, 19 de julho de 2009

12º Intereclesial da CEBs: Ecologia e Missão

Participarei do Intereclesial nos próximos dias. Acompanhe diariamente as notícias neste blog. Por hora, partilho com vocês o texto de Dom Moacir, bispo de Porto Velho.

"O tema do 12o. Intereclesial: “CEBs, Ecologia e Missão” e o lema: “Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia” convidam-nos a adentrar nas linhas e travessões da floresta amazônica, nos emaranhados dos igarapés e na imensidão dos rios para ouvir com o coração o que Deus tem falado “muitas vezes e de muitos modos” (Hb1,1) as nossas comunidades que receberam “do Criador e do Cristo, “primogênito de toda criatura”, a missão de ser, junto com toda a humanidade, “Irmã da Criação”. Por isso, a Igreja considera como parte da sua opção fundamental a salvaguarda de toda a criação, chama todos os homens e mulheres a cuidarem do Planeta como sua casa comum. (Doc.Ass.Reg.N1eN2,1997, n.37) Em 2009, o 12º. Intereclesial das CEBs vai marcar profundamente a comunhão eclesial da Arquidiocese de Porto Velho. A preparação dos últimos três anos, o DOZINHO: I Encontro Arquidiocesano das CEBs reunindo a maior representatividade de nossa arquidiocese, a Romaria da Bíblia, são motivos para animar a nossa caminhada neste chão de Rondônia; colocam-nos em estado permanente de Missão, no espírito do documento de Aparecida. “Aprendemos dia após dia que cada acontecimento eclesial possui o caráter de sinal, pelo qual Deus Se comunica a Si mesmo e nos interpela” (Sacramentum Caritatis 92). Estamos unidos aos povos de diferentes culturas, “aos povos da floresta em sua contemplação do Deus da Vida que manifesta o seu amor maternal na terra, no céu estrelado, no mistério das matas e dos rios” (n.35). Vamos alargar a tenda porque aqui Deus está acampado no meio de nós. As CEBs vivem sua missão nessa região, onde a aliança do Criador com o universo aparece tão fortemente, seja na tradição bíblica, seja nas culturas indígenas. “Eis o que diz o Senhor: Quero fazer uma aliança com os animais da floresta e as aves do céu, com os répteis do chão e tudo o que vive na terra. Vou eliminar o arco e as armas de guerra para que todas as criaturas descansem em seguran­ça. Então, vou me casar contigo na justiça e na misericórdia, na fidelidade e na compaixão. Eu escutarei os céus e eles escutarão a terra, e a terra escutará as plantações” (Os 2, 18-19. 21). Do Bioma Amazônico, a terra ferida, as constantes ameaças à vida, gritos de dor “eu ouvi o clamor do meu povo” (Ex 3,7) e impulsos para um novo parto; são os desafios resultantes do caminho destruidor das florestas, rios e biodiversidade; da grilagem de terras, dos plantadores de soja, do desmatamento e destruição da vida da floresta, das madeireiras, plano de exploração de bauxita e outros minérios, narcotráfico, hidrelétricas, inércia dos governos federal, estadual e municipais, corrupção política, crime organizado. Enquanto, de um lado, o maior desafio dos povos da Amazônia é a construção de uma proposta de desenvolvimento que evite a destruição da floresta e a poluição das águas, que não ameace a sua incrível biodiversidade; de outro lado, os povos da floresta amazônica estão construindo formas de convivência com a Amazônia e estão dando sinais de que desejam que os caminhos de desenvolvimento sejam redefinidos a partir de seus conhecimentos e de suas estratégias, e contem com sua participação efetiva. Devemos favorecer uma autêntica mudança de mentalidade no modo como lemos a história e o mundo através da forma eucarística da existência. Somos impelidos “a considerar a terra como criação de Deus, que produz quanto precisamos para o nosso sustento. As condições ecológicas em que a criação subjaz em muitas partes do mundo suscitam justas preocupações, que encontram motivo de conforto na perspectiva da esperança cristã, pois esta compromete-nos a trabalhar responsavelmente na defesa da criação”. (Sacramentum Caritatis 92). O documento de Aparecida ilumina-nos diante das contradições que derrubam os modelos antigos de missão em que nos apoiamos e nos obrigam a reinventar o novo modo de buscar respostas para a fome de vida e de justiça; ajuda-nos a criar uma “consciência sobre a importância da Amazônia para toda a humanidade e a estabelecer entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos, que estão na bacia amazônica, uma pastoral de conjunto com prioridades, para criar um modelo de desenvolvimento que privilegie os pobres e sirva o bem comum.” (DA 415)

Texto: Dom Moacyr Grechi
Fonte: CNBB

sábado, 11 de julho de 2009

Governos irresponsáveis

Partilho com você este texto de Leonardo Boff, no qual ele aponta a miopia do atual governo brasileiro quanto à questão ambiental. Boa leitura.

Quem acompanhou a reunião na ONU nos dias 24-26 de junho para encontrar saídas para a crise econômico-financeira, vivenciou dupla perplexidade. A primeira, o fato de se ter chegado a um surpreendente consenso acerca de medidas econômicas e financeiras a serem implementadas a curto e a médio prazo, em função do desenvolvimento/crescimento. A segunda, verificar que tudo se concentrou apenas no aspecto econômico-financeiro sem qualquer referência aos limites da biosfera e à devastação da natureza que o tipo de desenvolvimento vigente implica. Quer dizer, a economia virou um conjunto de teorias e fórmulas que expertos dominam e as aplicam nos países, esquecendo-se de que é parte da sociedade e da política, algo, portanto, ligado à vida das pessoas. Era como se os políticos e expertos, não respirassem, não comessem, não se vestissem e andassem nas nuvens e não no solo. Mas para eles, tais coisas importantes são meras externalidades que não contam.

Ao ouvi-los, pensava eu lá com meus botões: quão inconscientes e irresponsáveis são estes políticos, representantes de seus povos, que não se dão conta de que a verdadeira crise não é esta que discutem, mas a da insustentabilidade da biosfera e a incapacidade de a Mãe Terra de repor os recursos e serviços necessários para a humanidade e para a comunidade. Bem advertiu o ex-secretário da ONU Kofi Annan: esta insustentabilidade não apenas impede a produção e a reprodução senão que põe em risco a sobrevivência da espécie humana.
Todos são reféns da economia-zumbi do desenvolvimento, entendido como puro crescimento econômico (PIB). Ora, exatamente este paradigma do desenvolvimento mentirosamente sustentável do atual modo de acumulação mundial está levando a humanidade e a Terra à ruína. As pessoas são as últimas a contar. Primeiro vêm sempre os mercados, os bancos, o sistema financeiro. Com apenas 1% do que se aplicou para salvar os bancos da falência (alguns trilhões de dólares) poder-se-ia resolver toda a fome do planeta, atesta a FAO. E atualmente, a mesma FAO advertiu, existem 40 países com reserva alimentar de apenas três meses. Sem uma articulada cooperação mundial grassará fome e morte de milhões de pessoas.

Discutir a crise econômica-financeira sem incluir as demais crises (o aquecimento global, a alimentária, a energética e a humanitária) é mentir aos povos sobre a real situação da humanidade. Temo que nossos filhos e netos, daqui a alguns anos, olhando para o nosso tempo, tenham motivos de nos amaldiçoar e de nos devotar um soberano desprezo, porque não fizemos o que devíamos fazer. Sabíamos dos riscos e preferimos salvar as moedas e garantir os bônus quando poderíamos salvar o Titanic que estava afundando.

O Brasil neste sentido é uma lástima. Se há um país no mundo que goza das melhores oportunidades ecológicas e geopolíticas para ajudar a formular um outro mundo necessário para toda a humanidade, este seria o Brasil. Ele é a potência das águas, possui a maior biodiversidade do planeta, as maiores florestas tropicais, a possibilidade de uma matriz energética limpa à base da água, do vento, do sol, das marés e da biomassa, mas não acordou ainda. Nos fóruns mundiais vive em permanente sesta política, inconsciente, “deitado eternamente em berço esplêndido”. Não despertou para a suas possibilidades e para a responsabilidade face à preservação da Terra e da vida.
Ao contrário, na contramão da história, estão construindo usinas à base do carvão. Desmatou-se a Amazônia em 1.084 quilômetros quadrados entre agosto de 2008 a maio de 2009. O Brasil é o quinto maior poluidor do mundo. O fator ecológico não é estratégico no atual governo. Somos ignorantes, atrasados, faltos de senso de responsabilidade face ao nosso futuro comum.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Nos cinco dedos da mão

FUNÇÕES DO GESTOR(A) ECLESIAL

Quando eu era criança, minha irmã brincava com a gente, nomeando respectivamente cada dedo da mão. Dizia assim: “dedo minguinho, seu sobrinho, pai de todos, fura-bolo, cata-piolho”. Hoje, como adulto, percebo que cada dedo é importante para as múltiplas funções da mão, como segurar objetos, tocar violão, digitar, etc. Assim também, a pessoa que desempenha qualquer tarefa de gestão na Igreja deve desenvolver simultaneamente algumas funções. Isso é comum a vários cargos, como a coordenação da catequese, a animação de um grupo de reflexão e de oração, a organização de pastorais ou o presbiterado. Quais são estes cinco dedos da mão para a gestão da pastoral? Podemos resumir: planejamento, organização, liderança, controle e animação espiritual. Baseado no estudo de Bateman e Snell, “Administração”, Ed. McGrawHill, p.16-18, acrescentar-se-á o que é específico para a comunidade cristã.

1. Planejamento. Hoje, qualquer grupo organizado precisa prever suas ações, para evitar a dispersão de energia ou a repetição que leva à morte lenta. Planejar significa especificar metas a serem alcançadas e decidir com antecedência as ações necessárias para alcançá-las. As atividades de planejamento incluem a análise das situações atuais, antecipação do futuro, determinação de objetivos, decisão sobre o tipo de iniciativas a tomar, escolha das estratégias e determinação dos recursos necessários. Um planejamento, quando bem feito, prepara o caminho para conquistas consolidadas. Deve ser gestado com a máxima participação de todos os envolvidos e ser formulado em linguagem acessível. Como é teórico e prático, faz pensar e ajuda a agir com eficácia. Na sociedade contemporânea, onde as mudanças rápidas deixam as pessoas desnorteadas, o exercício do planejamento participativo ajuda a buscar soluções que dão certa segurança. As pessoas usam o cérebro, as intuições e a sensibilidade que brota da fé e assim identificam oportunidades para criar, aprender, fortalecer e sustentar novas formas de evangelizar. Cabe ao gestor(a) coordenar o planejamento e sempre voltar a ele, para manter o rumo da ação pastoral.

2. Organização quer dizer “reunir e coordenar pessoas, informações recursos financeiros e físicos para alcançar os objetivos”. Em qualquer instituição eficaz, a organização de atividades inclui: atrair pessoas competentes, especificar suas responsabilidades, agrupar tarefas em grupos de trabalho, ordenar e alocar recursos e criar condições para que estas pessoas desenvolvam ao máximo suas potencialidades a serviço da missão. Não se deve confundir organização com estruturas arcaicas e ineficazes. Ilude-se quem acha que uma boa organização exige funções rígidas, relações de subordinação, muitas chefias e papelada em cima da mesa. Nos tempos atuais, estruturas flexíveis e ágeis são as melhores. Compete ao gestor(a) eclesial atrair, formar e manter agentes de pastoral que somem aptidões e multipliquem frutos. Além de criar e modificar as estruturas necessárias para alcançar resultados. Organização dinâmica é como o dedo polegar: necessita ser firme e móvel.

3. Liderança significa “estimular as pessoas a serem grandes realizadoras”. O(a) líder motiva sua equipe, comunica-se com uma contato próximo e caloroso, ajuda a monitorar tarefas e inspira os agentes de pastoral a alcançar a metas propostas. Faz como o dedo indicador: sinaliza a direção. Ser líder hoje não é mandar ou “bater amigavelmente nas costas” nos membros de sua equipe. Como os desafios da evangelização são enormes, trata-se de mobilizar as pessoas, para que contribuam com suas idéias e habilidades, realizando tarefas novas. A liderança baseada no evangelho se traduz em serviço efetivo. E o seu critério de verificação consiste no protagonismo crescente das pessoas. Qualquer grupo eclesial deve desenvolver a autonomia, a criatividade e o trabalho em conjunto nos seus membros e com seus interlocutores. Certa vez fui visitar uma creche na periferia de São Paulo e fiquei impressionado com a proposta pedagógico-pastoral de lá. As educadoras estimulavam os bebês, desde pequeninos, a desenvolver a proatividade, a se moverem, a conquistarem espaços. Uma das funções mais importantes do gestor(a) eclesial é exercitar a liderança que aglutina e forma novos líderes.

4. Controle é uma palavra que causa reação negativa em muita gente. Ninguém gosta de ser controlado. E na Igreja há uma compreensão equivocada sobre isso. Devido a uma herança moralista e autoritária, tende-se a controlar o comportamento dos outros, a cobrar demais e até sufocar as pessoas cujo comportamento sai do padrão estabelecido. Mas, estranhamente, não se controlam os processos. Na gestão contemporânea, “controle” significa monitorar as pessoas e os processos, para verificar se os objetivos estão sendo alcançados. Caso isso não esteja acontecendo, redirecionam-se as atividades. Controlar é necessário, na medida certa. Sem ele, há caos. Em demasiado, limita sua capacidade criativa. Há um princípio sábio a seguir. Quando um processo ou uma pessoa está se iniciando, deve haver maior monitoramento do gestor(a). À medida em que se desenvolvem, o controle se torna menor. No começo, esta função pode ser o dedo maior. Depois, será o “minguinho”.

5. Animação espiritual. O que diferencia a ação pastoral da Igreja de outra organização qualquer é a intensidade na qual se vivem, celebram e se anunciam os valores de Jesus e do Reino de Deus. É triste constatar, às vezes, que a diferença reside no amadorismo, na forma de fazer as coisas sem planejamento e avaliação, ou na concentração de poder. Ora, o que qualifica a gestão eclesial é o seguimento a Jesus. Nele buscamos inspiração, dele aprendemos a priorizar os pobres, os fragilizados, os que estão à margem. Com ele, fazemo-nos aprendizes, discípulos. Embora exerçamos funções distintas, somos uma comunidade de irmãos e irmãs, cujo único mestre e Senhor é o Cristo. Quem exerce uma função de coordenação deve continuamente “vigiar e orar”, para que as motivações perigosas do poder não contaminem sua atuação. Um gestor(a) eclesial deve ser servir das melhores ferramentas gerenciais. Precisa estudar, ler, estar conectado com o mundo, inovar. Cercar-se de pessoas que o ajudem a ser cada vez mais eficaz. De outro lado, o convívio diário com a Palavra de Deus abre-lhe um espaço inusitado de gratuidade e de paz no coração. Ele(a) reconhece que a ação divina se serve das mediações humanas. Mas sabe também que a sabedoria, o olhar a realidade com os olhos de Deus, lhe vem por pura graça. A Igreja deve se apropriar dos bons mecanismos da gestão, mas não pode ser administrada somente como uma empresa. O Espírito Santo, com seus múltiplos dons, na diversidade de muitas línguas e expressões, circula na comunidade eclesial como o sangue que oxigena a mão e os dedos, mantendo-lhes vivos. O Espírito leva o gestor(a) eclesial a alimentar continuamente sua identidade de “discípulo e missionário”. A deixar-se iluminar pela luz de deus e a estimular os outros cristãos a trilharem o fascinante caminho de Jesus.

Planejamento, organização, liderança, controle e animação espiritual são competências que o gestor eclesial desenvolve, juntamente com outros membros da comunidade cristã. Cada vez mais, somos chamados a servir o povo de Deus, com generosidade e empenho, seriedade e alegria. As mesmas mãos que tecem os fios, cozinham, digitam, são também as que acariciam, acolhem o abraço, brincam, tocam instrumentos musicais e se unem em prece. São muitos dedos da mesma mão. E muitas mãos em mutirão.
(Artigo a ser publicado na Revista "Paróquias e Casas Religiosas")

sábado, 20 de junho de 2009

Frei Prudente Nery: o amigo

Hoje recebi uma notícia triste. Faleceu em Uberlândia (MG), nesta madrugada, Frei Prudente Nery. Perdi um amigo, um grande teólogo e meu orientador espiritual dos últimos anos. E o mundo perdeu um homem iluminado.
Lembro-me de seu bom humor, de suas observações originais e profundas. Com a voz suave, quase sussurrando, falava com o vigor e a liberdade dos profetas bíblicos. Como filho de São Francisco, amava a simplicidade, a vida escondida, a discreção, o ambiente familiar.
Ao mesmo tempo, transitava com facilidade por distintos saberes: a teologia, a filosofia, a psicologia, a antropologia. E nisto residia o prazer daqueles que o ouviam. Prudente jamais se repetia ou caia em “lugar comum”. A ele cabia uma originalidade sem par. A palavra que iluminava, desvelando a presença de Deus no cotidiano, nas buscas humanas. Uma admirável síntese do rigor alemão com a fluida poesia.
Faz algum tempo, Prudente deixou uma meditação sobre a morte. Esta mesma “irmã morte” que pai Francisco recordou ao final do Cântico das Criaturas. Dela seleciono o último parágrafo. Certamente, agora, Prudente experimenta o que poeticamente anteveu.
"Quando chega o inverno no hemisfério norte, sem que ninguém os instrua, os pássaros erguem-se espontaneamente aos céus em incrível aventura. Conduzidos por um misterioso legado de sua espécie, seguindo apenas os pulsos magnéticos da terra, eles voam, pelas trilhas do sol, milhares de quilômetros, noite e dia, à busca apenas de permanecer na vida. Assim há de ser também conosco, quando, no crepúsculo de todos os outonos, cair sobre nós o frio do inverno. Carregados, então, pelo fascinante destino de nossa espécie, nós voaremos, seguindo apenas os acenos da eternidade, rumo à morada da luz, o coração de Deus. E aí saberemos o que, agora, apenas intuímos e, ouvindo Jesus Cristo, o Caminho, a Verdade, a Vida, cremos: Não existem dois reinos, o reino dos mortos e o reino dos vivos, o reino da terra e o reino dos céus, mas apenas o Reino de Deus, que quis que fôssemos eternos".

domingo, 7 de junho de 2009

Trindade: que belo mistério

No “catecismo da doutrina cristã”, que surgiu no século 16, havia uma pergunta assim:
- Quem é Deus?
A resposta correspondente era:
- Deus é o Espírito Perfeitíssimo, criador do Céu e da Terra.
Se olharmos para pinturas antigas nas Igrejas, encontraremos o Deus-patriarcal, representado por um velho barbudo, de cabelos brancos, de vestes alvas.
Bem outra é a percepção de Deus, a partir da Bíblia. As escrituras judaicas, que nós cristãos chamamos de “Antigo Testamento” ou “Primeiro Testamento” nomeiam Deus preferentemente como “Javé”. Esta expressão resume dois lados da figura divina: Ele(a) é “Aquele(a) que é”, simplesmente sem outras definições. Javé também é o Deus que “está do lado do seu povo”. Podíamos resumir assim: transcendência e presença.
Porque Ele(a) é sempre mais do que podemos imaginar ou representar, os judeus prescreveram que não se podia fazer qualquer imagem de Javé. De outro lado, Javé se mostra na caminhada histórica do seu povo como “o libertador”, “o resgatador” (goel), aquele que oferece uma aliança: “Eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo”. Somente mais tarde, no momento de grande crise no exílio, eclode a consciência explícita que Javé é o criador.
Nós, cristãos, herdamos dos judeus uma crença de que o nosso Deus não é uma mera força cósmica impessoal, que garante o eterno ciclo das coisas, e sim o “Deus conosco”, que acompanha a história do seu povo. E, porque é libertador, é também criador. O ato criador, que pode ser compreendido como um imenso processo evolutivo, consiste em organizar o caos, dar sentido, beleza e harmonia à bioesfera. E Deus prepara o ser humano para ser o “jardineiro da criação”, cuidar dela, tirar o necessário para seu sustento, dominar e cultivar.
A partir de Jesus de Nazaré, Deus se fez um como nós. Quis viver nossa vida, provar o jeito de ser das criaturas, levar à máxima expressão as possibilidades humanas de fazer o bem.
Ao final de sua missão, o próprio Jesus promete aos seus discípulos que lhes enviaria o Espírito Santo. Na visão do evangelista João, o Espírito é chamado de Paráclito, palavra grega que sintetiza muitos papéis: advogado, defensor, intercessor, representante... Na expressão de Lucas, o Espírito é o sopro e o fogo divino, presente em Jesus de Nazaré, que é derramado nos seus seguidores. Para Paulo, o Espírito clama em nós, como a força do Ressuscitado.
Assim provamos Deus, como Aquele(a) que simultaneamente é:
- antes de nós (preparando o cosmo e a história, oferecendo a possibilidade de processos de libertação e de aliança),
- conosco (no caminho do deserto, na vida de Jesus de Nazaré)
- e em nós (pelo Espírito Santo), abrindo caminho para o futuro.
Nos primeiros séculos do cristianismo, houve muita polêmica e discussão, até chegar ao consenso de que o nosso Deus é um só, em três pessoas divinas. Não se trata de um “mistério lógico”, de um enigma a resolver, e sim de um “poema inesgotável”: quanto mais se conhece, mais possibilidades se abrem...
Em Deus, a diferença não cria divisão. E a unidade não descamba em individualismo. Bela lição para o ser humano... No momento em que a humanidade valoriza as diferenças de culturas e etnias, de gerações, de gênero (homem-mulher) e de identidades sexuais, voltamo-nos para a Trindade como figura inspiradora. Deus mesmo é unidade na diferença, comunidade construída continuamente no amor que circula e se extravasa.
Quando se descobre que a biodiversidade é o fundamento da força dos ecossistemas, que o diverso possibilita múltiplas relações de cooperação entre os seres, voltamo-nos novamente para o Deus tri-uno. Pois na comunidade trinitária “somos, nos movemos e existimos”.Que belo mistério, este de Deus!

Imagem: Santíssima Trindade- Marcos Lara- artista gráfico
Nanquim s/ Papel

domingo, 31 de maio de 2009

Pentecostes: descobertas do Espírito

Na minha vida, posso identificar três grandes descobertas sobre o Espírito Santo.

A primeira aconteceu quando eu era adolescente e morava em Uberaba. Fiz um “retiro de renovação no Espírito”, sob a animação do Padre Haroldo Rahm. Este acontecimento inesperado gerou em mim muitas experiências belas e tatuagens indeléveis. Aprendi a rezar com o coração, a provar a beleza da prece de louvor, da oração em comum e de nutrir-me com o testemunho de vida dos outros. Resumo esta descoberta assim: “O Espírito de Deus habita no coração dos fiéis”. Ele clama em nós, para que o nosso ser caminhe em direção a Deus. Certa vez, quando fui ao um dia de oração, o Ir. Aleixo Maria Autran, de saudosa memória, nos recordou que quando oramos, o Espírito de Deus fala em nós. É como um rio subterrâneo. Quem reza busca a água no poço. Ela já está lá, basta puxá-la com o balde, a cacimba ou a bomba hidráulica.
Várias músicas da renovação carismática traduzem esta forma de provar o Espírito de Deus. Gosto muito de uma que diz: “Renova-me Senhor com teu Espírito, renova-me Senhor. Então eu sentirei teu fogo de amor, aqui no coração, Senhor”.

A descoberta seguinte veio uns tempos depois. Participei do “Concílio de Jovens”, organizado pela comunidade ecumênica de Taizé, em Vitória e posteriormente em Lins. Quando entrei no noviciado, fui atuar nos fins de semana numa periferia de Campinas. Ali conheci de perto a Igreja dos pobres, a teologia da libertação, o início das comunidades da base. Percebi que o Espírito Santo não agia somente no coração de cada pessoa de bem, e sim também em todos aqueles que comunitariamente se empenham para construir uma nova sociedade. Os muitos anos de convivência em comunidades populares na periferia de Montes Claros e Belo Horizonte me possibilitaram conhecer pessoas extraordinárias no meio dos pobres. Lembro-me delas quando recordo da oração de Jesus, que sob a força do Espírito exulta de alegria: “Eu te bendigo, Pai, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos” (Lc 10,20s). Desde então tenho lutado para ampliar a consciência de adultos e jovens, para mostrar-lhes que a fé comporta necessariamente um compromisso social. É emblemática a música de Zé Vicente, que diz: “Quando o Espírito de Deus soprou, o mundo inteiro se iluminou. A esperança na terra brotou, e um povo novo deu as mãos e caminhou”. Inspirados nos profetas bíblicos e no próprio Jesus, em quem o Espírito de Deus repousa (Lc 4,14.18), fazemos parte dessa grande e pouco visível corrente dos que acreditam num novo projeto de sociedade, suscitado pelo mesmo Espírito, que faz novas todas as coisas (Ap 21,5).

A última descoberta do Espírito, mais recente e igualmente importante, veio da minha participação no movimento ecológico e do que isso estimulou em mim. Certa vez, quando observava a desova de tartarugas marinhas no litoral do Espírito Santo, vi uma voluntária, bióloga, que retirava cuidadosamente as cascas dos ovos para ajudar os filhotes que, por si só, não conseguiram eclodir da areia quente e caminhar para o mar. Alguém lhe perguntou: “Porque você está fazendo isso?”. Ela respondeu, com brilho no olhar: “Estou cuidando da Vida”. Jamais esqueci esta cena. O engajamento nas grandes causas ambientais leva os cristãos a perceber que a ação do Espírito de Deus é bem anterior à constituição de uma religião. No primeiro versículo da bíblia se afirma que “o Espírito de Deus pairava sobre as águas (Gn 1,1)”. O teólogo contemporâneo J. Moltmann afirma no seu livro “Deus na criação”, que o Espírito Santo é a força de Deus que molda a unidade na diversidade, a começar da evolução do cosmos, passando pela biodiversidade e a convivência humana e chegando até o mistério da Trindade. Ampliei então minha percepção sobre algo que eu rezava e cantava muitas vezes: “Envia teu Espírito Senhor, e renova a face da Terra” (Salmo 104,30). O Espírito Santo é também a grande força evolutiva que sustenta e renova a criação. Por isso, cuidar do nosso planeta, frear o processo destrutivo que está em marcha e garantir a sustentabilidade é ouvir um apelo de Deus, cujo Espírito geme nas criaturas (Rm 19,22).

Neste dia de Pentecostes, creio que estas três dimensões do Espírito Santo são fundamentais para viver a fé contemporaneamente: experimentar a Deus na subjetividade, ouvir seu apelo na realidade e sintonizar com Ele em todas as criaturas. Que esta chama divina nos ilumine, nos aqueça e nos encante. Amém!

Texto: Afonso Murad
Gravura: Ir. Anderson,msc