domingo, 7 de junho de 2009

Trindade: que belo mistério

No “catecismo da doutrina cristã”, que surgiu no século 16, havia uma pergunta assim:
- Quem é Deus?
A resposta correspondente era:
- Deus é o Espírito Perfeitíssimo, criador do Céu e da Terra.
Se olharmos para pinturas antigas nas Igrejas, encontraremos o Deus-patriarcal, representado por um velho barbudo, de cabelos brancos, de vestes alvas.
Bem outra é a percepção de Deus, a partir da Bíblia. As escrituras judaicas, que nós cristãos chamamos de “Antigo Testamento” ou “Primeiro Testamento” nomeiam Deus preferentemente como “Javé”. Esta expressão resume dois lados da figura divina: Ele(a) é “Aquele(a) que é”, simplesmente sem outras definições. Javé também é o Deus que “está do lado do seu povo”. Podíamos resumir assim: transcendência e presença.
Porque Ele(a) é sempre mais do que podemos imaginar ou representar, os judeus prescreveram que não se podia fazer qualquer imagem de Javé. De outro lado, Javé se mostra na caminhada histórica do seu povo como “o libertador”, “o resgatador” (goel), aquele que oferece uma aliança: “Eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo”. Somente mais tarde, no momento de grande crise no exílio, eclode a consciência explícita que Javé é o criador.
Nós, cristãos, herdamos dos judeus uma crença de que o nosso Deus não é uma mera força cósmica impessoal, que garante o eterno ciclo das coisas, e sim o “Deus conosco”, que acompanha a história do seu povo. E, porque é libertador, é também criador. O ato criador, que pode ser compreendido como um imenso processo evolutivo, consiste em organizar o caos, dar sentido, beleza e harmonia à bioesfera. E Deus prepara o ser humano para ser o “jardineiro da criação”, cuidar dela, tirar o necessário para seu sustento, dominar e cultivar.
A partir de Jesus de Nazaré, Deus se fez um como nós. Quis viver nossa vida, provar o jeito de ser das criaturas, levar à máxima expressão as possibilidades humanas de fazer o bem.
Ao final de sua missão, o próprio Jesus promete aos seus discípulos que lhes enviaria o Espírito Santo. Na visão do evangelista João, o Espírito é chamado de Paráclito, palavra grega que sintetiza muitos papéis: advogado, defensor, intercessor, representante... Na expressão de Lucas, o Espírito é o sopro e o fogo divino, presente em Jesus de Nazaré, que é derramado nos seus seguidores. Para Paulo, o Espírito clama em nós, como a força do Ressuscitado.
Assim provamos Deus, como Aquele(a) que simultaneamente é:
- antes de nós (preparando o cosmo e a história, oferecendo a possibilidade de processos de libertação e de aliança),
- conosco (no caminho do deserto, na vida de Jesus de Nazaré)
- e em nós (pelo Espírito Santo), abrindo caminho para o futuro.
Nos primeiros séculos do cristianismo, houve muita polêmica e discussão, até chegar ao consenso de que o nosso Deus é um só, em três pessoas divinas. Não se trata de um “mistério lógico”, de um enigma a resolver, e sim de um “poema inesgotável”: quanto mais se conhece, mais possibilidades se abrem...
Em Deus, a diferença não cria divisão. E a unidade não descamba em individualismo. Bela lição para o ser humano... No momento em que a humanidade valoriza as diferenças de culturas e etnias, de gerações, de gênero (homem-mulher) e de identidades sexuais, voltamo-nos para a Trindade como figura inspiradora. Deus mesmo é unidade na diferença, comunidade construída continuamente no amor que circula e se extravasa.
Quando se descobre que a biodiversidade é o fundamento da força dos ecossistemas, que o diverso possibilita múltiplas relações de cooperação entre os seres, voltamo-nos novamente para o Deus tri-uno. Pois na comunidade trinitária “somos, nos movemos e existimos”.Que belo mistério, este de Deus!

Imagem: Santíssima Trindade- Marcos Lara- artista gráfico
Nanquim s/ Papel

Um comentário:

Lucio disse...

Murad, gostei do seu texto. Vou usar na catequese. Um abraço.