sábado, 31 de janeiro de 2015

Curso em Passo Fundo: ECOESPIRITUALIDADE

Estive em Passo Fundo, colaborando como docente na pós-graduação lato sensu em "Teologia da Espiritualidade", organizado pelo ITEPA - Faculdades, sob a coordenação do Padre Ivanir Rampon.
Durante 16 horas trabalhamos com a disciplina "Ecoespiritualidade".
Grupo excelente, de 18 pessoas, constituído por religiosas e jovens presbíteros.


Segue a proposta, que sofreu modificação no correr do curso.

1. Objetivos
- Identificar os elementos qualificadores da ecoespiritualidade cristã, a partir da Bíblia e da Tradição eclesial.
- Exercitar a oração de contemplação e de louvor na perspectiva da espiritualidade ecológica.
- Compreender os princípios da ecoalfabetização e relacioná-los com a prática pastoral.
- Analisar criticamente a cadeia produtiva do sistema capitalista, do ponto de vista ecológico, humanista e espiritual.
- Motivar-se para realizar práticas sustentáveis no âmbito pessoal, familiar, eclesial e institucional.

2. Conteúdo
2.1. Elementos bíblicos para a ecoespiritualidade: Gen 1-2, Salmos 19 e 104, profetismo, criação no Espírito, a Palavra criadora, Cristo cósmico, Novo céu e nova Terra, unidade de criação, salvação e recapitulação.
2.2. A oração de louvor a partir dos Salmos.
2.3. Ecoalfabetização: princípios e consequências pastorais.
2.4. Espiritualidade e Evolução do cosmos. Contribuição de Teilhard de Chardin.
2.5. A “História das coisas”. Cadeia produtiva, ecologia e humanização.
2.6. Um credo ecológico em construção.

2.7. Espiritualidade e ética. Sugestão de práticas sustentáveis.

3. Avaliação
- Participação em aula.
- Trabalho de análise e síntese.

4. Bibliografia básica
BOFF, Leonardo. Cuidar da Terra, proteger a vida: como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2010.
BOFF, L., Ecologia: Grito da Terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, p. 14-46.
CALLEMBACH, Ernest. Ecologia: um guia de bolso. São Paulo: Peirópolis, 2001.
CODINA, V., No extingais el Espíritu. Uma iniciación a la pneumatología. Santander: Sal Terrae, 2008, p.63-228.
Concilium 2009/3. Revista Internacional de Teologia: Ecoteologia. Petrópolis: Vozes.
GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
JUNGES,  J.R. (Bio)Ética ambietal. São Leopoldo: Unisinos, 2010.
LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LOVELOCK, James. Gaia: cura para um planeta doente. São Paulo: Cutrix, 2006.
MOLTMANN, J. A fonte da vida. O Espírito Santo e a teologia da vida. São Paulo: Loyola, 2002, p. 115-127.
MOLTMANN, J. Dios en la creación. Doctrina ecológica de la creación. Sígueme: Salamanca, 1987, p.9-53.
PANIKKAR, R. Ecosofía. Para una espiritualidade de la tierra. Madrid: San Pablo, 1994
RAMPON, Ivanir Antonio. A irmandade cósmica – uma reflexão eco-espiritual a partir do Cântico ao Irmão Sol de São Francisco de Assis, in FAVRETO, Clair e RAMPON, Ivanir Antonio (orgs.). Eu sou Aquele que Sou. Uma homenagem aos 25 anos do Instituto de Teologia e Pastoral. Passo Fundo, Berthier, p. 10-37, 2008.
REIMER, H., Toda a criação. Bíblia e ecologia. São Leopoldo: OIKOS, 2006
SUSIN, L.C; SANTOS, J.M. (orgs), Nosso planeta, nossa vida. Ecologia e teologia. São Paulo: Paulinas, 2011.
SOTER (Org.). Sustentabilidade da vida e espiritualidade. São Paulo: Paulinas, 2008.
TAVARES, S.S., Teologia da Criação. Outro olhar – novas relações. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 57-70.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

IDA: um filme para refletir sobre as escolhas

Maria Clara L. Bingemer
                                   
Belíssimo filme: Ida.  Um nome de mulher, a história de duas mulheres, narrada em preto e branco.  Temática muito conhecida e trilhada, mas filmada com extrema originalidade. Sutil, inteligente, fino e exigente para a mente e o coração do espectador.  E de profunda beleza. Saber que ganhou prêmios em importantes festivais dá esperanças em relação ao gosto de nossos contemporâneos (..).

Ida começa e acaba em um obscuro e humilde convento, em uma cidade do interior da Polônia.  A personagem central é Anna, aliás Ida, uma obscura jovem noviça, que se prepara para fazer os votos perpétuos de pobreza, castidade e obediência.  Antes disso, porém, deverá, por ordem da superiora, empreender uma misteriosa e longa viagem em busca de sua identidade verdadeira.  Pois, embora seja uma freira católica, Anna não se chama Anna e sim Ida e não nasceu católica, mas judia.
A única pessoa que pode revelar-lhe isso é sua tia Wanda, irmã de sua mãe, uma juíza do Partido Comunista, mulher de vida livre, que bebe e fuma muito, e tem uma multiplicidade de amantes que a marcam indelevelmente em seu já muito machucado coração. Após revelar à jovem sua verdadeira origem e nome, essa dupla improvável de mulheres parte para uma jornada em busca dos restos do passado, a fim de descobrir mais profundamente quem são.

Pawel  Pawlikowski narra com grande maestria a história de Ida e Wanda em admiráveis interpretações de duas Agatas: Agata Kulesza (Wanda) e Agata Trzebuchhowska (Ida), as duas atrizes que encarnam a noviça e a juíza. Enquanto buscam o fio da narrativa de suas vidas e de seus antepassados, relatam em senso invertido a história da maior tragédia que se abateu sobre o século XX, o holocausto nazista.

Em hebraico bíblico, a palavra “holocausto” significa a oferta que sacrifica algo – normalmente um animal -  o qual é inteiramente consumido pelo fogo e assim sobe como fumaça até Deus. Tratava-se de um sacrifício expiatório pelo perdão dos pecados, embora também fosse celebrado em ação de graças e adoração a Deus. O específico do holocausto era o fato de que a vítima devia ser um animal macho, sem defeito e ser inteiramente queimado, dele nada restando a não ser seu sangue, separado da carne e derramado sobre o altar.
No século passado, Holocausto passou a designar outro evento, coletivo, ganhando o nome hebraico moderno de Shoá. Enquanto o holocausto bíblico significava etimologicamente “todo queimado” (holos+kaustos), Shoá é sinônimo de catástrofe, destruição e identifica o genocídio ou assassinato em massa de cerca de seis milhões de judeus  durante a Segunda Guerra Mundial,  através de um programa sistemático de extermínio étnico praticado pelo Estado nazista e que ocorreu em todos os territórios ocupados pelos alemães durante a guerra.

Dos nove milhões de judeus que residiam na Europa antes do Holocausto, cerca de dois terços foram mortos; mais de um milhão de crianças, dois milhões de mulheres e três milhões de homens judeus morreram durante o período. Enquanto o holocausto bíblico oferecia sacrifícios de animais, o holocausto nazista sacrificava pessoas, famílias inteiras.
Em sua peregrinação, Ida vai em busca do que restou de sua família em meio ao horror dos anos do nazismo. Wanda intui o que se passou, mas nunca foi verificar de perto.  A presença de Ida a leva até o lugar tenebroso onde, em cena tão terrível quanto bela, ambas devem devolver ao lugar adequado o que lhes foi roubado pela violência e a crueldade de um regime inumano.

Ambas mulheres são feitas para abrigar e alumbrar a vida, Wanda e Ida reagem a essa tremenda experiência de modos diferentes.  Enquanto Wanda não encontra outra maneira de libertar-se do círculo infernal da morte senão pela própria morte, o caminho de Ida é diferente. Havendo testado a vida que nunca viveu e contemplado a morte dos seus que nunca conheceu, a pergunta que lhe resta é: “Por que estou viva e não morta?“
É em busca da plenitude desta vida que seu caminho a levará. Porém, irá de encontro a uma vida que consistirá no holocausto de si mesma, oferecendo-se a Deus e aos outros através da consagração religiosa. A noviça Anna/Ida, que não pronunciara seus votos, volta a seu convento.  É no caminho para esta casa que o diretor a deixa, não fornecendo detalhes sobre seu futuro. Cabe a cada espectador escrever seu final.

No ano da vida consagrada, Ida é um filme que questiona profundamente cada um de nós sobre o sentido da vida, sobre a alteridade que convoca a uma doação total de nós mesmos, sobre opções de vidas que não são para todos, mas que certamente são para alguns e algumas.  Às Idas de ontem e de hoje, que atravessaram as “Shoás” diversas que se apresentaram; àquelas que tiveram a coragem de responder a um chamado e viver uma vocação por inteiro, como holocausto de amor nos altares da vida cotidiana, minha admiração e meu carinho.

Nome original do artigo: IDA OU A CONSAGRAÇÃO COMO HOLOCAUSTO