segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Forum Mundial de Teologia e Libertação (3)

Foi uma noite memorável. Daquelas que a gente guarda na lembrança, para alimentar os sonhos, nutrir as esperanças e fortalecer as convicções. Éramos quase mil pessoas, durante o III Fórum de Teologia e Libertação, acontecido em Belém do Pará.
O tema inspirador “a vida da Terra a partir da Amazônia” foi contemplado com três olhares complementares. Para começar, uma breve exposição de Felício Pontes, jovem advogado e procurador da República no Estado do Pará. Felício tem se destacado pela defesa dos povos indígenas, dos ribeirinhos, dos rios e das matas, num contexto onde a lei é ditada pela violência e pelo poder econômico insano.
A seguir, veio a palestra de Marina Silva, ex-ministra do meio ambiente e atual senadora da república. Esta mulher, fisicamente frágil, se reveste de enorme vigor quando assume a bandeira da sustentabilidade com equidade social. Com um arsenal de dados inquestionáveis, mostrou como a Amazônia é importante para o equilíbrio ecológico do Brasil e do mundo. Usou uma imagem significativa: Mais do que o pulmão do mundo, a Amazônia é um dos seus rins. Graças à imensidão de rios e florestas, garante-se um enorme fluxo de águas que mantém o equilíbrio do ecossistema. Lembrou da enorme riqueza que significa para a humanidade a sua biodiversidade para a geração de riqueza e a evolução do conhecimento, sobretudo para o uso da indústria farmacêutica e cosmética. Recordou que a Amazônia não é somente floresta e rios, mas também os povos que aqui habitam e interagem com o ambiente.
Para terminar, escutamos a palavra de Leonardo Boff, o teólogo visionário que, desde o início da década de noventa, preconizou que a fé cristã engajada com a transformação do mundo deve incorporar a questão ecológica na espiritualidade, na reflexão e na sua prática. Anunciou profeticamente que devíamos escutar o grito da Terra e sentirmo-nos filhos dela, enquanto filhos de Deus.Tão importante quanto o conteúdo daquilo que transmitiram, Benício, Marina e Boff falaram pela sua presença. Eles são referências que estimulam a muitos. Pessoas que dão a vida pela causa da humanidade e do nosso planeta. Não se dobram diante da mesmice e das intimidações. São luzes que se juntam a todas outras, neste momento em que Belém do Pará se transforma no coração do mundo. Este mundo que geme, espera e luta por mudanças.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Forum Mundial de Teologia e Libertação (2)

O Fórum Mundial de Teologia e Libertação segue em seu terceiro dia. Pela manhã tivemos as Conferências em torno do tema “Dimensão eco-teológica da corporeidade” com a contribuição de três especialistas. Michel Dubois, pesquisador da França ofereceu uma reflexão sobre a partir das ciências biológicas, para mostrar a relação dos indivíduos com organismos e sistemas. A seguir, a teóloga coreana Chung Hyun Kyung apresentou seu pensamento sobre “Corpo, terra e ecoteologia”, mesclando elementos da teologia ocidental com o pensamento feminista. Por fim, a houve a palestra apaixonada da polêmica teóloga norte-americana Mary Hunt.
Mary Hunt esteve no grupo que ontem à tarde visitou a comunidade de Aurá, na periferia de Belém. Lá vimos a dura situação dos catadores que ainda selecionam os resíduos no aterro sanitário (não controlado) da cidade. Também ouvimos o depoimento da associação dos recicladores, das mulheres que cultivam ervas medicinais e do artista popular “Seu Domingos” (foto). Este último estava no lixão catando resíduos, quando chegamos lá. Veio conosco no ônibus, cantando, tocando gaita e dançando carimbó. Uma síntese da resistência de um povo que não desiste, apesar de tudo. Recordei-me de uma frase do velho e sábio José Comblin: “enquanto houver pobres e excluídos, enquanto houver indignação e esperança, a Teologia da Libertação estará viva”.
Hoje a tarde haverá oficinas e comunicações diversas. Vou participar da oficina intitulada “Ecologia e espiritualidade”, animada pela biblista Margô Bremen, alemã que vive no Paraguai junto dos indígenas, e do teólogo brasileiro Luis Carlos Susin. Ambos são pessoas a quem respeito como teólogos(as) e admiro como amigos.
O dia terminará com uma conferência da Senadora Marina Silva, com o título: “A vida do Planeta desde a Amazônia”.O Fórum de Teologia reserva surpresas a cada dia. Por vezes, devido aos temas e as interpelações teóricas. Outros momentos, pelos depoimentos e experiências práticas. E por fim, pela beleza das pessoas e de seu compromisso com um mundo efetivamente melhor, a partir da fé.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Forum Mundial de Teologia e Libertação (1)

Estou em Belém do Pará, participando do Fórum Mundial de Teologia e Libertação. No primeiro dia, Leonardo Boff brindou os participantes com uma lúcida e poética conferência, intitulada: “Água, Terra, Ecologia. Rumo a um paradigma ecológico”. Houve também comunicações e oficinas, girando em torno a diversos assuntos. Tomei parte em uma, na qual se apresentaram relatos sobre a visão integradora dos nossos povos indígenas a respeito do ser humano, do ambiente e de Deus. Gostei sobretudo da apresentação da Ernestina Lopes, uma teóloga e pastoralista da Guatemala. Este país apresenta uma multiplicidade de “povos da Terra”, com línguas, costumes e religiosidade próprias. Ernestina e tantos outros agentes de pastoral realizam uma Pastoral Indígena inculturada e articulada em torno às grandes questões da humanidade.
O Fórum de Teologia, como tantos outros temáticos, acontece em Belém antes do Fórum Social Mundial, que se realizará nos dias 27 a 30 de janeiro. Por que Belém? Para sinalizar ao mundo inteiro a importância da Amazônia e da ecologia, em vista de “um novo mundo possível e necessário”.
O segundo dia do Fórum de Teologia começa com uma Conferência sobre: “Espiritualidade e ética na agenda da sustentabilidade”, com Emilie Townes, norte americano, e Steve Degruchy, da África do Sul. À tarde haverá uma mesa redonda sobre “Direitos Humanos e Teologia”, como também visitas programadas a diversas iniciativas sócio-ambientais na região metropolitana de Belém.O Fórum de Teologia é um espaço de reflexão, partilha de experiências e celebração. A diversidade de pessoas, línguas e esquemas mentais é muito enriquecedora. Sentimo-nos parte de um mesmo povo, os seguidores de Jesus, que se empenham para semear e colher os frutos do Reino de Deus, em vista de uma sociedade justa, solidária e sustentável. Aqui, os sonhos não são devaneios. Tudo respira vida e esperança.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

"Dimenor"

A Rede Globo levou ao ar na noite de 04 de janeiro, no “Fantástico” uma reportagem sobre crianças e adolescentes em conflito com a lei. O tema foi apresentado em dois blocos, ocupando bastante tempo. Trata-se de uma série, intitulada: “Dimenor”. Como se torna cada vez mais corrente, o assunto começa e termina com casos individualizados, histórias de vida trágicas e sofridas. Tomam-se, como exemplos ilustrativos, situações do Nordeste e do Sul do Brasil, respectivamente em Fortaleza e Curitiba. Entre as histórias, ganham destaque a de um menino de 12 anos, detido duas vezes por assalto, consumo e tráfico de drogas, e a de uma adolescente grávida, com fatos semelhantes. Há ainda outra adolescente, que assassinou duas pessoas e narra o fato com desenvoltura, embora reconheça que tenha sentido “peso na consciência”. E, para completar, o choro das mães pobres, a palavra de juízes e até o testemunho de um casal rico, cuja filha foi brutalmente assassinada por dois rapazes de 15 e 17 anos, que atualmente cumprem medida sócio-educativa de privação de liberdade.
O que distingue esta delinquência real e cruel de adolescentes pobres, daquela narrada pela mesma rede nas noites de semana, na novela “A favorita”? No primeiro caso, não sabemos qual será o desfecho da história destes jovens. Alguns possivelmente serão vítimas do próprio narcotráfico, como o seriado “Dimenor” insinua. No segundo caso, Flora, a delinquente da ficção se alimenta bem, mata muitos, mente e engana durante grande parte do enredo da novela. Cabe aos representantes do Bem o triunfo em alguns míseros capítulos finais, que serão logo esquecidos. Para a mídia, apresentar a desumanização, tanto na ficção quanto na vida real, causa um impacto emocional momentâneo no telespectador. Transforma-se numa lúgubre forma de entretenimento. E nada mais.
O mais grave da reportagem do Fantástico é desconectar a delinqüência juvenil das suas causas sociais e culturais. Quem atua na área social sabe que, por detrás de um adolescente infrator, há uma enorme trama na qual se misturam violência, exclusão social, falta de oportunidades de acesso à educação e à cultura, núcleo familiar desestruturado, ausência de perspectiva para viver, etc... Soluções simples e imediatistas são ineficazes. Não se trata somente de ampliar o tempo limite para a privação de liberdade, como o programa diz nas entrelinhas, mas efetivamente oferecer possibilidades para que um adolescente tenha condições de transformar sua vida. Enquanto a mídia se contentar em apresentar fatos isolados, com coloração trágica, sem relacioná-los com suas causas e alternativas conjugadas de mudança, estaremos mergulhados numa sequência de fatos desconexos. E sem esperanças.
Para muitos adolescentes que já chegaram à situação de infratores, depois de uma vida atribulada, as chances são pequenas, mas ainda existem. Para tantos outros, no limite tênue da pobreza e da marginalidade, as possibilidades de se tornarem cidadãos com dignidade serão maiores, se efetivamente se consolidarem políticas públicas de educação e inserção social. E seria muito bom que a Globo lembrasse disso na próxima vez. Especialmente no momento em que os novos prefeitos e vereadores assumem seus mandatos.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Na contramão ambiental

Transcrevo a seguir trechos do artigo publicado no caderno “Mais”, da Folha. O autor expressou, de forma lúcida e sucinta, algo que eu percebia ao ler as reportagens sobre os recentes desastres ambientais. Há algo mais profundo, que não aparece nas primeiras páginas dos jornais, nem nas manchetes dos telenoticiários.
“A verdadeira crise ambiental não está nos acidentes, nos momentos excepcionais, mas sim na continuidade cotidiana e despercebida de padrões de produção e consumo ecologicamente insustentáveis. O desgaste da capacidade do planeta para sustentar as sociedades humanas, mesmo tendo em conta as grandes diferenças de escala e de contexto entre as diversas regiões e grupos sociais, ocorre de forma acumulativa no dia-a-dia, ocasionalmente explodindo em situações dramáticas e de grande visibilidade.
A tendência dos meios de comunicação é focalizar apenas esses momentos de forte energia emocional, quando ocorre um vazamento de petróleo, uma enchente, a apreensão de um grande estoque de madeira cortada ilegalmente na Amazônia etc. O pior da crise, no entanto, fica dissimulado na gigantesca teia dos fluxos diários de matéria e energia que movimentam a economia global e pressionam os recursos renováveis e não-renováveis da Terra. Enquanto isso, a opinião pública continua tendo uma visão distante e fragmentada da crise ambiental, como se ela passasse ao largo da vida social e econômica de todos os dias.
Apesar da enorme expansão quantitativa da preocupação ambiental na opinião pública, a compreensão dos problemas continua vaga e superficial, e as manchetes pouco têm contribuído para melhorar esse quadro. As primeiras páginas, por exemplo, abrem espaço para os megaengarrafamentos na cidade de São Paulo. Mas poucos se dão conta de que a cada dia, silenciosamente, cerca de 800 novos automóveis são introduzidos na cidade, gerando um entupimento estrutural das vias públicas que não será resolvido com medidas pontuais de engenharia. As imagens de depósitos de mogno ilegalmente cortado na Amazônia são apresentadas com destaque, mas poucos saberão que, ao se cortar um pé de mogno, cerca de 30 árvores de diferentes espécies são destruídas em função dos métodos rudimentares utilizados pelas madeireiras.
São árvores que não serão contabilizadas nas estatísticas econômicas e não aparecerão na mídia, apesar de deixarem sua marca nos crescentes empobrecimento genético e vulnerabilidade ao fogo da floresta amazônica, para não falar da devastação pura e simples. Esses são apenas alguns exemplos, que continuarão se multiplicando enquanto a opinião pública considerar o ambiente como alguma coisa "lá fora" e não como uma realidade material que se confunde com todos os movimentos do existir humano.
O enfrentamento da crise sobre a qual tanto se fala, portanto, não poderá ser feito por meio de medidas pontuais ou emergenciais. Ele passa pela construção de um novo entendimento sobre os limites e possibilidades do desenvolvimento humano em um planeta finito”.
(Fonte: José Augusto Pádua, Folha de São Paulo, Caderno Mais, 28/12/2008)