
O que distingue esta delinquência real e cruel de adolescentes pobres, daquela narrada pela mesma rede nas noites de semana, na novela “A favorita”? No primeiro caso, não sabemos qual será o desfecho da história destes jovens. Alguns possivelmente serão vítimas do próprio narcotráfico, como o seriado “Dimenor” insinua. No segundo caso, Flora, a delinquente da ficção se alimenta bem, mata muitos, mente e engana durante grande parte do enredo da novela. Cabe aos representantes do Bem o triunfo em alguns míseros capítulos finais, que serão logo esquecidos. Para a mídia, apresentar a desumanização, tanto na ficção quanto na vida real, causa um impacto emocional momentâneo no telespectador. Transforma-se numa lúgubre forma de entretenimento. E nada mais.
O mais grave da reportagem do Fantástico é desconectar a delinqüência juvenil das suas causas sociais e culturais. Quem atua na área social sabe que, por detrás de um adolescente infrator, há uma enorme trama na qual se misturam violência, exclusão social, falta de oportunidades de acesso à educação e à cultura, núcleo familiar desestruturado, ausência de perspectiva para viver, etc... Soluções simples e imediatistas são ineficazes. Não se trata somente de ampliar o tempo limite para a privação de liberdade, como o programa diz nas entrelinhas, mas efetivamente oferecer possibilidades para que um adolescente tenha condições de transformar sua vida. Enquanto a mídia se contentar em apresentar fatos isolados, com coloração trágica, sem relacioná-los com suas causas e alternativas conjugadas de mudança, estaremos mergulhados numa sequência de fatos desconexos. E sem esperanças.
Para muitos adolescentes que já chegaram à situação de infratores, depois de uma vida atribulada, as chances são pequenas, mas ainda existem. Para tantos outros, no limite tênue da pobreza e da marginalidade, as possibilidades de se tornarem cidadãos com dignidade serão maiores, se efetivamente se consolidarem políticas públicas de educação e inserção social. E seria muito bom que a Globo lembrasse disso na próxima vez. Especialmente no momento em que os novos prefeitos e vereadores assumem seus mandatos.
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