sábado, 3 de janeiro de 2009

Na contramão ambiental

Transcrevo a seguir trechos do artigo publicado no caderno “Mais”, da Folha. O autor expressou, de forma lúcida e sucinta, algo que eu percebia ao ler as reportagens sobre os recentes desastres ambientais. Há algo mais profundo, que não aparece nas primeiras páginas dos jornais, nem nas manchetes dos telenoticiários.
“A verdadeira crise ambiental não está nos acidentes, nos momentos excepcionais, mas sim na continuidade cotidiana e despercebida de padrões de produção e consumo ecologicamente insustentáveis. O desgaste da capacidade do planeta para sustentar as sociedades humanas, mesmo tendo em conta as grandes diferenças de escala e de contexto entre as diversas regiões e grupos sociais, ocorre de forma acumulativa no dia-a-dia, ocasionalmente explodindo em situações dramáticas e de grande visibilidade.
A tendência dos meios de comunicação é focalizar apenas esses momentos de forte energia emocional, quando ocorre um vazamento de petróleo, uma enchente, a apreensão de um grande estoque de madeira cortada ilegalmente na Amazônia etc. O pior da crise, no entanto, fica dissimulado na gigantesca teia dos fluxos diários de matéria e energia que movimentam a economia global e pressionam os recursos renováveis e não-renováveis da Terra. Enquanto isso, a opinião pública continua tendo uma visão distante e fragmentada da crise ambiental, como se ela passasse ao largo da vida social e econômica de todos os dias.
Apesar da enorme expansão quantitativa da preocupação ambiental na opinião pública, a compreensão dos problemas continua vaga e superficial, e as manchetes pouco têm contribuído para melhorar esse quadro. As primeiras páginas, por exemplo, abrem espaço para os megaengarrafamentos na cidade de São Paulo. Mas poucos se dão conta de que a cada dia, silenciosamente, cerca de 800 novos automóveis são introduzidos na cidade, gerando um entupimento estrutural das vias públicas que não será resolvido com medidas pontuais de engenharia. As imagens de depósitos de mogno ilegalmente cortado na Amazônia são apresentadas com destaque, mas poucos saberão que, ao se cortar um pé de mogno, cerca de 30 árvores de diferentes espécies são destruídas em função dos métodos rudimentares utilizados pelas madeireiras.
São árvores que não serão contabilizadas nas estatísticas econômicas e não aparecerão na mídia, apesar de deixarem sua marca nos crescentes empobrecimento genético e vulnerabilidade ao fogo da floresta amazônica, para não falar da devastação pura e simples. Esses são apenas alguns exemplos, que continuarão se multiplicando enquanto a opinião pública considerar o ambiente como alguma coisa "lá fora" e não como uma realidade material que se confunde com todos os movimentos do existir humano.
O enfrentamento da crise sobre a qual tanto se fala, portanto, não poderá ser feito por meio de medidas pontuais ou emergenciais. Ele passa pela construção de um novo entendimento sobre os limites e possibilidades do desenvolvimento humano em um planeta finito”.
(Fonte: José Augusto Pádua, Folha de São Paulo, Caderno Mais, 28/12/2008)

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