sábado, 2 de agosto de 2008

Dignidade para as crianças


Outro dia, estive em Itaquera, na periferia de São Paulo. Fui conversar com as educadoras de uma creche que atende crianças de zero a três anos. A instituição é coordenada pelos Irmãos Maristas, em convênio com a prefeitura da capital paulista. Recebe crianças pobres da Zona Leste de São Paulo e está situada a poucos metros do metrô. Assim, as mães da classe popular deixam ali suas crianças de manhã e seguem para trabalhar.
Muita coisa me encheu os olhos e alentou o coração, nesta visita. Em primeiro lugar, a beleza do lugar. Um ambiente bonito, claro, colorido, limpo e bem cuidado. É a primeira condição para reconhecer que os filhos dos pobres são gente e cidadãos com direitos. A seguir, percebi o entusiasmo e o amor das educadoras pelas crianças. E o que mais agradou foi a criatividade da proposta educativa.
Na sala para os bebês não há berços. Em vez de “engaiolá-los”, estimula-se o desenvolvimento sensorial e motoro. Explorar os espaços, conhecer e interagir! Encontrei um cantinho no qual se registravam os progressos de uma criança com deficiência séria de desenvolvimento mental e de aprendizagem. Chegou lá com quase três anos, sem falar e com poucos movimentos. Após alguns meses, a mudança foi notória. Cada pequeno progresso era festejado, com a educadora e os coleguinhas.
Quando se trabalha com o povo em perspectiva cidadã, não se aceita o assistencialismo ou aquela visão paternalista, que considera os pobres como “coitadinhos”. Ao contrário, investe-se para desenvolver ao máximo as potencialidades das pessoas e dos grupos sociais. Gostei de ver um boneco de pano, de um personagem negro! A educadora, também negra, falou que isso é importante para afirmação da identidade cultural dos afro-descendentes.Por fim, na frente de uma sala, na qual estavam colocadas as fotos das crianças num painel em teia, havia um título feliz: “nossos protagonistas!” Oxalá se multipliquem no Brasil iniciativas assim, de educação e promoção da cidadania, em perspectiva libertadora.

O perdão e o osso

Em um curso de teologia para leigos, eu falava sobre o perdão. Em certo momento, uma professora de ensino médio pediu a palavra. Visivelmente emocionada, ela disse: “Gente, eu quero perdoar, mas não dou conta. Tem uma dor muito grande no meio peito”. Seguiu-se um grande silêncio. Então ela continuou: “Não entendo porque a religião manda a gente perdoar, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Passar a borracha numa frase escrita a lápis... O perdão não se conquista assim!”. Concordei com ela. Disse-lhe que o perdão é também um dom de Deus, que a gente cultiva. E os resultados podem ser imediatos, ou não.
No intervalo, ela veio conversar comigo e partilhou um pouco de sua luta para perdoar. “Sei que isso não é cristão, mas eu odeio o meu pai! Lembro-me de quando eu era criança. Muitas vezes, ele chegava em casa bêbado, tarde da noite. Fazia questão de acordar a todos nós com seus gritos. Ameaça minha mãe com uma faca. Era um horror! Meu pai já morreu, mas eu não consigo perdoá-lo”.
Dois anos mais tarde, reencontrei a mesma professora. Com sorriso nos lábios, ela me disse que estava fazendo uma terapia e que, agora sim, havia conseguido perdoar o pai. E o perdão lhe trouxe uma sensação de libertação, de paz interior. Compreendi então que o perdão é um processo. Para uns, pode ser mais rápido. Para outros, exige mais tempo e esforço. Depende da intensidade da experiência, da maturidade humana e da nível espiritual.
Outro dia, devido a um incidente, quebrei o dedo mínimo do pé. O médico ortopedista imobilizou-me o dedo e disse: “Vai precisar de um certo tempo para colar o osso. Ele está na posição certa, mas isso não basta”. Lembrei-me então do processo do perdão. Ele se assemelha a colar um osso quebrado. Sempre há possibilidade para perdoar, pedir perdão e perdoar-se, se o coração humano estiver aberto. Mas é necessário criar as condições e deixar o tempo consolidar a decisão. Neste caminho, o amor de Deus age em nós, eliminando o ódio, o ressentimento, o desejo de vingança. O perdão é uma cura!