segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Tempo de natal

Desde que Jesus nasceu em Belém, o mundo se tornou também casa de Deus.
A luz divina lentamente ilumina os seres humanos e os ecossistemas, em relação de interdependência.
Dá novo sentido à evolução do cosmos e a história, com suas belezas, ambiguidades e riscos.
Viva a Luz amorosa, com cheiro e cor de Ternura!
Feliz Natal!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Prioridades provinciais

Partilho com você, que é membro de Instituto Religioso, as prioridades que aprovamos no Capítulo da Província Marista do Brasil Centro-Norte, para o triênio 2013-2015.

1.      Revitalizar a Vida Religiosa Marista, que propicie um novo jeito de ser Irmão, fortaleça as relações humanas e favoreça espaços de crescimento e cuidado, para sermos sinal profético de fraternidade entre nós e na missão.

2.      Potencializar a missão evangelizadora, intensificando as relações entre as áreas: educacional, social, pastoral, administrativa, com ênfase na defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens pobres.

3.      Consolidar a governança corporativa e o equilíbrio econômico-financeiro, com posicionamento estratégico, em vista da vitalidade institucional.

4.      Ampliar a cultura vocacional e os processos e experiências de formação conjunta de Irmãos, Leigas e Leigos maristas, na vivência de nosso carisma.


domingo, 11 de novembro de 2012

Brilhe a vossa luz! Evangelização e mídia

O verbo “brilhar”, com a ambiguidade que ele comporta, é um dos mais significativos termos da cultura contemporânea. De forma literal, brilhar significa fazer com que a luz estimule nossos sentidos. A luz intensa realça as cores. Um shopping é projetado com luz amarela ou branca intensa, a fim de estimular a visão e suscitar o desejo de consumo. É uma luz que não conhece diferença de intensidade. Seja dia ou noite, no shopping há sempre muita luz. De forma metafórica, “brilhar” significa ter sucesso, destacar-se dos outros, de forma a se tornar até uma celebridade. Ora, a Internet e as redes sociais tem servido para fazer as pessoas brilharem. Um clip original se espalha rapidamente, e milhões de pessoas o assistem. Há gente que coleciona “amigos” no facebook ou no orkut, sem nenhum critério, simplesmente pelo desejo de ser visto ou lembrado. Este não é o critério de Jesus.

Jesus diz que seus seguidores devem fazer ecoar a boa notícia do Evangelho, a começar das atitudes e ações que fazem a diferença (as boas obras). Brilhar não significa voltar os holofotes para si, mas direcionar a luz, para que as pessoas vejam. Não consiste em “mostrar-se”, e sim em apontar para algo e Alguém que é a razão de ser da nossa existência. Aqui reside a diferença fundamental entre a “visibilidade midiática” e a “visibilidade profética”. No primeiro caso, o indivíduo ou a instituição aparece porque deseja “aparecer”. A mensagem consiste em anunciar a si mesmo, a sua marca, a sua logo. E para ganhar projeção desta forma, é necessário moldar o discurso e a prática, de forma que se tornem atraentes, desejáveis, consumíveis. Infelizmente, algumas manifestações de massa das Igrejas cristãs estão revestidas dessa intencionalidade medíocre e egóica. “Olhem para mim. Eu estou aqui!”. A visibilidade somente midiática visa conquistar espaço, deixar sua marca. Mas, para que? A serviço de qual projeto de humanidade?

A visibilidade profética, por sua vez, está focada no sinal que aponta para a mensagem. Basta percorrer as figuras bíblicas de profetas como Isaías, Jeremias, Oséias e Ezequiel. Eles usam símbolos fortes. Deixam-se ver pela multidão. Falam a alta voz. Brilham! Mas o brilho não é para si, e sim para a causa que defendem. Reúnem muitas pessoas, mas também são causa de contradição, pois o conteúdo da mensagem profética não se reduz a apaziguar as consciências. Ao mesmo tempo, e com diferente intensidade, anunciam e denunciam, questionam e consolam, desinstalam e suscitam esperança.
Em continuidade com os profetas, assim também fez Jesus. Ele é causa de contradição, que ergue e derruba. A luz que manifesta e revela o que as aparências escondem (Lc 1,34-35). As palavras e os gestos de Jesus iluminam a existência humana, desvelando seu lado luminoso e sua face tenebrosa. Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo. O julgamento é este: a luz veio ao mundo... Quem pratica o mal tem ódio da luz, para que as suas obras não sejam desmascaradas. Mas quem age segundo a verdade, se aproxima da luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus (Jo 3,19-21). O povo reconhece Jesus como um profeta extraordinário, que fala em nome de Deus, com gestos e palavras: Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar seu povo (Lc 7,16).

A participação de cristãos e de pastorais nas redes sociais (e em outros espaços da internet) pode contribuir para que esta luz de Jesus, que brilha nos seus seguidores, favoreça uma grande corrente do Bem. Efetivamente nos sentimos conectados, sintonizados. Ali se expressam desejos, esperanças, experiências significativas. Ganham visibilidade gestos pessoais e coletivos, palavras e imagens que agregam valor. Por vezes, em forma de denúncia. Outros momentos, recheados de bom humor, de encanto, de beleza. Ecoam, ressoam e se difundem.

Portanto, deve-se utilizar os espaços midiáticos possíveis, para que a mensagem do Evangelho ecoe nas pessoas, nos grupos e na sociedade. E como as redes sociais tem se mostrado uma poderosa ferramenta de comunicação, elas são bem vindas. Condição irrenunciável: manter o foco na causa e na mensagem de Jesus, em gestos e palavras libertadoras, evitando o estrelismo das pessoas ou das instituições.

Fonte: parte do artigo de Afonso Murad “Ecoar a palavra e ressoar os gestos. Leitura teológica a propósito das redes sociais” no livro Redes Digitais. Tecendo relações, construindo comunidades, exercendo cidadania. Curso de Verão – Ano XXVI. Paulus – CESEEP, pag. 90-91.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Diminuição de católicos no Brasil e projeto evangelizador

José Lisboa Moreira de Oliveira
Os dados do último censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no Brasil. Segundo as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos últimos 20 anos (..) Não seria necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos conta deste fenômeno. Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe muito bem que sua Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas missas, nos grupos, nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza esta situação. É verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e que alguns padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos religiosos. Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica ainda é uma força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da percentagem de católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o número de praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos fazer a conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes não superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa este número deve cair para menos de um por cento.

A diminuição dos católicos no Brasil coincide com o desmantelo da Igreja da libertação e com a implantação de um regime católico neoconservador. (...) As comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente abolidas e substituídas pelos movimentos pentecostais católicos (..) São nomeados bispos mais conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e qualquer vestígio de Igreja da libertação (...) Chegam ao Brasil das redes católicas de televisão e seus programas de apologia ao conservadorismo (..)  Aumenta o número de padres cantores, de padres na mídia e de seminaristas midiáticos, todos eles plugados vinte e quatro horas na internet para "evangelizar” através de meios moderníssimos e velozes (..) Aparecem e se multiplicam comunidades exóticas com seus trajes medievais e seus costumes estranhos e maniqueístas. A diminuição de católicos não para, apesar de todo o esforço para massacrar a teologia da libertação, punir teólogas e teólogos brasileiros, vestir clericalmente os padres, romanizar as liturgias e tirar do velho baú católico coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas.
Alguma coisa deu errada. No final dos anos 1970, quando, com o pontificado de João Paulo II, o neoconservadorismo começa a aparecer, dizia-se que a Igreja da libertação tinha que ser banida porque colocaria em risco o futuro da Igreja Católica no continente latino-americano. Acabaram com tudo aquilo que poderia cheirar a libertação, mas, mesmo com a implantação da neocristandade, o catolicismo murchou. O projeto neoconservador falhou e, com a chegada dele, acelerou-se o encolhimento do catolicismo brasileiro. O tiro parece ter saído pela culatra. Penso que está na hora da Igreja no Brasil fazer uma séria reflexão. Suas lideranças precisam ser honestas com elas mesmas, admitindo que falharam, acelerando, com seus métodos, o decréscimo dos católicos brasileiros. Elas que tinham tanto medo da teologia da libertação, que a demonizaram e combateram, agora amargam o resultado de suas intervenções. Elas, e não a Igreja da libertação, provocaram a crise do catolicismo brasileiro.

Perdeu-se a oportunidade de dar vida a um jeito de ser Igreja, bem mais próximo do Evangelho e da realidade do povo brasileiro. Disso não se pode fugir sem trair a verdade. É preciso que as lideranças admitam isso, se quiserem reverter um pouco a situação atual. Se insistirem em manter o atual sistema eclesiástico, nosso destino será ainda pior do que aquele da velha Europa: uma Igreja infantil, feminil e senil, empoeirada, sem juventude, sem perspectivas, sem vida. Não faltaram os "sinais dos tempos”, mas boa parte dos dirigentes da Igreja Católica preferiu "não interpretar o tempo presente”(Lc 12,56). Teria sido suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo VI na exortação apostólica Evangelii nuntiandi. Neste documento, elaborado a partir das indicações do Sínodo dos Bispos de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, o papa, como que profeticamente, previa uma série de vias evangelizadoras bem condizentes e necessárias à Igreja de então. Mas, pelo visto, o projeto evangelizador neoconservador que veio em seguida não deu a mínima atenção ao que o pontífice havia indicado.

Paulo VI, partindo da importância do testemunho, destacava a urgência do indispensável contato pessoal, "de pessoa a pessoa” (nº 46). E o contato pessoal não se dá através de uma pastoral de massas, da utilização impessoal da mídia, mas através da multiplicação de redes de pequenas comunidades, nas quais, advertia o papa, as pessoas poderiam preencher o desejo e a busca de relações mais humanas. O papa afirmava, então, o valor das comunidades eclesiais de base, as quais, de modo particular nas grandes metrópoles, poderiam contribuir eficazmente para a superação da massificação e do anonimato (nº 58). Mas o que fez a maioria das lideranças católicas? Preferiu a pastoral das massas, dos rebanhões, dos espetáculos, nos quais, como tem mostrado a sociologia da religião, prevalece o anonimato e a indiferença. As pessoas pulam, gritam, dançam, mas sem preocupação com "o outro”. Pensam apenas nos seus problemas e na satisfação imediata de suas necessidades e carências. A pastoral de massa não humaniza as relações. Congrega, reúne, mas não une e nem alimenta a solidariedade. As lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir as comunidades eclesiais de base ou as relegaram a um plano secundário, de modo que se pode afirmar que a existência delas no momento atual é fruto do grande milagre da resistência de algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos seguiam o caminho inverso, abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais as pessoas se encontram não só para rezar ou cantarolar, mas também para reforçar laços de amizade e de apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo modo, "vínculo da ágape”, mantendo as pessoas unidas na comunidade.
Houve também o desmantelo de outros elementos, apontados por Paulo VI como essenciais para a nova evangelização. Pense-se, por exemplo, no retrocesso que se deu no campo do ecumenismo, do diálogo interreligioso, do diálogo com os não crentes e com os não praticantes. Mas se pense igualmente nos retrocessos internos que levaram as pessoas pensantes e mais conscientes a abandonarem definitivamente a Igreja Católica. Parece-me, pois, que já está na hora da hierarquia no Brasil colocar-se diante das várias perguntas sérias levantadas por tantas pessoas. E, como queria Paulo VI, "dar respostas leais, humildes e corajosas, agindo de consequência” (nº 5). (Texto reduzido)
 
(Partilho este artigo com você, pois penso que suscita elementos importantes para nossa reflexão sobre a relação entre diminuição numérica dos católicas e o projeto de evangelização em curso no Brasil)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Turma do 4º ano de Teologia do ISTA

Estamos terminando o curso semi-intensivo de Escatologia, com a turma do 4º ano de teologia no ISTA. Levarei boas lembranças deste grupo!


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A morte: múltiplos olhares

Partilho com você o material que utilizo sobre a morte, no curso de escatologia


domingo, 5 de agosto de 2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Espiritualidade e educação. O olhar do teólogo

Postarei a nova versão, revista e ampliada, amanhã.
Afonso Murad

sexta-feira, 6 de julho de 2012

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Igreja e profissionalização

A Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus, Povo de Deus a caminho do Reino definitivo, está em constante contato com as sociedades onde se insere. Ao anunciar o Evangelho de Jesus, sua razão de ser, necessariamente assume formas de organização, linguagens, recursos e elementos da mentalidade que circula no ambiente. Isso faz parte da dimensão encarnatória da própria fé. De outro lado, a partir do próprio evangelho, a Igreja e os cristãos questionam os elementos tomados da cultura e mostram que Jesus Cristo traz um “mais”. Ele ilumina e chama à conversão a todas as realidades humanas. Assim, simultaneamente, assumem-se elementos do nosso tempo, mas também se apontam seus limites.
A profissionalização é uma tendência crescente no mundo contemporâneo. Ela se contrapõe ao amadorismo, à forma “caseira” pensar e atuar, a uma visão estática do trabalho, como acúmulo de rotinas. O profissionalismo inclui vários fatores tais como: domínio e desenvolvimento de saberes específicos e a adoção de tecnologias correspondentes; especialização crescente; busca de “qualidade” para responder às demandas humanas; formação permanente das pessoas, e ética profissional. Vários aspectos da profissionalização se aplicam aos voluntários, pessoas que gratuitamente dedicam tempo e energia a causas humanistas e religiosas. E, na verdade, a grande parte dos processos de evangelização é realizada por voluntários.
Neste artigo abordaremos cinco elementos positivos da profissionalização que trazem diferenciais às paróquias, institutos religiosos e dioceses: foco nos destinatários, visão estratégica, relação com fornecedores e prestadores de serviço, gestão de pessoas e estruturas organizacionais.

1. Foco nos seus destinatários. As organizações pouco profissionais tendem a atender mais aos interesses de seus membros do que as necessidades de seu público-alvo.  Podem degenerar-se em corporativismo, terrível doença social que contamina os políticos e boa parte dos funcionários comissionados de organizações públicas. Já as organizações profissionais sempre se perguntam: “o que devemos fazer para que nossos destinatários encontrem aquilo que procuram?” “Como melhorar os processos, para sermos fiéis à nossa missão?” Tais perguntas estão na base da busca constante de qualidade. Esta exige o exercício da sensibilidade para olhar o outro, e não a si próprio.
Paróquias e dioceses cresceriam muito em qualidade se levassem este princípio mais a sério. A Igreja e suas estruturas existem em função das pessoas e da sociedade a ser evangelizada, e não de si própria e de suas lideranças. Tomemos um exemplo simples: o horário de atendimento das secretarias paroquiais. Em grande parte do Brasil, as paróquias atendem ao público de 2ª a 6ª feira, no horário comercial. Algumas ainda fazem “o favor” de abrir suas portas no sábado de manhã. Ora, um contingente enorme de católicos trabalha fora de casa e quando busca a secretaria paroquial, ela está fechada. Por que acontece isso? Parece que o pároco e sua equipe estipulam o horário de atendimento em função de si mesmos, e não dos seus destinatários. Neste sentido, várias paróquias tem alterado tal rotina, modificando o horário de atendimento conforme a demanda da população local. Algumas trocam as manhãs pelas noites, outras incluem o sábado e até domingo de manhã para o atendimento e fazem sua pausa semanal na  2ª feira.

2. Visão estratégica.   O exercício do pensamento estratégico comporta um longo trajeto, que se inicia com a definição consensual a respeito da missão da instituição, dos valores que a regem e do que ela deseja conquistar num prazo determinado (visão de futuro). A seguir, estabelecem-se as estratégias e a iniciativas que farão a mediação entre o sonho e a realização. Por fim, nomeiam-se as pessoas responsáveis e definem-se os indicadores para avaliação.
O plano estratégico pode ser estéril, se faltar conexão com a realidade. Algumas paróquias e dioceses tem belos planos de pastoral, que são “pseudo-estratégicos”: bem formulados, bonitos, mas pouco ousados e desarticulados. Não se especificam as pessoas responsáveis, os prazos, os custos. Não há monitoramento da execução. Deste jeito, o plano se torna ineficaz.
Contrapõe-se à visão estratégica: o imediatismo (agir pensando somente em curto prazo), a anarquia (não ter princípios de ação),  a reatividade (reage-se diante dos problemas, em vez de se antecipar a eles) e a simples repetição de práticas. E há igrejas locais que primam pela repetição. A fidelidade ao passado, tão necessária, não se equilibra com a visão de futuro.
 “Estratégia” é um termo proveniente da arte da guerra. Um plano estratégico é arrojado e criativo. Desperta as pessoas para moverem-se e buscarem resultados efetivos. Exige desapego para abandonar certas práticas e adotar outros. Ser estratégico é mais do que fazer um plano. Exige uma visão de Igreja e de sociedade, para compreender onde a instituição está inserida e como responde ou não às oportunidades e ameaças do cenário atual, em relação aos seus destinatários e à sua missão. Quando a estratégia é esmiuçada, vem com ela o gerenciamento, a liderança nos processos e o monitoramento.

3. Relação correta com fornecedores e prestadores de serviços. Toda instituição complexa, que atende a um grande público em diferentes frentes, necessita de política clara em relação aos seus fornecedores. Chamam-se de “fornecedores” às pessoas físicas ou jurídicas que fornecem os insumos e serviços básicos necessários para o funcionamento da organização. Uma paróquia urbana de porte médio tem vários fornecedores: a companhia de eletricidade, de água, de telefonia e internet; a empresa que vende os computadores e os programas utilizados para controle contábil, emissão de planilhas e documentação; a padaria, a mercearia ou o supermercado; o mecânico do carro e o eletricista; a loja de material construção; a empresa que fornece móveis; quem vende hóstia, vinho e material litúrgico; a gráfica ou editora, a fornecedora de papéis e material de escritório. Paróquias e dioceses também recorrem aos prestadores de serviços, que são um tipo específico de fornecedores. Estes não somente vendem um produto, mas realizam algo, a partir de sua especialidade. Por exemplo, um escritório de contabilidade, a assessoria jurídica, a cooperativa ou empresa de construção e reformas. Ou ainda as organizações especializadas em infraestrutura de grandes eventos (som, alimentação, segurança, transporte) ou a empresa que aluga os ônibus para as romarias.
Certa vez, numa paróquia em região de beira mar, ampliou-se o salão paroquial. Para realizar a cobertura do teto, o padre escolheu a empresa de um paroquiano tido como “muito católico”, com quem costumava jantar nas noites de domingo. Não fez um contrato profissional, no qual se especifica o tipo de telha, o tempo de garantia do material, a qualidade de resistência à umidade e maresia, o tipo e espessura da madeira, etc. Tudo foi realizado “na base da confiança”, pois o homem era um bom católico (e amigo do padre, naturalmente). Dois anos depois de concluído o serviço, o telhado já apresentava problemas estruturais. E não havia como reclamar, pois não havia contrato formal. O barato saiu caro!

É preciso lidar com profissionalismo em tudo o que diz respeito à relação com fornecedores e prestadores de serviços. Os preços negociados, as condições e a especificação do serviço a ser oferecido não podem ser algo caseiro e sem contrato. Tal procedimento funciona somente em comunidades rurais e ou cidades pequenas, onde reina a informalidade. O que parece ser vantajoso, com o tempo se revela desastroso. Deve-se optar pelos serviços e produtos que tenham a melhor relação custo x benefício. Por vezes, é necessário também rever contratos antigos, que apresentam condições desfavoráveis, como o fornecimento de eletricidade e de telecomunicações. Em outros casos, mudar de fornecedor. Para grandes compras ou obras de construção e reforma, aconselha-se fazer três orçamentos. Em condições semelhantes, pode-se optar pelo fornecedor que seja católico, participante da comunidade. Mas o critério básico deve ser o binômio “qualidade – preço” e não a amizade particular entre os líderes da Igreja e os fornecedores. Convém que o padre não atue sozinho. Somente uma boa equipe de gestão econômico-financeiro, com leigos qualificados, tem condições de realizar a contento tal tarefa, sem se deixar enganar por fornecedores desonestos ou incompetentes.
4. Processos de gestão de pessoas.  As organizações profissionais descobriram que “a riqueza que mais produz riqueza são as pessoas”, e não o patrimônio material de terrenos, prédios, salas e salões. Patrimônio material pode ser comprado ou alugado. Se não for utilizado bem, transforma-se em custo, devido à depreciação. As pessoas, por sua vez, geram bens intangíveis. Escolher profissionais e voluntários com experiência, conhecimento, habilidades e sintonia com os valores da instituição se tornou tarefa prioritária em grandes organizações do mundo. Por isso, elas desenvolveram acurados processos de seleção, preparação, monitoramento, avaliação, formação continuada e aprimoramento das pessoas. E, nas grande empresas, isto não acontece por causa de uma postura humanizadora, e sim porque dá retorno econômico. Ora, a Igreja, por causa dos valores espirituais que a guiam, deveria ser um exemplo de gestão de pessoas na sociedade. Mas estamos muito distantes deste ideal. Porque?

Concebe-se que “investimento” significa usar o dinheiro em patrimônio material, sobretudo em construções. Investir em pessoas soa como “custo”, “dinheiro jogado fora”. É claro que se deve investir em construções, mas de forma coerente com o projeto evangelizador. Soa como desequilíbrio na gestão o fato de construir muitas salas para catequese e não investir em formação das catequistas. As paróquias e dioceses precisam implementar e aperfeiçoar os processos de formação de seus profissionais (como secretárias paroquiais, atendentes, pessoal administrativo) e lideranças voluntárias (catequistas, coordenadores de pastorais e ministérios, comunicadores, coordenadores, etc). Por exemplo, coordenadores de catequese de paróquias e dioceses precisam estar munidos de formação bíblico-teológica básica, aprimorar suas habilidades em lideranças de pessoas e processos, estudar sobre as mudanças culturais que estão acontecendo nas infâncias e nas juventudes, e conhecer as novas linguagens em educação.  Cabe às paróquias e dioceses investir nesta formação, de forma profissional, inclusive conferindo certificados de conclusão validados em instituições superiores de ensino.

Uma questão elementar referente à gestão de pessoas diz respeito ao tempo de permanência de alguém em funções de coordenação. Ao se instalar em determinada função por longo período, tende-se a criar seu espaço de domínio e impede o desenvolvimento de novas lideranças. Para reduzir este problema, uma paróquia criou o seguinte procedimento: qualquer coordenador ocupa sua função por 3 anos. Pode ser reeleito por mais dois anos, e neste segundo mandato já deve estar acompanhado de alguém que vai substituí-lo. Deve-se buscar formas para garantir rodízio das lideranças e um exercício saudável do poder.

5. Modelo de gestão eficaz.  As organizações atuais perceberam que estruturas rígidas, verticalizadas e concentradoras de poder podem leva-las a um estado de inércia e lento desaparecimento. No passado, era comum encontrar empresas que tinham cinco ou mais níveis hierárquicos e na qual predominava a estrutura funcional de subordinação vertical. O chefe mandava, os subordinados obedeciam. Hoje, exercitam-se diversas formas de estruturas. Combinam-se modelos funcionais com os matriciais. Criam-se grupos de trabalho para realizar determinadas tarefas e projetos. Favorece-se mais o controle sobre os resultados do que sobre as rotinas. A sociedade é tão complicada e há tantos fatores que interferem nos processos, que é impossível esperar que o sucesso ou o fracasso de uma instituição esteja sob a responsabilidade de uma pessoa. Por isso, palavras como “empoderamento” e “gestão compartilhada” não são simplesmente jargões do momento. Elas traduzem uma tendência crescente na sociedade: trabalhar efetivamente em equipes de alto desempenho para somar os saberes e as habilidades, dividir as responsabilidades, multiplicar as possibilidades de resposta, reduzir os erros. A Igreja católica precisa aprender essa lição das organizações profissionais: estruturas leves, flexíveis, cooperativas e ágeis, a serviço da missão. Com isso, não se perde a autoridade conquistada. Ela assume outro perfil.
As características acima propostas visam estimular as paróquias e dioceses a adotarem uma forma de atuar que lhes possibilite responder mais adequadamente aos imensos desafios de evangelizar em sociedades urbanas. Não se trata de fórmulas prontas, nem de leis férreas. Devem ser utilizadas com bom senso, de acordo com as realidades locais. Constituem parte de um imenso e belo mosaico. Por isso, não devem ser absolutizadas. Mais ainda. Os traços profissionais da gestão eclesial devem ser articulados com os valores do Evangelho, com uma espiritualidade antenada nos Sinais dos Tempos e enraizada em Jesus. O olhar da fé não somente assume, mas também critica os limites de uma visão meramente profissional da evangelização. Esse será o tema do nosso próximo artigo.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Cliques da Caminhada da Cúpula dos Povos

Partilho com você três imagens da Caminhada da Cúpula dos Povos, no centro do Rio de Janeiro, no dia 20 de junho, que reuniu mais de 50 mil pessoas.
* Foto de Frei Sinivaldo e Frei Adelmo, no meio da marcha.
* Com muitos jovens, segurando a imensa bandeira criada pela SOS Mata Atlântica.
* A montagem de um tanque de guerra coberto com pão. Bela analogia da nossa luta: por pão, dignidade, alegria, bem-viver.


terça-feira, 19 de junho de 2012

Cúpula dos Povos na Rio+20

Durante vários dias, estou partipando da Cúpula dos Povos, evento da sociedade civil organizada, durante a Rio+20. Cada manhã percorro a extensa área do Aterro do Flamengo e acompanho as discussões, os relatos de experiências, e, mais recentemente, os plenários de convergências dos 5 principais temas. Sintetizo aqui seus títulos:
- Energia
- Defesa dos bens coletivos
- Trabalho e superação da economia de mercado
- Justiça Social e ambiental
- Soberania alimentar.

Ao mesmo tempo, faço entrevistas para o programa de rádio "Amigo da Terra". Também gravo depoimentos e diálogos que comporão uma série de breves vídeos em torno da sustentabilidade, com apoio institucional dos maristas da região centro-norte Brasil. Eles serão postados no Youtube, de forma a socializar nossas descobertas.

No mais, posso dizer que a Cúpula dos Povos e uma experiência linda, estimuladora, enriquecedora, que alimenta os sonhos e as convicções daqueles que, como eu, acreditam que é possível e necessário construir um mundo mais fraterno, justo e sustentável, em busca do "Bem Viver". Aqui, a gente experiencia com os cinco sentidos, uma amostra da diversidade cultural, étnica e linguística que compõe a Terra.
Se você quiser acompanhar com detalhes o que acontece lá, acesse:
www.cupuladospovos.org.br

quinta-feira, 14 de junho de 2012

sábado, 2 de junho de 2012

Código Florestal e o poder econômico

Partilho com você este desabafo de Roberto Malvezzi, o Gogó, após os vetos parciais da presidente Dilma ao Código Florestal. O texto de Gogó visa estimular a análise da situação, sob diferentes pontos de vista.

"Os ruralistas plantaram na sociedade brasileira não um bode, nem apenas um jumento, sequer um hipopótamo: plantaram a monocultura mental do setor no coração da nação. Fizeram uma guerra e ganharam. Venceram todos, inclusive o governo que finge ter resgatado algo de digno no vilipendiado Código Florestal. Enfim, plantaram um ruralista na encruzilhada à meia noite.
A ameaça de 50 emendas é apenas demonstração de força, prepotência total, queesse setor da sociedade acumula desde os tempos dos coronéis e jagunços, mentalidade que jamais abandonaram. Não vão pagar as dívidas. Os morros vão estar entregues às enchentes, erosões e catástrofes humanas. Os apicuns continuarão sendo palco das fazendas de camarão. Reduziram a pó as Reservas Legais e as Áreas de Preservação Permanente. O que mais uma cabeça ruralista poderia querer?
Mas, por que esperávamos algo diferente? Concentram em suas mãos a terra e os grandes volumes de água. Representam 40% das exportações brasileiras. Podem utilizar trabalho escravo em suas fazendas. Semeiam anualmente 5,2 litros de veneno na mesa de cada brasileiro. Tem uma bancada no Congresso proporcional à acumulação de terras.
De nada adianta setores da esquerda proclamarem que os ruralistas perderam algo, ainda que seja os anéis. Saem fortalecidos, nessa ditadura da oligarquia rural imposta ao resto da nação.
Quem achava que a terra não é mais poder no Brasil, seria bom refazer suas análises".

Para saber mais sobre os vetos de Dilma e a Medida Provisória do Novo Código Florestal, veja:
http://www.amigodaterra.blogspot.com.br/2012/05/medida-provisoria-altera-texto-do.html

domingo, 20 de maio de 2012

Leveza institucional: estruturas leves e ágeis

Terceira parte do vídeo sobre "Leveza Institucional", originalmente destinado a lideranças da Vida Religiosa. Também pode ser útil a outras organizações.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Frei Gilvander: indignação e compromisso social

Partilho com você um depoimento recente de Frei Gilvander Moreira, de Belo Horizonte (MG)

Em Belo Horizonte, em uma sala do Ministério Público de Minas Gerais, acompanhei uma Comissão de moradores da Ocupação Eliana Silva, que buscava justiça. A vovó dona Madalena, 61 anos, em lágrimas, disse: “Até hoje, nunca tive casa própria. Sempre trabalhei como doméstica em casas dos outros. Nos últimos anos, eu vivia de favor na casa de uma cunhada, mas fui despejada por ela. Minha filha, Ana Carla, é copeira na UFMG. Trabalha servindo lanche para os estudantes. Ganha só um salário mínimo e paga R$250,00 de aluguel. Ela não tem condições de me ajudar. Eu sobrevivo com um salário mínimo de pensão do meu primeiro marido falecido.”
Elisângela, 28 anos, ao pedir apoio ao promotor, disse: “Sou índia do povo Pataxó. Nasci no Sul da Bahia. Minha irmã e meus parentes estão lutando pelo resgate das nossas terras que foram invadidas pelos brancos. Estou em Belo Horizonte há 13 anos. Eu vivia com minha sogra, mas o barraco dela é muito pequeno. Não podemos ficar pesando sobre ela. Tenho uma filha com anemia falsiforme. Não posso trabalhar fora, pois tenho que cuidar da minha filha que exige muitos cuidados médicos. Meu marido trabalha, mas só ganha um salário mínimo. Na ocupação Eliana Silva somos seis pessoas indígenas.”
Diocélia, 24 anos, com Gabriele, de 4 meses no colo, também contou ao promotor um pouco do sufoco que vem passando: “Meu marido vende balas de doce dentro dos ônibus. Não ganha mais do que R$500,00 por mês. A gente estava sobrevivendo em um barraco de dois cômodos, alugado por R$400,00. Não conseguimos pagar o último mês. Na ocupação estão minha família e as famílias de quatro irmãs minhas, além da minha mãe e meus irmãos. Não temos outra alternativa. Restou-nos lutar por um pedacinho de terra para construir nossa casinha. Vamos morar no ar?”

Com esses depoimentos e alertando que o terreno ocupado estava abandonado há muitas décadas, que não cumpria sua função social e que o déficit habitacional em Belo Horizonte está acima de 174 mil moradias, que na capital mineira não foi construída nenhuma casa pelo Programa Minha Casa Minha Vida para famílias de zero a três salários mínimos, solicitamos apoio ao Ministério Público que tem a missão de defender o público, nesse caso, 350 famílias sem-terra e sem-casa, com centenas de crianças e idosos, e vários indígenas. A caminho da Ocupação Eliana Silva, no meio da automovelatria – um enorme engarrafamento na Av. Amazonas, às 16:10h – Diocélia continuou narrando as imensas dificuldades que enfrenta. Acrescentou: “O dono do barraco que a gente alugou cortou a água, a energia e colocou um cadeado na porta do barraco. Todas nossas coisas ficaram trancadas lá, inclusive fraudas e mamadeira da Gabriele. Temos contrato de aluguel até junho, mas o dono não respeitou o contrato.” Notícias sobre despejos por donos de barracos alugados, mesmo com contrato assinado, sem autorização judicial, se ouve aos montes na Ocupação.

Na Ocupação, encontramos o povo reconstruindo dezenas de barracas de lona preta que tinham sido destruídas pela chuva forte da noite anterior. Muita lama e terra escorregadia. Diocélia nos contou que a chuva invadiu a barraca dela. Molhou os cobertores. A chuva, que iniciou por volta das duas horas da madrugada, não deixou quase ninguém dormir o resto da noite. Após a chuva, Diocélia e Cleideone, carregando as duas filhas andaram a pé por 40 minutos até chegar ao barraco alugado pela mãe dela. Puderam tomar um banho somente às 05:30h da madrugada. Dormiram 1,5 hora. Levantaram. Pegaram uns pedaços de pau e voltaram para a Ocupação. “Agora é que não vamos desistir. Lutaremos até conquistar nossa casinha própria”, arrematou Cleideone, enquanto reforçava a barraca que tinha caído.

Mas eis um fato inusitado: “A polícia está proibindo a entrada das cadeirinhas que ganhamos para a creche das crianças!”, gritou um senhor que chegava ofegante. Dirigimo-nos à entrada da Ocupação, onde, de fato, constamos o absurdo. Apresentei-me e interroguei o tenente Damásio: “Por que as cadeirinhas da creche das crianças não podem entrar?” “Recebemos ordem para não deixar entrar nenhum material de construção”, alegou o tenente. “Tenente, cadeirinha para crianças da creche não é material de construção”, alertamos. “Não pode entrar madeira. Nas cadeirinhas há madeira”, tentou o tenente justificar o injustificável. Insistimos: “Tenente, não há nenhuma lei ou ordem judicial proibindo a entrada de materiais de construção na Ocupação e muito menos a entrada de cadeirinha de criança. Choveu muito na noite anterior. O chão está todo úmido. Como pode as crianças sentar no chão úmido? E o Estatuto da Criança e do Adolescente? Não assegura respeito à dignidade das crianças?” Telefonamos para comandantes superiores, mas após uns quarenta minutos o tenente nos disse que não tinha sido autorizada a entrada das cadeirinhas doadas por pessoas de boa vontade que se comoveram ao ver a bonita barraca de lona preta que fizeram para ser a Creche das Crianças. Buscando ser simples como as pombas, mas espertos como as serpentes, após vários policiais ouvirem muitas mães clamarem pelos direitos humanos de suas crianças, voltamos para dentro da Ocupação para reunião da Coordenação e, após, Assembléia Geral.

De repente, o sr. Sebastião, 81 anos, sanfoneiro da comunidade, chega gritando: “A Polícia não quer deixar trazer aqui pra dentro o meu tamborete – um pequeno banquinho. Preciso dele para sentar para poder tocar a sanfona que é muita pesada. Eu já fiz ponte de safena, tenho problemas de coração e não agüento tocar a sanfona em pé.” Enfim, antes, pedimos ao Ministério Público que cumpra sua missão de defender os direitos fundamentais das crianças e idosos. Depois, vimos com nossos próprios olhos Polícia militar de Minas, cumprindo ordens injustas, agredir a dignidade de centenas de crianças e idosos. Assim, a polícia está desviada da sua função. Está protegendo uma propriedade que não cumpria função social. Por que a polícia não protegia o terreno antes, quando estava abandonado e era bota-fora, lugar de desova de cadáveres? A polícia não deve respeitar a dignidade das crianças e dos idosos?

Aos policiais alertamos o brado de dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, martirizado em 24 de março de 1980: “Militares, vocês não estão obrigados a cumprir ordens que são contrárias à ordem maior de Deus, que diz: Não matarás. Obedeçam suas consciências.” Acrescento, nos evangelhos Jesus ensina que leis e regras devem ser respeitadas, se forem justas. Jesus desrespeitou várias leis e regras que agrediam a dignidade humana. Aos que reprimiam as crianças, Jesus bradou: “Deixai as crianças e não as impeçais de vir a mim, pois delas é o Reino dos Céus.” (Mt 19,14; Mc 10,14; Lc 18,16). Mexeu com as crianças, mexeu com Jesus de Nazaré e conosco. Aos que se sentiam justos e donos da verdade, Jesus mostrou que a oferta da viúva, apenas uma moedinha, valia mais, pois ela se doava e não apenas dava sobras. (Cf. Mc 12,42-44).

Na Ocupação Eliana Silva, as famílias e a comunidade (sociedade) lutam para garantir dignidade a suas crianças e idosos, mas o Estado tem sido omisso, melhor dizendo, cúmplice e, muitas vezes, promotor de opressão. O povo clama por moradia, creche (educação) e dignidade e o Estado manda a polícia, o trato desumano legalista e arbitrário de uma polícia que defende primordialmente a propriedade privada – inclusive a que não cumpre função social - para além de qualquer manifestação de humanidade. Desde quando a polícia tem que impedir a entrada de cadeirinhas para crianças em algum lugar, a entrada de um banquinho para um idoso descansar e tocar sua sanfona? Isto é negação do Estado Democrático de Direito. É o cúmulo da violação da dignidade humana. Impossível calar.
Frei GilvanderBelo Horizonte, MG, Brasil, 29 de abril de 2012.

domingo, 22 de abril de 2012

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

As cores das flores

Partilho com você esta descoberta: um vídeo de 4 minutos, que tenho utilizado em diversos momentos para suscitar reflexão com educadores e agentes de evangelização. Hoje, foi em torno do tema "Gestão e Espiritualidade".
Tão importante quanto participar da emoção do vídeo é ampliar o nosso leque de leitura sobre a realidade e as possibilidades humanas de abrir caminhos inusitados.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Saúde pública e ecologia

Partilho com você os eslaides da apresentação que fiz para educadores, em torno do tema da Campanha da Fraternidade deste ano, relacionado com a ecologia.






quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Gestão profissional e qualidade das relações

Este artigo guarda os traços originais de uma conferência temática, com ampla participação do público. Mantivemos algo de seu estilo informal, inclusive utilizando a primeira pessoa do plural (“nós”), mas aprimoramos os dados. Nosso tema é ‘Gestão e Relações Profissionais’. Inicialmente, vamos definir essas duas realidades e relacioná-las com a escola. No correr do seu desenvolvimento, mostraremos seus pontos de contato. Evitamos o uso do termo “profissionalismo”, pois para alguns autores o sufixo “ismo” denota um desvio ou polarização problemática. Substituiu-se por “senso profissional” ou “perspectiva profissional”.


De forma geral, podemos conceituar gestão como: “Competência para trabalhar com dados e informações, coordenar processos e liderar pessoas, em vista de resultados, a fim de realizar com eficácia a missão de uma Instituição ou grupo organizado”. O tema da gestão se tornou importante na sociedade contemporânea porque hoje se valorizam os resultados, em qualquer âmbito da existência, seja pessoal, coletiva ou institucional. Gestão visa resultados, sobretudo em organizações profissionais. Ora, o que caracteriza uma instituição profissional?

1. Prestação de serviços e perspectiva profissional
Há uma mentalidade comum em instituições religiosas e educacionais, segunda a qual a perspectiva “profissional” seria algo frio e desumano. Ora, tal idéia é uma meia verdade. O que caracteriza uma instituição profissional não é o fato de ela ser inflexível com as pessoas ou visar somente lucro. As empresas comerciais, aquelas que mais desenvolveram o senso de organização, são apenas um tipo de organização profissional da sociedade. Instituições educacionais públicas ou privadas, hospitais, ONGs (Organizações não Governamentais), associações populares, cooperativas, empreendimentos de socioeconomia solidária e instituições religiosas necessitam também de senso profissional, embora em distintos graus.
Muitas instituições de religiosos(as), como as escolas católicas, são também prestadoras de serviços e estão no mercado. Embora pela legislação de alguns países, sejam classificadas como “filantrópicas” e gozem de certos benefícios fiscais, não escapam de uma relação comercial básica. Ou seja, vendem um serviço. Uma escola privada presta serviços educativos, um hospital privado oferece serviços na área da saúde. Ambos precisam de resultados superavitários, para assegurar sua continuidade. Não visam lucro, mas necessitam se profissionalizar para garantir o equilíbrio econômico-financeiro, visando novos investimentos em pessoas, tecnologia e patrimônio.

Uma escola privada apresenta características comuns a qualquer prestadora de serviços: assume um posicionamento no mercado, tem fornecedores e clientes (ou público alvo), necessita de uma equipe qualificada de gestores e colaboradores e enfrenta o desafio dos concorrentes. Para realizar sua finalidade, contrata uma série de profissionais e contrai obrigações trabalhistas e sociais com eles.
Felizmente, várias instituições religiosas destinam uma parte significativa de pessoas e de recursos para atender também aos empobrecidos. Para isso, servem-se de um percentual de seu resultado econômico, ou ainda estabelecem parcerias. Mesmo nestes casos, embora possam contar com voluntários generosos, necessitam também de profissionais competentes no seu quadro permanente. Na sociedade atual, a crescente profissionalização das instituições é um fenômeno irreversível, ao mesmo tempo em que cresce a experiência do voluntariado. Também de voluntários se exige hoje mais do que boa vontade. Eles têm que desenvolver várias aptidões básicas para o trabalho que desempenham.

2. O que é uma instituição profissional
Dentre as muitas características de uma instituição profissional destacamos aqui as seguintes: pensamento estratégico, resultados complexos, qualidade e foco, qualificação. Vejamos brevemente cada uma.
a) Pensamento estratégico. O exercício do pensamento estratégico comporta um longo caminho, que se inicia com a definição consensual a respeito da missão da instituição, dos valores que a regem e do que ela deseja conquistar num prazo determinado (visão de futuro). A seguir, estabelecem-se as estratégias e a iniciativas que farão a mediação entre o sonho e a realização. Por fim, nomeiam-se as pessoas responsáveis e definem-se os indicadores para avaliação. Mas este caminho da elaborar um plano estratégico pode também ser meramente funcional, se faltar a conexão com a realidade. Conheço vários planos “pseudo-estratégicos” bem formulados, bonitos, bem formatados, mas pouco ousados. Não é um instrumento para a luta aguerrida, e sim um belo enfeite de estande. Sabemos que “estratégia” é um termo proveniente da arte da guerra. Um plano estratégico é arrojado, criativo. Desperta as pessoas para moverem-se e buscarem resultados efetivos.

Ser estratégico postula uma ampla visão de sociedade, para compreender onde a instituição está inserida e como responde ou não às oportunidades e ameaças do cenário atual, em relação aos seus destinatários e à sua missão. Quando a estratégia começa a ser esmiuçada, vem com ela o gerenciamento, a liderança nos processos e o monitoramento. Contrapõe-se à visão estratégica:
- o imediatismo (agir pensando somente em curto prazo),
- a anarquia (não ter princípios de ação),
- a reatividade (reage-se diante dos problemas, em vez de se antecipar a eles),
- a simples repetição de práticas.

No caso de uma escola católica, a visão estratégica se torna com o tempo uma habilidade básica desenvolvida por todos seus membros: gestores, professores e demais profissionais. É mais do que um plano. Constantemente, a escola faz leituras de cenário, pesquisa, procura compreender o que está acontecendo com o núcleo familiar, as crianças e os adolescentes. Está atenta às mudanças culturais, às novas linguagens, às tendências de “design”, às ondas de religiosidade. Tudo isso se desenvolve em vista de educar e evangelizar de forma contemporânea.
Estratégia numa escola católica vai bem além de belas palavras e de reuniões. Não se limita ao planejamento pedagógico da escola ou à definição de seu quadro de missão. É uma forma de estar permanentemente conectado(a) com o mundo e procurar responder a ele pela educação. Viver o presente intensamente, antecipando-se ao futuro. Arriscar, testar, pensar sobre a prática, aprender dos acertos e erros. Neste sentido, ser estratégico é estar numa constante luta para assegurar o melhor para a educação e os educandos. Mas, sem neurose...

b) Resultados complexos. As organizações complexas buscam resultados múltiplos, que estão relacionados ao tipo de iniciativa que as caracteriza, seu foco e os destinatários (ou interlocutores, ou clientes, se for o caso). Em uma escola católica, bons resultados significam uma série de conquistas para o aluno, tais como: desenvolvimento de competências cognitivas estruturantes, apropriação e reelaboração de conhecimentos, vivência e explicitação de valores, aprender a conviver com os outros, bons resultados no ENEM, entrada na Universidade, etc.

A escola católica é uma instituição complexa não somente porque é difícil de lidar. Complexidade aqui não é sinônimo de dificuldade. A escola caracteriza-se como complexa porque apresenta muitas facetas diferentes, por vezes em conflito, mas interdependentes. Nenhuma delas, sozinha, definem-na completamente. A escola católica é simultaneamente: instituição educacional, espaço de evangelização, laboratório de cidadania planetária e negócio.
- Enquanto Instituição educacional, propicia a apropriação e a reelaboração do conhecimento, produz e dissemina cultura, socializa as novas gerações, vive e explicita valores e prepara para a entrada para o ensino superior.
- Como espaço de evangelização, forma lideranças de cristãos, que atuarão na comunidade eclesial e na sociedade. A escola católica, mesmo que assuma a perspectiva plural do ensino religioso, deve oferecer ocasiões e suscitar processos (não somente eventos isolados) para que estudantes e educadores conheçam e experimentem a fé cristã, com uma maneira atraente e bela de ser-com-os-outros-no-mundo (parafraseando o filósofo alemão Heidegger) a partir da pessoa e da mensagem de Jesus.
- Ao se colocar como formadora de cidadãos, a escola assume sua responsabilidade em colaborar efetivamente para desenvolver nas novas gerações uma visão humanista, socialmente includente e ecologicamente sustentável.
- Enquanto negócio, presta serviços educacionais para determinada clientela e garante sua continuidade com os resultados econômicos aferidos desta operação.
Compreender a Escola Católica na perspectiva da complexidade é dar conta de desenvolver, de forma simultânea e interdependente, estas dimensões acima citadas: instituição educacional, espaço de evangelização, oficina de cidadania e negócio. Trata-se de muitos ângulos de uma mesma face.

c) Qualidade e foco. Cada vez mais as pessoas exigem produtos e serviços de qualidade. E a forma personalizada de fazê-los está se tornando um grande diferencial nas organizações. Qualidade em educação significa, entre outras coisas, avançar sempre mais, fazer conexões crescentes das experiências vitais dos alunos com os dados, as informações e os conceitos; aumentar a capacidade comunicativa oral e escrita, desenvolver a análise e a síntese, conviver em grupo em espírito de colaboração, desenvolver atitudes de consumo consciente, etc.... Basta partipar de congressos e simpósios em educação, percorrer os PCNs, ler os projetos político-pedagógicos das instituições, refletir sobre os documentos dos Institutos religiosos, e daí se retiram elementos que podem balizar os indicadores de qualidade na educação.
A qualidade também está relacionada com o foco. Uma organização profissional existe para oferecer um benefício, reconhecido como tal pelo seu público-alvo (ou interlocutor, ou cliente), através de um produto ou de um serviço. Quando isso não acontece, o senso profissional dá lugar ao corporativismo. Ou seja, vêem-se somente os interesses de pessoas e grupos e se lutam por eles. Este tem sido, em todo mundo, o grande problema das organizações governamentais e de algumas ONGS. Neste caso, políticos, funcionários públicos e de organizações não estão com o foco voltado para a população, mas para si próprios. Ora, o corporativismo é a perversão da finalidade da instituição. Somente o foco no público-alvo, em suas necessidades e demandas, põe nos trilhos uma instituição. A escola, como qualquer outra instituição, deve continuamente corrigir as tendências desviantes de corporativismo de seus profissionais, sejam professores ou gestores.

Outro problema comum em instituições religiosas, que impede a busca de qualidade, é autoritarismo dos gestores e o correspondente servilismo dos colaboradores. Numa lógica perversa, onde reina a mediocridade, as pessoas “fazem de conta” que trabalham bem, visando agradar a autoridade. Mascaram resultados, cultivam a aparência, não assumem os erros e fracassos e transportam a responsabilidade para outros.
Poderíamos dizer que na escola, o foco não está tanto em dominar conhecimentos, e sim na relação do aprendiz com o saber, mediatizado pelo professor(a), num ambiente comunitário (e não somente gregário) com seus colegas. Almeja-se que eles aprendam a conhecer, a ser e a conviver. Para isso, às vezes é necessário até por limites às pretensões descabidas dos pais ou outros familiares, que desejam interferir na escola para fazer valer interesses distantes do foco da aprendizagem e do aprendiz.

d) Formação das pessoas. Com as exigências crescentes na sociedade, as instituições necessitam de pessoas que sejam cada vez mais competentes naquilo que realizam. Dependendo do tipo de atividade, há profissionais generalistas e especialistas. O perfil desejado depende sobretudo da missão da organização e do seu posicionamento na sociedade. ONGs ambientalistas, por exemplo, buscarão profissionais que compreendam de forma articulada e crítica o que está acontecendo no nosso planeta e mobilizem pessoas em vista do mundo ecologicamente sustentável. O mesmo acontece com a escola. O perfil dos profissionais deve estar alinhado com sua proposta pedagógico-pastoral, com a visão estratégica. Somente com profissionais qualificados se alcançam resultados satisfatórios.

A qualificação não é algo definitivo e acabado. Como já sinalizamos, o bom profissional está conectado com o mundo; seu olhar está voltado sobretudo ao seu público-alvo, no sentido de compreendê-lo mais e melhor, nos cambiantes cenários culturais. Ele(a) busca se atualizar com leituras, cursos e estimulantes experiências de vida. A instituição também deve investir no profissional, oferecendo-lhe oportunidades de aprimorar seus conhecimentos, ter acesso às novas tecnologias, novos métodos e processos eficazes. Mais ainda, a organização como um todo está em processo de aprendizagem. Reedita práticas e reelabora conhecimentos, a partir de conquistas próprias e dos outros. Ela se torna uma “comunidade aprendente”, que é a base dos processos de inovação. Este princípio, tão difundido nas empresas que estão em destaque no mercado, vale muito mais para a escola. É preciso transformar muitas “comunidades escolares”, com seu vícios e anacronismos pedagógicos, em comunidades aprendentes.
Ao avaliar uma atividade ou um processo, uma instituição profissional reconhece o mérito das pessoas que alcançam os resultados almejados e as recompensa por isso. Em contrapartida, adverte e por vezes pune aqueles que não cumpriram seus compromissos, nem alcançaram resultados satisfatórios. No caso da escola, isso deveria valer para todos: os aluno(a), os professores(as) e os gestores, pois a educação não é um produto que se vende, mas sim um processo que se constrói com muitos protagonistas.

3. Gestão profissional da mudança
No meu livro “Gestão e Espiritualidade” (Paulinas, 2009, 3ed), apresentei alguns pilares da gestão profissional, sobretudo no capítulo 1. Destaco aqui um deles, que me parece fundamental para as instituições de ensino católicas, dentro do tema que estamos abordando. Trata-se de uma forma profissional e estratégica de realizar a gestão da mudança. Tomo a liberdade de transcrever alguns parágrafos aqui.

Segundo Peter Drucker, qualquer instituição tradicional é concebida para a continuidade. Assim acontece com a escola. Mas, em períodos de rápidas mudanças estruturais, os únicos que sobrevivem são os líderes de mudanças. Uma política de mudança contempla três aspectos: abandonar o ontem, promover um aperfeiçoamento organizado e explorar o sucesso.
O primeiro aspecto significa liberar recursos, deixando de comprometê-los com a manutenção daquilo que não mais contribui para o desempenho da organização, nem produz resultado. Quando um serviço ou processo velho e declinante está levando a negligenciar o novo, ele deve ser abandonado. Por que as organizações religiosas têm tanta dificuldade em abandonar aquilo que dá mostras de decadência ou já perdeu grande parte de seu sentido original? Drucker argumenta que “Elas têm a tendência de considerar tudo aquilo que fazem como justo, ético e a serviço de uma causa”. Então, são mais resistentes à mudança.

O abandono assume distintas formas. Pode-se até continuar a fazer o mesmo, de maneira diferente. Tão importante quanto abandonar é saber agir sobre o abandono. O líder da mudança deve perguntar a respeito de cada serviço ou processo: “Se fôssemos entrar nisso agora, sabendo o que sabemos, faríamos o que estamos fazendo agora?” O que abandonar e como efetivá-lo precisam ser praticados de forma sistemática. Já o aperfeiçoamento organizado envolve produtos e serviços, processos de produção, “marketing”, assistência técnica, treinamento e desenvolvimento de pessoal e uso de informações. O aperfeiçoamento contínuo leva a mudanças fundamentais, pois cria as condições para perceber e abraçar o novo.
Exploração do sucesso significa dar ênfase às conquistas e às oportunidades e não ficar mergulhado em problemas. E também alocar as pessoas mais capazes nos lugares de melhores possibilidades. Trata-se de valorizar os próprios sucessos e construir sobre eles. Dar passos pequenos e consistentes, um após o outro, sobre as realizações e projetos bem sucedidos. Esse procedimento conduz, cedo ou tarde, a uma inovação genuína.

A política de mudança proposta por Drucker vale para a escola católica. O passo mais difícil para as instituições tradicionais consiste em “abandonar o ontem”. Alguns colégios confessionais hoje são inviáveis, por diversos motivos. Há cidades do interior, onde já não há um público que requer esse tipo escola e esteja disposta a pagar por ela. Existem também escolas de capital que estão localizadas em local inadequado, longe de sua clientela potencial. Mas, por força da inércia, por amor à tradição, por apego ao patrimônio tangível, não se abandona o ontem. Então, os recursos financeiros e as energias são canalizados para aquilo que está no caminho da morte. Algumas organizações irão morrer junto com suas obras agonizantes se não abandonarem o ontem. O mesmo se diz dos seus métodos pedagógicos e da própria concepção de ensinar e aprender. Manter a todo o custo o ontem, em nome de uma tradição que dá segurança, é caminhar lentamente para a morte. O antídoto é a política articulada de mudança. Nela, o ontem também tem lugar, mas não exclusivamente.

4. Amadorismo e senso profissional
O senso profissional pode estar a serviço de causas maravilhosas ou de objetivos questionáveis. Muitas empresas, ditas comerciais ou de mercado, utilizam o profissionalismo somente para visar o lucro e concentrar a riqueza em poucas mãos. Costumam estabelecer metas demasiadamente exigentes, regidas pela lei selvagem da concorrência de mercado. Isso leva seus profissionais ao estresse e à doença, por não alcançar o que se estabeleceu.
O senso profissional não é ruim. Ele marca uma conquista da humanidade no campo do trabalho. Significa a superação do amadorismo. E as instituições religiosas estão infestadas deste mal. Amadorismo significa conduzir uma organização sem metas claras e desafios a alcançar, simplesmente repetindo, ano após o ano, o que se fez no passado. Amadorismo consiste em contratar e manter pessoas na organização considerando somente suas presumíveis “boas intenções” e não levando em conta seu histórico profissional, o perfil desejado e uma análise de suas possíveis competências. Amadorismo é manter pessoas por anos a fio, sem avaliação de desempenho com critérios claros. Ignorar os resultados que elas demonstram efetivamente. Uma organização amadorista encara o fracasso e as crises como tragédia ou com passividade. Não reflete sobre o fato e nem aprende com ele. Evita identificar os responsáveis pelos erros cometidos, especialmente quando são pessoas próximas ao círculo do poder.

Em instituições religiosas amadoras, as necessárias mudanças podem sempre esperar um pouco mais, pois paciência se confunde com complacência. Medo e falta de ousadia são batizados como prudência. O corporativismo se desenvolve facilmente. Seus funcionários, especialmente as chefias, tendem a trabalhar de garantir a estabilidade no emprego, e não com o foco nos seus interlocutores, destinatários ou clientes. O corporativismo se reveste do manto hipócrita de pietismo. Funcionários incompetentes, que apresentam péssimos resultados, assumem a face de “católicos piedosos” e devotos do fundador(a), pois sabem que isso agrada aos religiosos.
Nas décadas de 70 e 80 muitos institutos deixaram parte significativa de suas “obras”, como escolas e hospitais, para se voltar aos pobres. Conscientemente abandonaram espaços conquistados em vista de uma opção mais radical, no bom sentido. E tal opção possibilitou o desenvolvimento de milhares de lideranças populares leigas, que atualmente atuam na Igreja e na sociedade. Hoje, um outro contingente de religiosos fecha suas instituições, não por opção heróica, mas sim devido ao envelhecimento dos quadros, redução numérica e pouco senso profissional.

A título de conclusão: senso profissional e carisma
Qual a contribuição dos consagrados, se querem manter algumas de suas iniciativas formais, por acreditar que elas expressam o carisma? Em primeiro lugar, superar o amadorismo e seu discurso ideológico e perverso, o que está levando as instituições à morte lenta e gradual. A gestão profissional é necessária para garantir a continuidade das organizações. Ela fundamenta a relação honesta e transparente com os colaboradores leigos. Mas por si só é insuficiente. Algumas instituições religiosas podem ter sucesso e serem infiéis ao Espírito. Não é qualquer proposta de gestão profissional que se coaduna com os carismas congregacionais.

A experiência do seguimento de Jesus, traduzida em espiritualidade encarnada e visão lúcida da realidade, postula “algo mais”. Como já mostramos acima, a instituição contempla resultados múltiplos e simultâneos. A escola católica visa evangelizar, educar, satisfazer seus destinatários, formar cidadãos, manter equilíbrio econômico-financeiro, ter uma boa imagem e contribuir efetivamente para uma sociedade sustentável e solidário. Além disso, a fé cristã leva-a a desabsolutizar os conceitos de sucesso, fama, imagem e eficácia. Deve-se fazer o melhor, mas com a consciência e a humildade de que “se não é Senhor que constrói a casa, é inútil o trabalho dos construtores e pedreiros” (Sl 127,1).
Uma instituição religiosa de prestação de serviços muitas vezes é jogada no circo romano do mercado competitivo, onde se degladiam feras vorazes. Mesmo que ela tenha que estar na luta, não fará do sucesso sua razão de ser. Nem utilizará todos os artifícios para vencer a concorrência. Se o “o tesouro e seu coração” estiverem no sucesso, no poder e no dinheiro, ela perderá a fidelidade ao evangelho. Será uma empresa a mais no mercado, mesmo que veicule uma marca religiosa.

Acreditamos que as relações profissionais são fundamentais numa escola católica. Elas criam as condições para desenvolver o pensamento estratégico, melhorar a qualidade de ensino, superar rotinas e estimular a inovação. Ao mesmo tempo, sustentamos que as relações profissionais num espaço confessional deve ser marcada por um diferencial, que provém de sua identidade cristã e do carisma congregacional. Este traço original não se confunde com amadorismo. Trata-se de uma “mais”, que se origina dos nossos valores, da nossa forma de considerar a existência e o trabalho, a partir da figura de Jesus. O senso profissional não é negado, e sim transfigurado.

Afonso Murad.