quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Teofania na Amazônia dos pequenos

Partilho com você este texto de Frei Joahannes Gierse, com suas impressões sobre o Intereclesial das CEBs, acontecido em Porto Velho, no final de julho. Concordo com o que ele diz. Saboreie o olhar franciscano apurado....

“Teofania”, segundo o dicionário, quer dizer a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa; uma revelação sensível da glória de Deus, ou através de um anjo, ou através de fenômenos impressionantes da natureza. Não tenho a menor dúvida que tudo isso aconteceu em Porto Velho! Vejam:

A glória de Deus na “Amazônia”: pela primeira vez na história dos 34 anos dos Intereclesiais este encontro das CEBs aconteceu na região Norte do Brasil. Diz o Pe. Raimundo Possidônio, de Belém: “A Amazônia é obra do Deus criador e providente, pois neste pedaço do planeta quis presentear-nos com um pedaço do Paraíso, e fez os povos desta terra depositários de uma grande missão: cuidar de sua obra maravilhosa”. Mas neste pedaço do Paraíso, a terra e as águas, os povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos e extrativistas estão gritando, pois sofrem as dores da exclusão, destruição e morte causadas pelos grandes projetos “de desenvolvimento”.

Deus presente numa Igreja com rosto amazônico: a Igreja na Amazônia realizou uma conversão desde o encontro de Santarém em 1972, com sua diretriz “encarnação na realidade em vista da libertação” e que se expressa nas prioridades pastorais: formação de agentes pastorais locais e de comunidades cristãs de base fundadas na fé e no amor, a pastoral indígena e a frente pioneira da migração. O amazônico da Igreja e os seus frutos eram palpáveis nos Intereclesial.

A manifestação de Deus na diversidade dos participantes: Quem conhece o tamanho continental do Brasil entende o que significa encontrar pessoas dos quatro cantos; compreende também com qual esforço as caravanas das CEBs viajaram durante dois, três ou quatro dias! Pelas estradas, rios e ares enfrentando 2000 ou mais de 4000 km para chegar. Eram 3.010 delegados, aos quais se somavam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico da Assembléia encontrava-se espelhado também no rosto das 38 nações indígenas ali presentes”, além de pessoas dos outros continentes, como relata a Carta Final.

A revelação de Deus no povo de Porto Velho: a acolhida e o carinho com que as famílias, as paróquias e a diocese trataram os delegados foi algo extraordinário. Equipe de acolhida no aeroporto e nas paróquias, a qualquer hora do dia ou da noite, tocando e cantando, faixas e mensagens de boas-vindas. Presentes e lembranças, feitas de artesanato da região; fartura nas mesas tanto em Porto Velho como ainda em paróquias de Rondônia e Mato Grosso que há mais de 1000 km distantes acolheram as caravanas; famílias hospitaleiras; equipes de serviço para tudo; atendimento perfeito de saúde; em todo lugar “água encanada” para refrescar do calor; celebrações inculturadas... e tudo isso feito com um amor gratuito, generoso. Durante quatro anos, a Igreja de Rondônia montou essa “estrutura” preparando equipes de voluntários – entre eles muitos jovens! Ao longo de quatro anos cada um/uma contribui mensalmente com R$ 2,00! Não é de se admirar que muitas famílias derramaram lágrimas de saudade na despedida de seus hóspedes!

Dom Moacir, revela a ternura e o vigor de Deus: o bispo de Porto Velho deu todo apóio para que o Intereclesial acontecesse na Amazônia. Acreditou na capacidade de sua Igreja particular e não se cansou de caminhar com seu povo, apesar de sua deficiência física, resultado de dois acidentes de carro, sendo um causado por um atentado. Ele marcou na celebração de abertura a frase de origem africana: “Gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares não importantes realizam coisas extraordinárias” e que ficou no coração, na mente de todos/as delegados/as, pois expressa a mística e a missão das CEBs revigorando a convicção de que estão no trilho certo. Fiquei pasmo com a sensibilidade de Dom Moacir na celebração de encerramento: ao iniciar a oração eucarística pediu a todos da equipe de animação não falassem no microfone para que o próprio povo rezasse de uma só voz e assim os ouvintes da rádio ouvissem a própria voz do povo de Deus (a maioria de nossos cantores/as é dono do microfone e abafa a voz orante da assembléia!); a todos/as os 10.000 fiéis foi oferecida a comunhão sob duas espécies (a maioria dos padres não tem essa “sensibilidade litúrgica”, mesmo tendo poucas pessoas participando da Missa!).

Deus falando no tema, na dinâmica, na organização do Intereclesial: O fato de as CEB’s tematizarem “o grito da Terra que vem da Amazônia” e de reconhecerem que precisam se converter em comunidades ecológicas manifesta uma visão profética adequada aos nossos sinais dos tempos. Estamos longe de assumir a missão sócio-ambiental. A dinâmica do Encontro foi a conhecida “Ver-Julgar-Agir”, que garante a interação fé e vida e o comprometimento eclesial diante dos desafios da missão. Também o trabalho em “canoas” (grupos), rios (miniplenárias) e no porto (plenário) agilizou a troca de experiências e o processo de reflexão. Novidade foi o dia de missão no qual foram visitadas: populações indígenas, comunidades de bairro, agrícolas-coloniais, extrativistas, ribeirinhas, afro-descentes, de ocupação, Casa do Menor, de recuperação de dependentes e hospitais.

Se a teofania acontece também através de um fenômeno impressionante da natureza, então não resta dúvida de que no dia 22 de julho durante a celebração penitencial, Deus estava presente! Naquela tarde, suportando um calor infernal, as 3000 pessoas caminharam em direção ao rio Madeira fazendo também memória dos mártires. Chegando na margem do rio, ao por-do-sol, enxergamos ainda as grandes obras que desviam o rio e acabaram com a cachoeira, para construir a usina hidrelétrica Santo Antônio. No alto de uma rocha, uma mulher proclamou as bem-aventuranças e a multidão as repetia. Para mim, não havia diferença entre o mar da Galileia, onde Jesus pregava às multidões, e nós na beira do rio Madeira. O vento soprou fortemente, trazendo alívio, e nuvens escuras fecharam o céu. Dom Luis Soares, dizia: “Deus nos livre de um mundo feio em que não haja mais peixes, pássaros, árvores, animais, homens e mulheres... é impossível acreditarmos em Deus se não estivermos de bem com os irmãos e com a natureza. O ambiente é a nossa casa e fazemos parte dele. No momento em que matamos a natureza, estamos matando a nós mesmos”. E enquanto falava, o céu respondeu abençoando aqueles que fazem das bem-aventuranças o sentido e a missão de sua vida. Deus afirmava em forma de chuva: “Este é o caminho da vida, da esperança, da Terra sem males! Podem confiar, estou ao lado dos pequenos”!

A viagem de volta foi outra aventura: 40 pessoas entre as quais dois bolivianos, um índio pernambucano, três jovens, um casal, dois padres, mulheres entre 35 e 75 anos de idade, dois motoristas e um alemão-nordestino-paulistano, durante 54 horas num ônibus formaram uma “CEB ambulante”. Rezamos o Ofício das Comunidades e no ritmo indígena, avaliamos o 12º, tivemos serviço a bordo, assistimos ao “Big Bus Brasil”, presenteamos o amigo oculto, brincamos e cantamos... É Deus se revelando nos pequenos!

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