Os dados do último censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no Brasil. Segundo as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos últimos 20 anos (..) Não seria necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos conta deste fenômeno. Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe muito bem que sua Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas missas, nos grupos, nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza esta situação. É verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e que alguns padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos religiosos. Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica ainda é uma força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da percentagem de católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o número de praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos fazer a conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes não superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa este número deve cair para menos de um por cento.
A diminuição
dos católicos no Brasil coincide com o desmantelo da Igreja da libertação e com
a implantação de um regime católico neoconservador. (...) As comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente
abolidas e substituídas pelos movimentos pentecostais católicos (..) São nomeados bispos mais
conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e
qualquer vestígio de Igreja da libertação (...) Chegam ao Brasil
das redes católicas de televisão e seus programas de apologia ao
conservadorismo (..) Aumenta o número de padres
cantores, de padres na mídia e de seminaristas midiáticos, todos eles plugados
vinte e quatro horas na internet para "evangelizar” através de meios
moderníssimos e velozes (..) Aparecem e se multiplicam comunidades exóticas com seus trajes medievais e seus
costumes estranhos e maniqueístas. A diminuição de católicos não para, apesar
de todo o esforço para massacrar a teologia da libertação, punir teólogas e
teólogos brasileiros, vestir clericalmente os padres, romanizar as liturgias e
tirar do velho baú católico coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas.
Alguma coisa deu errada. No final dos anos 1970, quando, com
o pontificado de João Paulo II, o neoconservadorismo começa a aparecer,
dizia-se que a Igreja da libertação tinha que ser banida porque colocaria em
risco o futuro da Igreja Católica no continente latino-americano. Acabaram com
tudo aquilo que poderia cheirar a libertação, mas, mesmo com a implantação da
neocristandade, o catolicismo murchou. O projeto neoconservador falhou e, com a
chegada dele, acelerou-se o encolhimento do catolicismo brasileiro. O tiro
parece ter saído pela culatra. Penso que está na hora da Igreja no Brasil fazer uma séria
reflexão. Suas lideranças precisam ser honestas com elas mesmas, admitindo que
falharam, acelerando, com seus métodos, o decréscimo dos católicos brasileiros.
Elas que tinham tanto medo da teologia da libertação, que a demonizaram e
combateram, agora amargam o resultado de suas intervenções. Elas, e não a
Igreja da libertação, provocaram a crise do catolicismo brasileiro.Perdeu-se a oportunidade de dar vida a um jeito de ser Igreja, bem mais próximo do Evangelho e da realidade do povo brasileiro. Disso não se pode fugir sem trair a verdade. É preciso que as lideranças admitam isso, se quiserem reverter um pouco a situação atual. Se insistirem em manter o atual sistema eclesiástico, nosso destino será ainda pior do que aquele da velha Europa: uma Igreja infantil, feminil e senil, empoeirada, sem juventude, sem perspectivas, sem vida. Não faltaram os "sinais dos tempos”, mas boa parte dos dirigentes da Igreja Católica preferiu "não interpretar o tempo presente”(Lc 12,56). Teria sido suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo VI na exortação apostólica Evangelii nuntiandi. Neste documento, elaborado a partir das indicações do Sínodo dos Bispos de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, o papa, como que profeticamente, previa uma série de vias evangelizadoras bem condizentes e necessárias à Igreja de então. Mas, pelo visto, o projeto evangelizador neoconservador que veio em seguida não deu a mínima atenção ao que o pontífice havia indicado.
Paulo VI, partindo da importância do testemunho, destacava a
urgência do indispensável contato pessoal, "de pessoa a pessoa” (nº
46). E o contato pessoal não se dá através de uma pastoral de massas, da
utilização impessoal da mídia, mas através da multiplicação de redes de
pequenas comunidades, nas quais, advertia o papa, as pessoas poderiam preencher
o desejo e a busca de relações mais humanas. O papa afirmava, então, o valor das comunidades eclesiais de
base, as quais, de modo particular nas grandes metrópoles, poderiam contribuir
eficazmente para a superação da massificação e do anonimato (nº 58). Mas o que
fez a maioria das lideranças católicas? Preferiu a pastoral das massas, dos
rebanhões, dos espetáculos, nos quais, como tem mostrado a sociologia da
religião, prevalece o anonimato e a indiferença. As pessoas pulam, gritam,
dançam, mas sem preocupação com "o outro”. Pensam apenas nos seus
problemas e na satisfação imediata de suas necessidades e carências. A pastoral
de massa não humaniza as relações. Congrega, reúne, mas não une e nem alimenta
a solidariedade. As lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir as
comunidades eclesiais de base ou as relegaram a um plano secundário, de modo
que se pode afirmar que a existência delas no momento atual é fruto do grande
milagre da resistência de algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos
seguiam o caminho inverso, abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais
as pessoas se encontram não só para rezar ou cantarolar, mas também para
reforçar laços de amizade e de apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo
modo, "vínculo da ágape”, mantendo as pessoas unidas na comunidade.
Houve também o desmantelo de outros elementos, apontados por
Paulo VI como essenciais para a nova evangelização. Pense-se, por exemplo, no
retrocesso que se deu no campo do ecumenismo, do diálogo interreligioso, do
diálogo com os não crentes e com os não praticantes. Mas se pense igualmente
nos retrocessos internos que levaram as pessoas pensantes e mais conscientes a
abandonarem definitivamente a Igreja Católica. Parece-me, pois, que já está na
hora da hierarquia no Brasil colocar-se diante das várias perguntas sérias
levantadas por tantas pessoas. E, como queria Paulo VI, "dar respostas
leais, humildes e corajosas, agindo de consequência” (nº 5). (Texto reduzido)
(Partilho este artigo com você, pois penso que suscita elementos importantes para nossa reflexão sobre a relação entre diminuição numérica dos católicas e o projeto de evangelização em curso no Brasil)