sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Carta da CNBB sobre as eleições de 2020

 1. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, por meio do Conselho Permanente, reunido na modalidade virtual, dirige ao povo brasileiro, uma mensagem de esperança, coragem e chamamento à participação responsável no processo eleitoral de 2020. Os cristãos são convidados a testemunharem a razão de sua esperança (cf. 1Pd 3,15) nesse tempo de profunda crise social, econômica, política e ética que atravessa o Brasil.

2. As eleições que se aproximam serão realizadas em meio a uma grave crise sanitária, com números estarrecedores de mortes e adoecimentos. Portanto, a primeira palavra dos bispos do Brasil é dirigida aos que sofrem as consequências da COVID-19 e às famílias que perderam seus entes queridos. É tempo de erguer aos céus o nosso olhar esperançoso. (Cf. Is 1,11-18). 

3. A política, do ponto de vista ético, é o conjunto de ações pelas quais se busca uma forma de convivência entre indivíduos, grupos e nações que ofereçam condições para a realização do bem comum. Do ponto de vista da organização, a política é o exercício do poder e o esforço por conquistá-lo, a fim de que seja exercido na perspectiva do serviço. (Cf. CNBB, Doc. 40, 184). Por isso, os cristãos, leigos e leigas, não podem “abdicar da participação na política” (Christifideles Laici, 42). Esse protagonismo é próprio do laicato. Cabe a ele, de maneira singular, a exigência do Evangelho de construir no mundo o bem comum na perspectiva do Reino de Deus. O clero, guiado pela Doutrina Social da Igreja e atendo-se às normas da igreja quanto à sua participação na vida político-partidária, assume o que lhe é específico nas suas responsabilidades políticas quando cuida da formação, incentiva e acompanha o laicato. 

4. Para os católicos que disputam as eleições, é importante recordar que “a política não é mera busca de eficácia, estratégia e ação organizada. A política é vocação de serviço” (Papa Francisco, Discurso a jovens líderes da América Latina, 4 de março de 2019). A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, em serviço de todas as pessoas (cf. Gaudium et Spes, 75). 

5. Os prefeitos e vereadores que serão eleitos têm o dever de contribuir com ações eficazes, nos campos da saúde, educação, segurança, transporte, assistência social, moradia, direito à alimentação e proteção da família, entre outros. Darão bons frutos os políticos que priorizarem o bem comum e a vida plena, desde a concepção até a morte natural, de todos dos cidadãos, sem quaisquer discriminações, nunca buscando seus próprios interesses pessoais e corporativos.

6. Não pode produzir bons resultados o político que atenta contra a vida, trabalhando por políticas públicas que favoreçam o aborto, fazendo campanha eleitoral com discursos de ódio, defendendo o uso da violência, o recurso às armas e se atrelando ao tráfico de drogas e às milícias. Quem não se compromete com os excluídos e se mostra indiferente diante da morte de pessoas e das graves feridas do meio ambiente não merece o voto de quem deseja uma sociedade justa e democrática.

7. Muito preocupa na disputa eleitoral o uso de notícias falsas. Elas contaminam o debate, desviam a atenção dos eleitores de temas importantes e desvirtuam o resultado do pleito. Pessoas comprometidas com a verdade, a ética, a paz e a justiça não podem compartilhar notícias espetaculosas e de fontes desconhecidas, notadamente as que ajudam na difusão da mentira e do ódio.

8. O uso interesseiro da religião e de discursos religiosos oportunistas tem se tornado um elemento mobilizador nas eleições. Esse tipo de prática perverte o sentido e o autêntico valor das tradições religiosas. Serve apenas a interesses particulares e de grupos políticos.

9. A aplicação das Leis da Ficha Limpa e da Compra de Votos, conquistadas com a efetiva participação da Igreja, é condição necessária para que a eleição seja justa e legítima. O abuso do poder econômico corrompe o processo eleitoral. A compra e venda de votos e o uso da máquina administrativa nas campanhas constituem crimes eleitorais que atentam contra a honra do eleitor e a cidadania. Os eleitores são chamados a fiscalizarem os candidatos e, constatando esses atos de corrupção, denunciarem os envolvidos ao Ministério Público e à Justiça Eleitoral.

10. A vigilância das eleições democráticas e transparentes é tarefa de todos, porém, têm especial responsabilidade as instituições públicas, como a Justiça Eleitoral, nos níveis federal, estadual e municipal, bem como o Ministério Público. Destas instâncias espera-se a plena aplicação das leis que combatem a corrupção eleitoral, o uso indevido do dinheiro e a utilização de fake news como estratégia eleitoral.

11. Após as eleições, é de fundamental importância que a comunidade eclesial se organize para acompanhar os mandatos dos eleitos e eleitas. Concretamente, dentre tantas iniciativas possíveis, promovam-se encontros que, valorizando a democracia participativa, aproximem vereadores e prefeitos das comunidades. As experiências para formação de Fé e Política e das Comissões Justiça e Paz são práticas que merecem ser incentivadas nos contextos diocesano e paroquial.

12. Os cristãos leigos e leigas, inspirados na fé que vem do Evangelho e é explicitada na Doutrina Social da Igreja, devem se preparar para assumir, de acordo com sua vocação, competência e capacitação, serviços nos conselhos de participação popular, como o da Educação, Criança e Adolescente, Saúde, Juventude e Assistência Social. Devem, igualmente, acompanhar as reuniões das Câmaras Municipais, onde se votam projetos e leis para os municípios, permanecendo atentos à elaboração e implementação de políticas públicas que atendam especialmente às populações mais vulneráveis como crianças, jovens, idosos, migrantes, indígenas, quilombolas e, particularmente, os pobres.

13. Em tempos de crescente desvalorização da política, o povo brasileiro precisa fazer das Eleições 2020 uma verdadeira festa da democracia, de forma que se concretize “a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum” (Fratelli Tutti, 154). Que Nossa Senhora Aparecida interceda pelo povo brasileiro! 

Brasília-DF, 28 de outubro de 2020.

*Dom Walmor Oliveira de Azevedo* Arcebispo de Belo Horizonte (MG) Presidente da CNBB

*Dom Jaime Spengler* Arcebispo de Porto Alegre (RS) Primeiro Vice-Presidente da CNBB

 *Dom Mário Antônio da Silva* Bispo de Roraima (RR) Segundo Vice-Presidente da CNBB

 *Dom Joel Portella Amado* Bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ) Secretário-geral da CNBB

*FONTE:* site CNBB

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Prece a Maria na pandemia


Maria da Pandemia,
Rogai pelos que estão entubados nos hospitais,
Buscando um pouco de ar para sobreviver,
Agonizando e morrendo na solidão.

Rogai por seus familiares e amigos,
Nessa hora de angústia,
Quando a dor é maior.
E a esperança menor.

Rogai pelos médicos, enfermeiras,
Profissionais da limpeza, religiosos,
Todos os que cuidam dos contaminados.

Livrai-nos da indiferença e dos indiferentes,
Dos adoradores da morte,
Dos que celebram as desgraças alheias,
Dos que deveriam ser os primeiros em responsabilidade
E se colocam de forma fria e sórdida diante desses tormentos.

Rogai para que Deus ilumine os cientistas,
Que seja encontrado rapidamente um caminho
Para neutralizar a ação do vírus.

Quando tudo passar,
Que o ar permaneça limpo,
Que as águas permaneçam puras,
Que as florestas permaneçam em pé,
Que nossas ruas tenham o silêncio da paz,
Que nosso céu permaneça azul
Que todas as formas de vida continuem celebrando sua liberdade
Que a humanidade aprenda que a Terra não é lugar só da humanidade.
Que todos vivemos em uma Casa Comum
Amém!

Roberto Malvezzi (Gogó)

domingo, 3 de maio de 2020

Novas correntes teológicas diante da História única


Veja como os estudantes universitários de teologia do ISTA relacionaram o vídeo de Chimamanda (O perigo de uma história única) com o tema das novas correntes teológicas.
(1) A grande questão levantada pela escritora nigeriana Chimamanda é em relação ao perigo de uma história única. Ilustra-a a partir da ideia pré-concebida no mundo Ocidental em relação à “África”. Ela narra um fato de seus primeiros escritos, ainda na sua infância, que eram baseados na literatura europeia a qual costumava ler e por deveras vezes perguntava para si mesma se as pessoas como ela não poderiam também estar nos livros, pois a sua vida em nada se comparava ao protótipo britânico que ela reproduzia em seus textos. De maneira análoga, deve-se perguntar: será que a teologia produzida não é nada mais que uma reprodução de um modelo único criado no mundo europeu? Será que ela fala da vida das pessoas que a escreve? Qual lugar ocupam os povos tradicionais, negros, mulheres, pobres (...) nessa teologia? Neste sentido, as novas correntes teológicas e as teologias contextuais tem servido para mais próximo à vida dessas pessoas que muitas vezes só ocuparam os lugares periféricos (Lucas Alves Fernandes).

(2) Ao associarmos essas novas correntes teológicas com a palestra da Adichie Chimamanda obviamente somos levados a pensar que não existe uma única realidade ou uma única forma de contar os fatos. E quem sem sobra de dúvidas, há uma necessidade de cada um escrever a sua história, aqui no caso uma teologia a partir de sua realidade, e não fazer uma imitação simplesmente de outra experiência realizada por outro ou um povo, por isso é importante aqui falar de uma subjetividade, palavra muito usada no mundo pós-moderno. Ao refletirmos sobre essa pluralidade do mundo e a subjetividade do homem, somos obrigados a pensarmos também que não há uma forma única de pensar e falar sobre o mistério. Por isso tornasse importante falar de uma realidade que vá ao encontro pessoal. A apropriação de um fato ou contar a história (teologia) a partir da experiência, seja ela pessoal ou de um grupo, é um fato inegável nesse mundo plural (Edgar de Melo).

(3) Chimamanda resgatou não somente a sua historia, mas também a historia da continente africano. “É impossível falar sobre a história única sem falar do poder”. Claro que a África, é um continente cheio de catástrofes. A complexidade do que ela fala é impressionante. Detalhes tão pequenos que nem nós damos conta do impacto que causa em sua visão geral. A valorização da historia da África deve começar pelos próprios africanos. Chimamanda foi uma mulher muito inteligente que tinha visão mais além de ver a sua própria realidade de que podia mudar não só permanecer na mesma historia mas também conhecer uma outra historia. Ela vai, além disso, a lição que ficou é que nós não devemos ter uma única versão de uma historia, precisamos ser curiosos e buscar outros pontos de vista.
A Tecnociência tornou-se horizonte de compreensão do ser humano em relação ao mundo e a si próprio. Não apenas nossos estilos de vida, nosso modo de trabalhar e viver, são condicionados pela técnica, mas também nossa identidade mais profunda. Testemunhamos ainda o fenômeno da “mercantilização da vida” produzido pelo mercado que vai se impondo como único cenário de nossa trama civilizacional atual. A teologia contribua de maneira responsável ao diálogo acerca das questões que nos ocupam nesse início de século XXI. Daí a oportunidade de se elaborar uma teologia que seja, para todos os efeitos, intercultural: um discurso em que o intercultural é assumido como perspectiva e método e não apenas como objeto de estudo. (Sui D. Gomes Ossenai)

(4) O vídeo de Chimamanda, escritora nigeriana, fornece um grande aporte para a reflexão sobre a produção não só literária mais também cientifica e por que não, teológica, nos denominados países de terceiro mundo. Podemos considerar isso ao relacionar a definição de “história única” que, segundo a autora, condiciona a grande maioria das pessoas a estereótipos que reduzem a história de um povo, um país ou continente a meras generalizações. O grande perigo dessa história única é sempre transmitir a ideologia da classe dominante, ocasionando uma relação de superioridade a outras ideologias ou formas de pensar. No campo teológico isso aconteceu por muitos períodos da história.
A teologia clássica que transmitiu a ideologia dominante centro-europeia por muito tempo reduziu todas as construções teológicas a uma histórica única, em que cada teólogo deveria construir seu pensamento de acordo com as definições e parâmetros utilizados no Velho Mundo. Contudo, assim como Chimamanda, muitos teólogos latino-americanos, africanos e asiáticos perceberam que não possuíam uma identificação com aquilo que produziam e até mesmo acreditavam. Perceberam que tais escritos estavam fora do contexto em que viviam.
Chimamanda relatou que começou a escrever, ainda criança, e suas histórias apresentavam elementos das histórias anglo-americanas que lia, e percebeu que as mesmas não se identificam com a sua realidade social, geográfica e até mesmo econômica. Eram costumes diferentes. Este mesmo processo aconteceu com as correntes teológicas pós Vaticano II que, ao buscar uma produção a partir do contexto que estavam inseridos e sobretudo, que fosse interpretada por tal realidade, originaram as teologias contextuais. Hoje tais teologias ainda sofrem resistência de muitos que, alimentados com uma única história que produz estereótipos, mas continuam a revelar quão importante é a capacidade de encontrar na cultura, nos contextos de cada povo, os elementos que constituem a acolhida da revelação de Deus em Jesus em tal povo, país ou continente. Assim, como os apóstolos em Pentecostes que movidos pelo Espírito foram impelidos a motivar outros a vivenciarem tal experiencia da revelação, e também Chimamanda que com seus romances motivou pessoas como a carteira da Nigéria que ousou aventurar-se como possível autora de uma trilogia em reposta a inquietações como leitora, essa deve ser um dos principais frutos das teologias contextuais, pois motivam pessoas a produzirem uma reflexão teológica a partir de seus contextos ao perceberem que sua realidade também é plausível de interpretação da revelação de um Deus que caminha com seu povo, na sua cultura (Caio Filipe de Lima Pereira).

(5) Chimamanda ao falar sobre o perigo de uma realidade ser apresentada a partir de uma única história, mostra que este modelo cria estereótipos e uma compreensão limitada da realidade, não abrangente, não integrada. Relata que quando criança gostava muito de ler, no entanto tinha mais acesso a literatura britânica e americana. Além disso, também gostava de escrever, mas seus escritos traziam elementos que eram presentes em suas leituras, ou seja, de outro contexto, que pouco correspondia a sua identidade nigeriana. Em determinado momento se surpreende com a literatura de autores africanos ao descobri tais produções. Indo estudar nos Estados Unidos vê que muitos americanos tinham criado estereótipos do continente africano, falavam do mesmo como um único país e de modo negativo. A compreensão destes era de que lá apenas havia dor, sofrimento e dependência dos países desenvolvidos. Essa descrição contada por autores estrangeiros ocidentais, que não tem uma compreensão abrangente da realidade e cultura africana, inferioriza a mesma e conquista o pensar dos leitores.
O seu discurso nos ajuda a refletir também o modo de fazer teologia atualmente e a pensar sobre a importância que estamos dando as produções que se propõem em apresentar tipos de teologia comprometidas com nossa realidade de Igreja latinoamericana e brasileira. Ainda que haja uma pluralidade de enfoques teológicos nas Igrejas Cristãs, que se propõem em situar a reflexão a partir de realidades concretas, foram-se criando estereótipos em relação a elas. Libânio e Murad (2014), presentam que há uma falta de incentivo no contato com estas produções, por outro lado os clássicos ganham maior destaque no ambiente acadêmico. No entanto, ainda que sejam importantes, o mundo de hoje apresenta novos desafios e estes também não devem ser ignorados. Por isso, reflexões dentro de perspectivas como a da teologia feminista, teologia negra e ameríndia com um enfoque étnico, a ecoteologia, a teologia das religiões com enfoque macroecumênico e as teologias continentais, entre outras, são expressões de que à Igreja são apresentados novos desafios e que podem adotar como instrumentos de reflexão produções dentro de áreas como essas, que dificilmente teriam espaço em abordagens mais tradicionais ou vista por outros, com um olhar de fora para dentro. É necessário que reflitamos acerca de nossa própria realidade (José Flávio Cassiano dos Santos).

(6) Diante da reflexão em aula referente às novas correntes teológicas e do vídeo “O perigo da história única” de Chimamanda, nova reflexão e atitude pessoal podem ser criadas. A própria maneira com que nos dispomos ante algo novo, desconhecido. Podemos ser aquela pessoa que ignora, a que rejeita, que se move por piedade ou que acolhe como nova possibilidade. Esta novidade pode ser em qualquer tema, ou em relação a qualquer objeto, inclusive da teologia e seus novos movimentos. Falemos das novas correntes teológicas, que por serem contextualizadas em grupos minoritários e emergentes, trazem olhares de diferentes pontos de vista e suscitam novas perguntas para a Teologia. Esta que se considerou “perene” por muito tempo, hoje se vê movimentada por novos agentes de outros grupos, especialidades e ideologias. Os passos que se percebe de diálogo com estas novidades, principalmente com o Papa Francisco, são muito significativos, apesar de que ainda não conseguiu dar os passos necessários para a conversão dos estereótipos em valorização das outras Histórias. Estes novos contextos, longe de diminuir a Teologia e o caminho que ela fez na História, são para a atualidade, uma possibilidade de fraternidade com as outras culturas e reflexões. Uma maneira de renovar-se e se atualizar em nosso tempo, sem perder suas raízes, propor e acolher a alteridade, romper paradigmas e deixar de ser uma ditadora das verdades e certezas reconhecendo-se como peregrina rumo ao Pai (Luiz Carlos Lima).

(7) Seria Deus imagem do simplismo? Ao decorrer da história humana, distintos movimento e grupos se esforçaram para definir relatos únicos e empobrecidos. Empobrecidos não por ser com pouca profundidade, mas por romper com a ação Criativa de Deus. Em sua palestra para a TED, “O perigo de uma história única”, Chimamanda Ngozi Adichie relata sua construção enquanto pessoa. No decorrer da fala ela ressalta seu interesse desde muito nova pela literatura e por não possuir acesso aos livros do país de origem, Nigéria, ela se atinha aos britânicos em especial. Com o interesse por ler surge também o por escrever, o que tornou um desafio já que em suas histórias ela criava personagens brancas, loiras e que viviam em locais com neve, experiências bem distintas da sua realidade. Aos 19 anos quando se mudou para os Estados Unidos da América, para estudar numa universidade. Chimamanda sofreu outro “golpe” ao deparar com a colega de quarto que acreditava que ela nunca tinha visto um fogão, que, além disso, pensava que a jovem era submetida na Nigéria em situações que não correspondiam as que ela realmente possuía juntamente com seus familiares. Outro dado equivocado que a companheira de quarto apresentou está na generalização enquanto África, isto é, a crença que fosse somente um país e todos com a mesma situação econômica e social. Chimamanda reconhece que também ela até certo momento assumiu o discurso único quando ouvia e falava sobre o México.
Na teologia, o movimento se fez semelhante por muito tempo. Acontece que as narrativas da experiência e estudos sobre essa experiência sempre se deu de forma eurocêntrica para os católicos, e estadunidense para os protestantes. Como uma espécie de colonialização do pensar e do crer, a teologia vinda de outras realidades rompe com a universalidade do agir de Deus e impõe modelos prontos que devem ser encaixados em todas as realidades? A diferença presente quando tratamos de teologia é que as personagens loiras de Chimamanda se tornam discursos e métodos que não falam a realidade, não tocam no agir do povo, e exclui aqueles que não são capazes de adentrar na dinâmica colonialista. Desta forma, Libanio e Murad (2014) apresentam a necessidade de romper com esse modelo. Sabe-se que o modelo clássico ganhou e ainda ganha muito espaço nos ambientes acadêmicos, mas urge a necessidade de se falar de uma teologia mais abrangente, uma teologia negra, uma teologia feminista, uma teologia queer e ou gay, entre tantas outras as quais a sociedade demanda. Reduzir o teologizar a uma única forma é empobrecer a compreensão de Deus (Wagner Eduardo de Assis Pinto)

(8) Após assistir a Palestra de Chimamanda, percebemos que têm semelhanças entre a palestra dela e as Novas correntes de teológicas e as teologias contextuais. Primeiro, ela fala que uma única historia faz que se cria preconceitos ou uma única visão sobre uma realidade que as vezes não é justa ou verdadeira. Chamou a nossa atenção sobre a única teologia hegemônica que recebemos, essa única teologia pode nos mostrar uma única face do cristianismo e talvez isso pode esconder para alguns povos a beleza da fé crista.
Segundo ela aponta que os livros que ela lia ou estudava falavam de coisas estrangeiras que não têm nada com a realidade dela. Isso faz que ela não pudesse se identificar com as personagens e a historia contada, como conseqüência não significava nada para ela. As Novas correntes teológicas ou teologias contextuais buscam refletir desde a realidade na luz da palavra para que o povo possa se identificar nas reflexões, as ações da igreja de forma local. Buscando libertar o povo de uma teologia que não significa nada na realidade daquele povo (Kossi Pierre Batcho Kadote).

(9) Tanto como uma única história como a Teologia contextual não podem ser vistas como verdades únicas, cada uma tem sua versão de acordo com seu contexto cultural e religioso, para que se tenha uma visão mais profunda e clara sobre como sua história que não é única existe toda uma vivência. A Teologia tem mudanças na sua história em relação de como enxergamos o outro, que a progressão da humanidade leva a caminhos que por vezes são incompreensíveis, sem que o mistério salvífico de Deus tenha um contexto diferente, e este olhar é necessário para que a redenção aconteça a todos os povos como realização da promessa de benção a todos sem exceção. A história de um povo e sua cultura devem ser vistos da mesma forma a história muda com o passar dos anos, porém, sua essência é a mesma, existem vários contextos mas, o essencial do povo é um só, é imutável. (Marilis Marchezini Pinto).

(10) A Teologia é a reflexão sistemática da hermenêutica que se faz da fé e da Revelação Divina dirigida a todos os seres humanos. Nesse caso, a teologia possui uma dimensão universal e particular. A universalidade da teologia está no fato de que o seu fundamento se baseia numa única revelação divina na qual todas pessoas são convidadas a conhecer e experimentar. A particularidade da teologia reside em demonstrar que é a sua produção acadêmica e prática estão situadas dentro de um determinado contexto sócio-cultural. Ela é uma produção de homens individuas. Isso significa que o ser humano analisa os dados da fé e da experiência Transcendental com base nas características da sua cultura. Além disso, cada grupo tem uma forma própria de celebrar a manifestação do Sagrado e de concebe-lo na realidade. É por isso que é necessária que a Teologia seja contextual para que a mensagem divina atinja a todos os povos e culturas.
A contextualização da Teologia é um processo que consiste levar em consideração o modo de vida das pessoas, a cultura, a linguagem e a realidade social. No entanto, no período moderno, a Teologia não valorizava os aspectos culturais dos povos. Houve uma dominação teológica de um determinado povo que queria impor uma única forma de conceber Deus. Eles acreditavam que eram os detentores da verdade e que os outros povos estavam errados. O resultado disso foi a imposição de ideologias e de uma maneira de viver a fé. Com isso, a mensagem divina não foi traduzida para um determinado povo e este teve a sua dignidade ferida.
Neste aspecto, podemos perceber que a palestra de Chimamanda sobre o perigo de uma única história tem uma semelhança com a questão das teologias contextuais. Na palestra Chimamanda retrata o contexto de uma imposição cultural que viveu desde a sua infância. Ao ler somente os livros britânicos e norte-americanos, ela começou a desenvolver certos livros que relatam histórias que não condiz com a sua realidade social do povo nigeriano. Ela não se via como uma Nigeriana. Esse fato mostra quando há as concepções dominantes negam a alteridade da pessoa fazendo refletir uma cultura que não condiz com a sua realidade social
Quando ocorre a contextualização da teologia consegue-se perceber que certas categorias de linguagens usadas por um tipo especifico de teologia não servem para transmitir o sentido da fé a um determinado povo. Sendo assim teologia precisa se inserir e encarnar na realidade do povo sem imposição, mas como sendo uma proposta. Com isso, a teologia contribui para que ocorra o surgimento de comunidades com características próprias e identidade. A comunidade não precisa mais refletir uma única forma de celebrar. Nesse caso ela passa ter uma visibilidade. Na palestra dada por Chimamanda, há um momento em que ela relata que as pessoas pensavam que o continente Africano era um país cujas pessoas são iguais e inferiores aos outros povos. Ela mostra com isso que quando se conta uma única história corre-se o risco de criar estereótipos de pessoas (Robson Henriques Vieira Arruda)

(12) A sociedade pós moderna apresenta inúmeros enfoques que convidam a Teologia a trilhar novos caminhos, respondendo assim as necessidades de seu tempo. Chimamanda, nigeriana que cresceu com mentalidade europeia porque a única literatura que lhe fora apresentada era a americana, tornou-se uma ‘contadora de história’. Chimamanda diz: “Sempre sentir que é impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa, sem me relacionar com toda a história desse lugar ou dessa pessoa”, nos leva a reflexão em torno do “perigo da história Única” ou seja, aponta caminhos para que a teologia reveja as formas de pensamento e principalmente o significado do conceito de cultura – trata-se de uma teologia contextualizada.
A Teologia necessita estar em diálogo com os diferentes contextos sociais e culturais, pois permanecer com a visão de uma “cultura dominante” pode tornar “um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão”. Para que as sementes do Verbo possam dar frutos em diversos terrenos, é necessário conhecê-lo, respeitá-lo e saber o tempo certo de semear, pois a semente é única e cada terreno possui suas características próprias.
Por fim a palestra e as teologias contextuais mostram o perigo que ocorre quando se tem apenas uma versão dos fatos. Uma única forma de teologia e uma única História revelam um papel de dominação ideológica dos seus interlocutores e desprezo por um modo de vida. Dessa forma, a teologia não cumpre o seu papel de ajudar as pessoas a olharem a realidade com a ótica da fé, para assim perceber os apelos de Deus. Por esta razão, as pessoas não são capazes de se sensibilizar com os sofrimentos dos outros A palestra sobre o perigo de uma única História e as novas correntes teológicas refletem a importância de se contextualizar e olhar mais para a realidade social para perceber que tal povo possui uma identidade, uma cultural e um modo de conceber o mundo. Ambas têm um caráter libertador que ajudam a perceber que pluralidade não é um obstáculo, mas um campo que pode enriquecer tanto a teologias como as demais áreas do saber no processo de humanização (Célio e Lucas André).

(13) Em tempos de uma sociedade plural, aceitar uma única história sobre determinado lugar ou pessoa seria negarmos ou perdemos a possibilidade de adentrar no paraíso. É parafraseando a escritora africana Chimamanda, em sua palestra sobre o perigo de uma única história, que podemos descobrir a riqueza das novas correntes teológicas e contextuais que emergem na contemporaneidade.
É factível perceber como é fácil adotarmos narrativas estereotipadas de certos fatos, lugares e pessoas. Além disso, é apossando dessas únicas narrativas que negamos o belo “paraíso”, passível de ser adentrado, e acabamos caindo numa atitude colonizadora, de preconceitos que não nos permite conhecer as riquezas desse novo terreno. Da mesma maneira, pode-se ocorrer no âmbito teológico quando adotamos uma única corrente teológica como verdadeira, em outra palavras quando consideramos universal uma única narrativa. Entretanto, os princípios teológicos nos recordam que a mesma deve ser encarnada, brotada do chão de cada realidade vivida. É apenas seguindo esses critérios que a teologia consegue “[...] interpretar a atual complexidade da existência humana” (LIBANIO; MURAD, 2014) do nosso tempo. Por conseguinte, a teologia tem duas dimensões essenciais no seu labor teológico que é a universalização quantitativa e a universalização qualitativa.
A universalização quantitativa é a teologia que diz respeito a dimensão geográfica e populacional que ela atinge, já a qualitativa é aquela que se remete a vários povos, de diferentes lugares e culturas, é alimento universal da fé. De certo, tanto uma como a outra são importantes para a produção de uma teologia significativa, mas pode também nos levar a cometer dois equívocos. Toda teologia nasce de uma realidade cultural e isso é necessário, porém o erro é quando se elege ou cristaliza a mesma como universal, a única e verdadeira. Como exemplo, podemos pensar na teologia produzida por Tomás de Aquino na Idade Média, universal nas duas dimensões, que foi tomada como a teologia perennis. No entanto, a maneira da escritora, Chimamanda que cristalizou uma narrativa de África como lugar pobre, de guerras sem sentido e outras tantas ideias pejorativas que impedem-na de conhecer a riqueza da mesma, ocorre também na teologia, ou seja, essa atitude cerceia a pesquisa e impossibilita o enriquecimento e a criatividade para nascer novas teologias.
Dessa maneira, podemos compreender a importância das novas correntes teológicas e textuais que emergem na contemporaneidade. É importante para que não cometamos os mesmos erros do passado ou para que fujamos das ideologias dominantes que acreditam em etnocentrismo e outras tantas visões opressoras que existem. Assim, podemos dizer que as novas correntes teológicas e contextuais são os novos ventos do Espírito dando respostas aos desafios do nosso tempo (Vitor Vinicios da Silva)

(14) O perigo de uma única história como ponto de partida para esta reflexiva análise da teologia enquanto lugar de possibilidade, partilha e experiência de um povo nos mostra que quando uma história é compartilhada apenas de um lado torna-se escassa, pois o perigo consiste em apresentar apenas uma versão da história, quando na verdade existem várias dimensões que podem ser vistas de ângulos diferentes. Através das diferentes formas de pensamentos, a teologia em suas variedades de leitura teológica, busca uma fusão de horizontes onde se possa ter não somente uma teologia que seja uma única e universal, mas sobretudo, teologias que dialogam entre si com as diversas formas de experiências culturais existentes em cada contexto plural.
Quando se tem a possibilidade de dialogar com o diferente e desconhecido se permite abrir vários horizontes, que em sua infinitude mostra o quanto uma história pode ter varias formas de ser contada, cada corrente teológica é uma seta que aponta para uma nova descoberta e cada teologia contextual nos permite entrar na história de cada tempo, colocando em evidência aquilo de mais natural e particular que existe em cada uma dela, sua cultura, sua origem e sobretudo, a história de um povo, e quando vista de ângulos diferentes, desta-se não só aquilo de ruim, mas, muito mais aquilo que há de bom, de positivo, não se pode rejeitar a possibilidade existencial de várias histórias como não existe, só uma única história (José Renato Martins da Costa)

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Cristo sai na Semana Santa de outro jeito


Nos países de tradição católica, especialmente na América Latina, a Semana Santa está marcada por muitas manifestações públicas, de natureza devocional e litúrgica. Procissões e celebrações nas ruas e praças reúnem multidões. Mas no cenário atual, isso não é possível, pois colocaria em risco a vida de muitas pessoas. Acertadamente, a Igreja propôs orações nas casas e celebrações pela mídia (Televisão e  Internet). Houve quem se contrapôs a essa orientação, argumentando que “Jesus não sairia mais às ruas” e que seria reduzido o caráter público da evangelização. Em resposta a tal posição, a arquidiocese de Lima, no Perú, publicou um vídeo em que mostra a face de Jesus presente em todas as pessoas que estão se dedicando aos outros, nesse momento histórico (https://youtu.be/IaexENtVnX4). Eis o poema, em uma tradução livre.
Que história é essa, que Cristo este ano não sai, se ele está vestido de branco, azul ou verde, nos hospitais? Quem disse que o nazareno não pode fazer penitência se estão todos atendendo os doentes no Pronto Socorro?
E não haverá a Via Sacra, com Jesus que cai três vezes?  Olhe para nossos médicos, que caem rendidos, exaustos, como humildes cireneus ajudando Jesus em cada passo. E todos os profissionais de saúde, lado a lado, sem descanso.
Como Jesus passou pela terra, nossos heróis do caminhão passam as noites acordados
para abastecer mercados de bairro, farmácias e lojas ... Policiais patrulham ruas desertas e não estão com suas famílias, mas cuidando das nossas. 
E longe das cidades, Jesus Cristo está curvado sobre os sulcos da terra, cultiva plantas e pastoreia o gado.
Ninguém diga que o Senhor não está presente nas ruas, quando nas igrejas solitárias os sacerdotes celebram a missa diariamente.
Jesus sairá este ano, desde que haja uma voz, mesmo à distância,
animando quem está isolado em casa.
Ninguém diga que Deus não está em seu caminho, quando tantas vidas
se oferecem aos outros e demostram amor e solidariedade.
Com os olhos cansados, com bom humor, sem falhar, Cristo também está presente em qualquer supermercado, repondo prateleiras e atendendo no caixa.
Jesus entra em um caminhão pintado, recolhe nosso lixo e sai sem ser notado.
Quando vejo tanta gente que perdeu seus familiares, sinto que saiu também às ruas Nossa Senhora da piedade, a Maria das dores que sustenta seu filho morto no colo.
Talvez não haja procissões com imagens esculpidas, mas veja, Cristo sai ao encontro de sua vida, em mil rostos ocultos, sem vela e nem sinos.
Embora não haja procissões, você sentirá o cheiro do incenso que as pessoas generosas colocam com suas ações.
O amor salta sobre os muros, o coração não está fechado. Será uma "Semana Santa" mais do que nunca, é verdade. Quem disse que Cristo não saiu este ano? Amém.

O silêncio de Deus diante de tamanho sofrimento da humanidade talvez nos ensine a ter menos certezas e mais esperanças. Cultivar o olhar para descobrir a presença e a ausência de Jesus na nossa realidade. Exercitar criativamente várias formas de praticar o amor, o afeto e a solidariedade. Rever nossos paradigmas e modelos de vida, que na linguagem religiosa se chama “conversão”. Essa é a oportunidade ímpar de crescimento, para cuidarmos uns dos outros e de nossa Casa Comum.