A palavra “sacrifício” parece estar banida do linguajar cotidiano da geração que adotou o estilo “light” de viver. Se a motivação da existência está em provar o máximo possível as boas sensações no presente, é descabido falar em sacrifício. Tudo tem que ser conseguido com facilidade e rapidez. Na mesma velocidade, será também “curtido” ou experimentado. E, ao acabar, trata-se de buscar novas sensações prazerosas, até que a vida se esgote. Por isso, o prazer solitário se associa a uma absolutização do presente. Esperar dá trabalho!
Um educador certa vez comparou a geração atual de jovens e adolescentes a um macarrão pré-cozido. Denominou-a de “geração miojo”. O dito macarrãzinho, inventado por um japonês, é feito em cinco minutos. E consumido com igual rapidez. Para a geração miojo não existe paciência nem processo. O que a conduz é a lei da facilidade. Quanto mais fácil, melhor. Com isso, a ética também desaparece lentamente. Pois lutar para o bem, defender valores e pagar o preço de suas opções exige esforço, disciplina e constância.
Na corrente oposta desta tendência, aparecem as visões religiosas que trazem de volta o sacrifício, como a grande chave de salvação, seja ela meramente terrena ou para além da morte. Exagera-se no valor sacrifical da morte de Jesus. Parece que a comunhão do ser humano com Deus só foi alcançada com muito, muito sangue. O ícone desta representação é o filme “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Do ponto de vista teológico, essa corrente de pensamento, presente tanto em meios católicos quanto evangélicos, esquece uma verdade elementar. A morte de Jesus não é um evento isolado. Para aqueles que acreditamos num diálogo vivificador entre Deus e o ser humano, chamado de “experiência salvífica”, somente a vida explica a morte, e vice-versa. Nós cremos que Jesus nos oferece a vida em plenitude através de sua vida, de sua morte e de sua ressurreição.
O próprio Jesus, a certa altura de sua missão, relembra aos seus contemporâneos uma famosa frase do profeta Oséias: “Eu quero a misericórdia, não o sacrifício”. Creio que é esta a chave mais correta para entender a originalidade da mensagem de Jesus e a beleza da experiência religiosa libertadora. Jesus mostra a face de um Deus paterno-materno, o Deus que tem alegria em resgatar o perdido. Assim é Deus, diz Jesus. De forma original, em três parábolas de Lucas 15, Jesus mostra a alegria de Deus que quer a vida e não o sacrifício em si. Deus é como o pastor que se alegra quando busca e encontra a ovelha perdida. Deus é como a mulher pobre que busca e encontra a moedinha perdida. Deus, por fim, é como o pai bondoso que acolhe o filho descabeçado que gasta toda a herança e volta para casa, simplesmente porque está com fome. Nas três parábolas, duas atitudes são comuns: a alegria e a festa, pelo reencontro com o perdido. O pastor se alegra com seus companheiros, a mulher pobre chama as amigas, e o pai faz uma festança, em estilo oriental, com cordeiro bem tratado.
Assim conclui Jesus: Deus é tão bom, que nos contagia com o seu amor. A palavra bíblica “misericórdia” poderia ser traduzida hoje de muitas formas, sem se esgotar em nenhuma delas: solidariedade, amizade, luta pela justiça, cuidado com o ambiente, cidadania, compaixão e amor.
A misericórdia inclui certa dose de sacrifício. Quem vive o amor com alguém, aprende na prática que precisa fazer renúncias. Quem se dedica aos outros, está constantemente fazendo opções e deixando algo para trás. Por mais que uma pessoa consiga fazer muitas coisas ao mesmo tempo, terá que fazer escolhas. Algumas não serão prazerosas no primeiro momento. Mas, a longo prazo trarão imensa alegria.A misericórdia, assim entendida, é a forma de superar os extremos desumanizantes do prazer absoluto ou do sacrifício absurdo. Na misericórdia, há prazer e sacrifício. O ser humano, sintonizado com o Bem, exercitando o amor misericordioso, está numa luta constante, que lhe custa tempo e energia. Em contrapartida, encontra uma alegria, um contentamento, uma satisfação profunda, que lhe confere paz e serenidade. E isso, não tem preço. Só quem experimenta sabe e pode dizer....
domingo, 8 de junho de 2008
domingo, 1 de junho de 2008
Aqui não tem lugar para quem pede
Seu Damião é um daqueles homens da classe popular, cheio de sabedoria. Numa celebração, estávamos falando sobre a religião libertadora e a religião que aliena. Com seu jeito matuto, Damião nos contou o seguinte “causo”: Um amigo seu convidou-o insistentemente para o culto de uma igreja neopentescostal. Meio a contragosto ele vai, “para não perder a amizade”.
O enorme templo, que impressiona pelas suas majestosas colunas, está situado numa importante avenida. Algumas quadras acima, há uma tradicional Igreja Católica, que tem várias iniciativas sociais, desde o encaminhamento de casos emergenciais de pessoas necessitadas, até o estímulo a grupos de sócio-economia solidária.
Seu Cosme está no templo, mas fica perto da porta de entrada, apesar da insistência do funcionário, bem vestido com um terno azul marinho, para que ele fosse mais à frente. Em certo momento, entra um mendigo, daqueles que carregam sacos de estopa nas costas com seus objetos pessoais. Imediatamente, o segurança (que oficialmente tem um nome bem mais simpático) vem ao seu encontro e impede que ele siga. Pergunta-lhe com rispidez: “O que você veio fazer aqui?” O homem lhe responde: “Estou com fome e vim buscar uma ajuda”. Damião estica o pescoço e os olhos para acompanhar o que vai acontecer.
O segurança diz ao mendigo: “Você precisa parar de sofrer e sair desta vida”. O homem balança a cabeça, consentindo. Crê que vai receber alguma coisa. Tenta então romper a soleira da porta. O segurança, homem alto e forte, estufa o peito e lhe detém com a mão direita. Empurra-o para fora. E completa: “Aqui é um lugar para quem tem oferta para dar. Deus ouve a quem dá com alegria”. E com mais insistência, lhe diz: “Aqui não tem lugar para quem pede, e sim para quem dá”. Apontando com o indicador para a esquerda, lhe diz: “Se você quer uma ajuda, suba algumas quadras e procure outra Igreja”.
Damião ficou indignado. Levantou-se, pediu desculpas ao amigo e se retirou.
Um mês depois, numa manhã de domingo, encontro Damião coordenando um mutirão na favela onde ele mora, para limpar os terrenos baldios, tirar o lixo e abrir um caminho para o povo passar. Vi então, na prática, a religião libertadora.
O enorme templo, que impressiona pelas suas majestosas colunas, está situado numa importante avenida. Algumas quadras acima, há uma tradicional Igreja Católica, que tem várias iniciativas sociais, desde o encaminhamento de casos emergenciais de pessoas necessitadas, até o estímulo a grupos de sócio-economia solidária.
Seu Cosme está no templo, mas fica perto da porta de entrada, apesar da insistência do funcionário, bem vestido com um terno azul marinho, para que ele fosse mais à frente. Em certo momento, entra um mendigo, daqueles que carregam sacos de estopa nas costas com seus objetos pessoais. Imediatamente, o segurança (que oficialmente tem um nome bem mais simpático) vem ao seu encontro e impede que ele siga. Pergunta-lhe com rispidez: “O que você veio fazer aqui?” O homem lhe responde: “Estou com fome e vim buscar uma ajuda”. Damião estica o pescoço e os olhos para acompanhar o que vai acontecer.
O segurança diz ao mendigo: “Você precisa parar de sofrer e sair desta vida”. O homem balança a cabeça, consentindo. Crê que vai receber alguma coisa. Tenta então romper a soleira da porta. O segurança, homem alto e forte, estufa o peito e lhe detém com a mão direita. Empurra-o para fora. E completa: “Aqui é um lugar para quem tem oferta para dar. Deus ouve a quem dá com alegria”. E com mais insistência, lhe diz: “Aqui não tem lugar para quem pede, e sim para quem dá”. Apontando com o indicador para a esquerda, lhe diz: “Se você quer uma ajuda, suba algumas quadras e procure outra Igreja”.
Damião ficou indignado. Levantou-se, pediu desculpas ao amigo e se retirou.
Um mês depois, numa manhã de domingo, encontro Damião coordenando um mutirão na favela onde ele mora, para limpar os terrenos baldios, tirar o lixo e abrir um caminho para o povo passar. Vi então, na prática, a religião libertadora.
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