domingo, 1 de junho de 2008

Aqui não tem lugar para quem pede

Seu Damião é um daqueles homens da classe popular, cheio de sabedoria. Numa celebração, estávamos falando sobre a religião libertadora e a religião que aliena. Com seu jeito matuto, Damião nos contou o seguinte “causo”: Um amigo seu convidou-o insistentemente para o culto de uma igreja neopentescostal. Meio a contragosto ele vai, “para não perder a amizade”.
O enorme templo, que impressiona pelas suas majestosas colunas, está situado numa importante avenida. Algumas quadras acima, há uma tradicional Igreja Católica, que tem várias iniciativas sociais, desde o encaminhamento de casos emergenciais de pessoas necessitadas, até o estímulo a grupos de sócio-economia solidária.
Seu Cosme está no templo, mas fica perto da porta de entrada, apesar da insistência do funcionário, bem vestido com um terno azul marinho, para que ele fosse mais à frente. Em certo momento, entra um mendigo, daqueles que carregam sacos de estopa nas costas com seus objetos pessoais. Imediatamente, o segurança (que oficialmente tem um nome bem mais simpático) vem ao seu encontro e impede que ele siga. Pergunta-lhe com rispidez: “O que você veio fazer aqui?” O homem lhe responde: “Estou com fome e vim buscar uma ajuda”. Damião estica o pescoço e os olhos para acompanhar o que vai acontecer.
O segurança diz ao mendigo: “Você precisa parar de sofrer e sair desta vida”. O homem balança a cabeça, consentindo. Crê que vai receber alguma coisa. Tenta então romper a soleira da porta. O segurança, homem alto e forte, estufa o peito e lhe detém com a mão direita. Empurra-o para fora. E completa: “Aqui é um lugar para quem tem oferta para dar. Deus ouve a quem dá com alegria”. E com mais insistência, lhe diz: “Aqui não tem lugar para quem pede, e sim para quem dá”. Apontando com o indicador para a esquerda, lhe diz: “Se você quer uma ajuda, suba algumas quadras e procure outra Igreja”.
Damião ficou indignado. Levantou-se, pediu desculpas ao amigo e se retirou.
Um mês depois, numa manhã de domingo, encontro Damião coordenando um mutirão na favela onde ele mora, para limpar os terrenos baldios, tirar o lixo e abrir um caminho para o povo passar. Vi então, na prática, a religião libertadora.

Um comentário:

Maria Luiza Silveira Teles disse...

Meu querido:
Tudo que vc escreve é lindo e profundo. Obrigada por estar em minha vida e alimentar o meu espírito.
Paz, Bem, Amor e Luz,
Maria Luiza Silveira Teles