sábado, 31 de maio de 2008

Espelho, espelho meu...

Viajando por este Brasil afora, fui parar numa grande capital do Nordeste. Fiquei hospedado na casa de uns religiosos católicos, popularmente chamados de “Freis”. Após as atividades da manhã, entrei no apartamento que estava reservado para mim. Era muito simples, como eu gosto. No entanto, não se destacava nem pela limpeza, nem pelo bom gosto. E algo me chamou a atenção.
Ao entrar, deparei-me com um imenso espelho, daqueles de quase dois metros de altura, que estava colocado estrategicamente no centro do quarto. Sem entender bem o que aquele objeto fazia ali, peguei a toalha que estava sobre a cama e fui tomar um banho. Ao entrar no banheiro, outra surpresa. Além do espelho sobre a pia, havia ainda outro espelho grande dentro do box do chuveiro. Ao todo, três espelhos! Lembrei-me então da Irmã Regina, que dizia: “Uma das telas, com as quais os jovens vêm o mundo, é o espelho” (Ver o texto neste blog: quatro telas para ver o mundo). Mas o antigo morador deste quarto, que eu não conhecia, talvez nem enxergasse o mundo. Somente a si próprio.
Minha curiosidade não resistiu muito tempo ao silêncio. Perguntei ao Frei, que era o coordenador da casa, se todos os quartos tinham tantos espelhos, e qual a razão disso. Ele me respondeu, um pouco desconcertado, que aquele quarto foi de um tal Frei, muito vaidoso, que havia morado ali durante dois anos. E completou: “Você devia ver a quantidade de cosméticos que ele deixou para trás: perfumes importados e cremes para pele, sem contar os xampús e condicionadores!”.
Fiquei pensando! Há que evitar a negação do corpo. Mas, uma pessoa quando faz um caminho de evolução espiritual, normalmente vai se desprendendo de certas coisas e de alguns hábitos supérfluos. Usará dos objetos com crescente liberdade. E dispensará outros, pois já não lhe serão necessários. E sem dúvida, um dos grandes critérios do crescimento espiritual é a superação do narcisismo, isto é, do indivíduo egóico, voltado para si próprio. Ter cuidado consigo mesmo é importante. Mas este não é único tesouro da vida de alguém.
Quando era adolescente, aprendi uma música-parábola, que tenho até hoje na memória. Dizia de um homem que vivia num quarto cercado de espelhos por todos os lados. Certa vez, uma pedra vinda de fora quebrou um deles. Então o homem olhou para fora de seu quarto, e ouviu uma multidão que gritava: “Quebre os espelhos, quebre os espelhos, ponha uma janela no lugar”! Creio ser este o grande clamor para o ser humano dito “pós-moderno”: quebre os espelhos (não todos), ponha uma janela no lugar!

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