O poeta e escritor Rubem Alves escreveu: “comunico aos meus leitores que desfiz 75 anos, muito embora os distraídos insistam em usar o verbo “fazer”. O fato é que a celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festas de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte. O que não entendo é a razão pela qual os participantes, diante das velas apagadas, se ponham a bater palmas e a rir, quando o certo seria que chorassem. Eu prefiro um ritual mais alegre: acender uma vela bem grande, como um bruxedo de invocação dos anos ainda não nascidos cujo número não sei!”
Há nas palavras deste grande pensador brasileiro um ar de tristeza, e talvez até de dificuldade em aceitar os limites da idade e do envelhecer. O próprio Rubem Alves já havia dito: “Imaginem que vocês vão fazer uma viagem. A felicidade da viagem começa antes da viagem. A gente examina mapas, lê artigos sobre os lugares que vão ser visitados, conversa com amigos que já foram, olha fotografias. E só de imaginar fica feliz. Depois de feita a viagem é diferente. A felicidade ficou para trás. Só resta ver as fotos e conversar... Criança é quem ainda não viajou e fica feliz imaginando a viagem. Viagem imaginada é sempre feliz. Adulto é quem já viajou e fica feliz olhando as fotos da viagem (...) Tive algumas dores quando era criança. Mas as dores passavam logo. E a alegria voltava. Fui um menino sempre alegre. Tudo no mundo me encantava. Menino, eu não imaginava que, um dia, eu seria velho...Pois esse dia chegou. Meu aniversário me diz que agora sou velho”.
Fiquei pensativo! Algo me dizia que há outras formas de considerar o poente da existência. Dias depois fui trabalhar com um grupo de religiosas e leigos sobre o tema “Gestão e Espiritualidade”, em São Paulo. Eram umas 50 pessoas. Bem na frente, havia uma senhora com o rosto enrugado, óculos grossos, a coluna um pouco encurvada. Notava-se que tinha idade avançada. Participa animadamente da discussão em pequenos grupos, anotava as idéias principais. Um discreto sorriso vinha-lhe à face. Vibrava quando alguma idéia nova vinha à tona. Em certo momento, falamos sobre gestão participativa, e seus olhos brilharam.
Mais tarde, na hora do intervalo, ela veio me cumprimentar. Fiquei sabendo então que a anciã se chama Irmã Mariana. Tem 85 anos e atua com uma equipe de leigos num centro sócio-educativo no interior de São Paulo, que atende a 150 crianças empobrecidas. Ela me disse como alegria: “Estou descobrindo como é bom trabalhar em grupo. Durante muito tempo em minha vida atuei sozinha. Agora vejo que, com os outros, é melhor”.
Mariana, com seus 85, não desfaz anos. Mantém o coração de criança e o espírito de aprendiz; aquele sopro de renovação que Rubem Alves anuncia nos seus belos textos poéticos. Envelhece de outra forma, saboreando o presente e com o olhar no futuro. Ao final da palestra, deixei para o público presente meu email e o endereço do blog. Mariana comentou: “Comecei a aprender a mexer com computador aos 75 anos. Que bom, agora vou descobrir o que é um blog!”
Um comentário:
Que Deus ilumine seus anos de vida e nos dê sabedoria para envelhecer com sabor. Carla
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