sábado, 16 de maio de 2009

Xapuri e Chico Mendes

Saí de Rio Branco, numa manhã ensolarada. Com mais outros passageiros, lotamos um taxi que faz o trajeto até Xapuri, situada a aproximadamente 170Km da capital do Acre. Estamos em plena região amazônica, em região banhada pelo Rio Acre, afluente do Purus, que deságua no Amazonas. Depois de algumas voltas e muitas paradas - este é o jeito de viajar aqui, pois não se sabe bem nem a hora da partida e muito menos a da chegada – terminamos a viagem em Xapuri. Esta cidade ficou conhecida no mundo devido a Chico Mendes, líder “dos povos da floresta” e ecologista.
Xapuri recebeu este nome de uma tribo indígena da região. Se voltássemos ao tempo uns 120 anos atrás, veríamos uma cidade florescente, chamada de “princezinha do Acre”, devido ao ciclo da borracha. Como a região era rica em seringueiras, árvore nativa da Amazônia, serviu de entreposto para a venda da resina natural de borracha. Ao visitar o museu da cidade tive surpresas: Xapuri foi uma importante cidade comercial e centro cultural. Recebia grandes embarcações vindas da Inglaterra. Havia até um cinema importante no início dos anos 1900. Mas tudo isso acabou quando os mesmo ingleses, protagonistas da primeira fase do capitalismo industrial, levaram clandestinamente sementes da seringueira para Ásia. Após alguns anos, toda a região amazônica sofreu uma rápida decadência econômica.
Durante a segunda guerra mundial, a produção asiática de borracha se interrompe. Os americanos pedem ao governo brasileiro que retome urgentemente a produção de borracha. E assim se fez, estimulando o deslocamento em massa de população nordestina, que passa a ocupar os seringais. Também este ciclo econômico é quebrado após o final da guerra, acentuado com o incremento da borracha sintética. O que conhecemos hoje como “povos da floresta” é a mescla de ribeirinhos tradicionais, populações indígenas que sobreviveram à violência dos seringalistas da primeira fase e os descendentes de migrantes nordestinos.
Nos anos 70, o governo militar estimula a criação de grandes fazendas de gado na região. O modelo de desenvolvimento é perverso: leva à total destruição da floresta e à expulsão de seus moradores. No seu lugar, surgem latifúndios que alojam projetos agropecuários, cuja principal finalidade é produzir carne para exportação, especialmente para os Estados Unidos.
Neste contexto, surge um importante movimento popular. Ele é a conjugação de forças sociais que se aglutinam em torno à CONTAG (confederação dos trabalhadores da Agricultura), aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e às Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Católica.
Conversei com lideranças da Igreja que naquela época iniciaram um lento trabalho de conscientização das lideranças populares. Desciam os rios visitando as comunidades ribeirinhas, penetravam nas florestas, faziam celebrações, ajudavam o povo a ler a bíblia com olhos críticos. Deste lento e intenso trabalho de educação popular à luz da fé surgem grandes figuras. Chico Mendes é uma delas.
Chico Mendes aprendeu a ler com o pai e era semi-alfabetizado. À medida que se comprometia com a causa da Amazônia e do seu povo, teve que aprender sozinho, como auto-didata. Com seus companheiros, mulheres e crianças, organizava o “empate”, movimento que impedia os “colonos do sul” e seus tratores ocupassem os seringais, destruíssem a floresta e plantassem no lugar o capim para o gado.
Aqui em Xapuri se respira algo deste clima de luta e de consciência. A cidade, onde predominam bicicletas nas ruas e o transporte de muitas mercadorias se faz com carro de bois, hoje tem orgulho do seu filho ilustre, incompreendido na época.
É emocionante visitar a casa de Chico Mendes (foto). Praticamente tudo está preservado. Reina a simplicidade, o essencial. Chico conseguiu comprar esta casinha na cidade um ano antes de ser assassinado. Nela morou breve período com a mulher e suas duas crianças. Na porta da cozinha ele foi assassinado por pistoleiro, a mando de um grande fazendeiro da região, no dia 22 de dezembro de 1988. Naquelas alturas, Chico Mendes já havia recebido dois prêmios internacionais pela sua luta em defesa da Amazônia. Sua proposta, realizada anos mais tarde, era de transformar a região em reserva extrativista. Ou seja, manter a floresta, possibilitando aos seus moradores o manejo sustentável de madeira, castanha, borracha e outros produtos locais.
Próximo à casa de Chico Mendes há um museu, com objetos pessoais, a toalha manchada de sangue na hora da morte, belas fotos e painéis que contam sua história e sua luta. No momento em que a humanidade redescobre a importância da Amazônia para o equilíbrio do clima (sobretudo a captura de carbono e o ciclo das chuvas) e a riqueza incalculável da biodiversidade, a figura de Chico Mendes ecoa com mais vigor. É preciso recordar a memória deste profeta e visionário. Mais ainda, é necessário somar pessoas e organizações pela defesa da Amazônia e de tudo o que ela significa para nosso mundo.Lembremo-nos de suas palavras: “No começo, pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras. Depois, pensei que estivesse empenhado em salvar a floresta amazônica. Agora percebo que estou lutando pela humanidade”.

Um comentário:

Marcos disse...

Murad, mande umas fotos para gente da sua viagem a Xapuri.