A ecologia, com suas múltiplas faces, é um dos “Sinais dos tempos” que caracteriza o atual momento histórico do planeta. No seu bojo se reflete uma grande mudança na humanidade, que lentamente acontece, em meio a conflitos e retrocessos.
A modernidade científica e filosófica dos últimos séculos provocou um desencantamento em relação à natureza, ao ecossistema. Esta perdeu seu caráter mágico e “sacramental”. A água, os minerais, o ar, os microorganismos, as plantas e os animais foram reduzidos à matéria prima para a produção e a objeto de estudo para a ciência. Foram considerados como coisas, perderam sua relação conosco. O ser humano, na sua versão ocidental, masculina e branca, se transformou no “centro do universo”, no critério decisivo de organizar a existência e o pensar. É o que chamamos de antropocentrismo moderno.
No entanto, fatos e reflexões dos últimos vinte anos, mostraram a insuficiência da razão científica, a insustentabilidade do atual modelo de produção econômica e a mediocridade da cultura globalizada, que ignora a diversidade. Os sintomas de uma crise planetária, tocando ao mesmo tempo os indivíduos, as nações e o ambiente, são visíveis: falta de sentido para a existência, perda da qualidade de vida, eclosão de novas formas de pobreza e exclusão social, aumento da violência e da insegurança social, mudanças climáticas ocasionadas pela soma de vários fatores. Ou seja, o antropocentrismo moderno, tão orgulhoso e auto-suficiente, mostra-se decadente, um gigante com pés de barro. Presenciamos então um desencanto em relação à vida.
Felizmente, há também um movimento múltiplo, de natureza ética, cultural, social e espiritual, que cresce em todo o planeta, com sinais esperançosos. Não se trata de um movimento único, orquestrado, mas de manifestações plurais, algumas convergentes e outras em conflito, mas que lentamente vão se articulando e buscando sentido comum. Destacamos, entre elas, a afirmação crescente do papel da mulher e a questão de gênero, o resgate das culturas e etnias não ocidentais (afro-descentes, indígenas, orientais asiáticos), o empenho por uma cultura da paz, da tolerância e da diversidade, as tentativas de estabelecer relações econômicas justas no mundo, e sobretudo, uma nova consciência ecológica. Tudo isso impacta na educação.
O caos no qual estamos imersos está nos abrindo possibilidades inusitadas, como pessoas, cristãos e educadores. A crise civilizatória atual faz lembrar a experiência do apóstolo Paulo. Ele tinha tantas certezas! Mas, um dia, “caiu do cavalo” e ouviu uma interrogação do Mestre. Necessitou passar uns dias na completa escuridão, numa cegueira externa que lhe possibilitou repensar a vida. Depois das trevas veio uma luz que lhe iluminou toda a existência. A questão ecológica oportuniza um novo olhar sobre os indivíduos, a espécie humana e todos os sistemas vivos. Nós, seres humanos, nos redescobrimos como parte da natureza e interdependentes em relação a todos os outros seres. Coloca-se novamente no centro das nossas existências a ética, os valores que nos movem, e como estes valores se traduzem em atitudes pessoais e ações coletivas. Percebe-se que a emoção tem uma importância vital nos processos humanos, desde a aprendizagem escolar até a gestão de processos, numa pedagogia empreendedora. E a mística, como desejo de se religar a algum sentido maior, para além da razão e do subjetivismo, volta à ordem do dia. Então acontece um reencantamento em relação à existência humana, à natureza e ao Divino. Estes processos são simultâneos e transversais. Avançamos sim, em meio ao desencantamento da mentalidade moderna que tudo pretende explicar e dominar, ao desencanto de uma crise civilizatória e ao reencantamento do brilho do novo olhar sobre nós e o mundo.
Nós educadores, somos pessoas que vivemos tudo isso, a começar de nossa existência pessoal, íntima, familiar. Talvez não tenhamos consciência plena da beleza e do desafio do momento que partilhamos com outros seres humanos. E que a nossa contribuição é muito importante, pois irá somar com a de tantos outros, nos mais diversos setores da sociedade, em todos os recantos da Terra. Paulatinamente, vamos compreendendo que a questão ecológica não é uma coisa pequena (embora se manifeste a partir de simples atitudes) e nem ocasional. Ela toca a compreensão de mundo, a forma de vive e atuar, subjetivamente e comunitariamente. Por isso, deve provocar mudanças nos processos pedagógicos e pastorais na escola.
A ecologia impacta na escola em várias vertentes:
- epistemológica (carácter e finalidade do conhecimento),
- metodológica (como conhecer),
- ética (valores e relações interpessoais)
- e espiritual (mística como re-ligação com Deus e suas criaturas).
A luz da consciência ecológica provoca uma mudança no núcleo da atividade básica da escola, que é a (re)elaboração do conhecimento. Percebe-se com clareza que a escola necessita extrapolar a sala de aula e os manuais didáticos. Os educadores e os alunos, à medida que conhecem melhor seu entorno, trazem novas perguntas (a respostas também) para ampliar a espiral do conhecimento. Compreender os ciclos da natureza - e do ser humano nela inserido - exige experimentação, implica o exercício dos sentidos, o envolvimento do corpo e das emoções. Significa superar a frieza da experiência científica moderna, na qual o pesquisador é o sujeito e a natureza, em duplo sentido, o “objeto”. Conhecer é também experimentar-se, estabelecer relações com outros seres, admirar sua beleza e acolher seus limites. O conhecimento também abre as portas à contemplação, a perceber o sopro do Espírito de Deus nas criaturas. Basta que o olhar se mantenha encantado.
Aceitar o paradigma ecológico (ou a dimensão ecológica da existência) leva a rever os métodos pedagógicos e a estreitar os laços entre as diversas áreas do saber. Pois a visão holística privilegia a compreensão das relações, e não somente o conhecimento focal e isolado. Faz ver como as diversas dimensões do real se implicam mutuamente. Ajuda a retomar a unidade original, que se perdeu à medida que foi necessário segmentar os saberes, para progredir no desenvolvimento da ciência. Uma concepção ecológica valoriza o protagonismo do aluno e põe novamente a questão da importância das vivências cotidianas para a sistematização do conhecimento. Tal perspectiva vem ao encontro do esforço que se realiza, em tantos lugares e há muitos anos, de uma educação significativa para os alunos e com os alunos, desde a proposta da educação evangélico-libertadora, até as contribuições do construtivismo sócio-interacionista.
Se podemos falar de uma “eco-pedagogia”, ela implica assumir a dimensão ética do saber. O que fazemos com o que conhecemos? Infelizmente, o conhecimento moderno se tornou, em primeiro lugar, fonte de acumulação de riqueza individual e manifestação da vaidade. Quem conhece somente para si se assemelha a alguns personagens do filme de desenhos “Kihiro”: bestializa-se com um porco glutão ou se torna um espírito destruidor que pretende seduzir a todos. A ética ecológica tem uma intenção ampla. Propõe um sentir co-responsável que ultrapassa todas as fronteiras, a ponto de nos percebermos “cidadãos planetários”. E, ao mesmo tempo, valoriza as atitudes individuais e as ações comunitárias locais, pois somente estas alavancam mudanças reais que alimentam nossa esperança. A escola, como espaço inter-geracional de relações cotidianas, pode ser um espaço privilegiado para gerar atitudes de cuidado consigo mesmo, com os outros e com o ambiente.
Uma parte significativa dos alunos das escolas católicas particulares são membros de famílias abastadas, com um padrão de consumo bem maior do que a média da população. Isso significa também: produzir muito lixo e deteriorar o ambiente. É necessário ajudar os alunos e suas famílias a serem consumidores conscientes, a usar racionalmente a água e de energia, a perceber a “pegada ecológica” que eles deixam para trás, a perceber a necessidade de uma produção ecologicamente sustentável. Para isso, a escola necessita de uma política ambiental clara, que envolva a todos, desde o funcionário dos serviços gerais até o diretor, e se traduza em gestos pessoais e institucionais ambientalmente educativos.
Conforme L. Boff, o ser humano é exterioridade (materialidade, presença), interioridade (desejo, emoção, imagens) e profundidade (pergunta-se de onde vem e para onde vai, pelo sentido). A espiritualidade consiste em cultivar “o espaço de profundidade, em enriquecer o centro de nós mesmos, em alimentar a dimensão do espírito com a amorosidade, a solidariedade, a compaixão, o perdão e o cuidado para com todas as coisas”. Por tais valores e atitudes se revela o espírito e se tece a espiritualidade. O ser humano tem inteligência intelectual, emocional e espiritual. A integração das três nos abre à comunhão amorosa com todas as coisas, numa atmosfera de respeito e de reverência para com todos os seres. Se o espírito é vida e relação, seu oposto não é a matéria, mas morte, ausência de relação. Espiritualidade, neste contexto, “é a potencialização máxima da vida, é compromisso com a proteção e expansão da vida (..) em toda a sua incomensurável diversidade e em todas as suas fases de realização”. Uma espiritualidade ecológica é profundamente integradora, e ajuda a superar a dicotomia entre sagrado e profano, espírito e matéria, que perseguiu o cristianismo durante muitos séculos. Vale recordar aqui a experiência e a reflexão de Teillard Chardin, um padre e cientista do século passado, que expressou de muitas formas esta unidade interior. Ele dizia: “Toda a matéria doravante está encarnada, meu Deus, pela vossa Encarnação”.
Creio que a escola pode ser um espaço maravilhoso para experimentar e celebrar o Deus da vida, cujo Espírito criador e redentor (recriador) passeia pela vastidão do universo e pela biodiversidade de suas criaturas. Está na hora de dar um passo maior. Para essa fascinante tarefa, somos todos convocados, como artífices e aprendizes.
(Versão modificada de texto apresentado no último Congresso Nacional da AEC)
Um comentário:
Obrigado pelo texto, Murad.
vou usar com as educadoras na nossa escola.
Um abraço.
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