Em meados de Outubro, estive em El Salvador, para conhecer de perto a vida e a obra de Dom Oscar Romero. Havia assistido antes o filme “Romero”, que utilizei algumas vezes com jovens e educadores em encontros e retiros. Retive da película a coragem crescente deste homem, sua retidão, o amor ao povo empobrecido, e a cena trágica de seu assassinato durante a celebração da eucaristia. Havia lido também trechos de discursos de Dom Romero. E, sobretudo, ouvi a gravação de algumas homilias dominicais dele. Fiquei tocado pela forma como Dom Oscar comentava as leituras bíblicas. Seu discurso era de um seguidor de Jesus, que partia da Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, estava tão sintonizado com a situação de seu povo, que não tinha medo de denunciar as injustiças e propor alternativas viáveis para a sociedade, marcada pela violência do regime ditatorial que exterminou, segundo se afirma, mais de 50 mil pessoas.
Oscar Romero nasceu em 1917, no interior de El Salvador. Era o segundo de uma família de sete filhos. Seu pai exercia a função de telegrafista. Em casa, não havia energia elétrica nem água encanada e as crianças dormiam no chão. No início da adolescência, foi para o seminário menor. Completou seu estudos em Roma, na Universidade Gregoriana. Para mim, uma feliz coincidência, pois ali, muitos anos mais tarde, concluí meu doutorado em teologia.
Romero foi ordenado em 1942, em plena segunda guerra mundial. De volta ao seu país, começou a exercer a missão de padre em comunidades do interior. Logo percebeu a importância do rádio na evangelização. Por onde passou fazia programas ao vivo, gravava homilias e estimulava a presença da Igreja neste âmbito. Por um tempo, foi também editor do Jornal Arquidiocesano. Desde cedo foi reconhecido pela sua capacidade de organização pastoral. Em 1970 foi ordenado bispo auxiliar de San Salvador. Em 1974, transfirido para a diocese de Santiago de Maria. Pessoa de grande liderança, Dom Romero era tido como um bispo conservador, que inclusive não sintonizava com as propostas de renovação do Concílio Vaticano II e da Conferência Latino-americana de Medellín. Era sensível para ajudar os pobres, porém em perspectiva assistencialista.
Com o coração aberto e a mente atenta, Dom Romero visitava as comunidades, ouvia as pessoas, tentava compreender a situação pela qual passava seu país. Naquele momento, El Salvador estava sob o domínio de uma ditadura militar, semelhante às outras que assolaram todo o nosso continente. O governo perseguia as lideranças políticas e sociais, torturava e assassinava pessoas e se mantinha impune. Lentamente, Dom Romero foi percebendo que não bastava boa intenção ou gestos individuais. A situação era estrutural e exigia ações coletivas. Para seu processo de conversão aos pobres contribuíram muitas pessoas. Dentre elas, o jesuíta Rutílio Grande, barbaramente assassinado.
Em 1997, Dom Oscar Romero foi nomeado Arcebispo da Capital, San Salvador. Passou a estimular a formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), rompeu com a aliança da Igreja com as oligarquias locais, organizou comissões para apurar as diversas violações aos direitos humanos no país, promoveu o diálogo e clamou contra a violência. Percebeu que sua postura de enfrentamento em relação ao governo totalitário, que servia às elites aristocráticas do país, poderia lhe custar a vida. E assim aconteceu, no dia 24 de março de 1980.
Visitei inicialmente o túmulo de Dom Romero, que está na cripta da catedral de San Salvador. Infelizmente, devido ao segundo bispo que lhe sucedeu, membro da Opus Dei, seu corpo foi retirado da nave principal e colocado num lugar de menor acesso, pouca visibilidade e horário restrito. Mesmo assim, é visitado constantemente por muita gente, que o reconhece como santo. Vi em outro lugar uma série de testemunhas de “ex votos”, ou seja, de pessoas que deixam registrado que alcançaram graças e curas através de sua intercessão. A atual tumba está revestida com uma cobertura de pedra. Nas quatro pontas há vultos de mulheres e símbolos que evocam cada evangelista. Uma justa homenagem a quem se pautou pelo evangelho de Jesus. Ali me ajoelhei e rezei, pedindo o dom da profecia.
A seguir, fui visitar a casinha onde ele morou. Está localizada dentro da área de um hospital para doentes de câncer, onde atuam as Irmãs Carmelitas. Era uma casa simples e pequena, que foi transformada num museu em sua memória. Lá se pode ver muitas fotos de seus contatos com o povo, as festas e celebrações da qual participou, objetos pessoais, o gravador na qual registrava cada noite seu diário, a cama e a mesa de trabalho. O objeto-símbolo que mais me impactou é a camisa que ele usava no dia de morte, manchada de sangue e com a marca da bala que lhe perfurou o coração (foto ao lado).
Para terminar, a poucos metros dali fica a capela do hospital, local de seu martírio. Dom Romero foi assassinado por um atirador de elitedo exército salvadorenho, treinado nas Escolas das Américas. Sua morte repercutiu em vários lugares de mundo. Hoje, ele é um símbolo da Igreja dos pobres e da espiritualidade da libertação.
Para mim, ver e sentir de perto os locais, as pessoas e os objetos que evocam a memória deste homem de Deus fortaleceu a minha fé. Foi uma ocasião de renovar meu compromisso de colaborar para uma sociedade solidária e sustentável.
São Romero, rogai por nós!
Um comentário:
Murad, que experiência bonita.
Queria estar lá!
Um abraço.
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