sábado, 20 de março de 2010

Oscar Romero: 30 anos depois

No próximo dia 24 de março se comemora o jubileu de 30 anos da morte martirial de Dom Oscar Romero. No ano passado, quando estive em El Salvador, rezei no seu túmulo, ouvi o testemunho de várias pessoas, fui até a capela onde ele foi assassinado em plena celebração, ouvi alguns áudios com suas homilias. Confirmou o que eu percebia: Este homem era um santo, um profeta, um místico encarnado. Deve ser lembrado e celebrado!
Partilho com você dois textos sobre o Jubileu da morte de Dom Romero, editados no "Jornal de Opinião".

Oscar Romero: espiritualidade aliada ao compromisso político
João Batista Libânio
Marco simbólico do continente latino-americano. Responde bem à pedagogia de Deus. Não escolhe os grandes deste mundo, mas os pequenos para confundir os fortes. Assim, lá vivia em El Salvador um bispo conservador que assumiu o pastoreio sob o olhar complacente e feliz da burguesia. Homem piedoso e honesto, sim, mas preso nas malhas da tradição, tecida por uma oligarquia impiedosa de longa data. Diante do corpo ensanguentado de Rutílio Grande, sacerdote jesuíta (1977), promotor da libertação dos oprimidos, dom Romero modifica radicalmente sua postura em face do Governo e urge a investigação do crime. Como este fora perpetrado por forças do próprio Governo, tal insistência só produzia ódio contra ele. Daí para frente o arcebispo enceta uma caminhada ao lado do povo sofrido até ser assassinado pelas forças repressivas do Estado em 1980.
Além do testemunho maravilhoso de vida, de coragem e de entrega, dom Romero deixou-nos magnífica coleção de homilias. Ele criou gênero próprio de pregações. Serviam simultaneamente de informação de fatos acontecidos no país, que a rigorosa censura escondia, e de alimento para a fé do povo simples no meio da terrível repressão e pobreza. Transparece nelas, de modo original e corajoso, uma espiritualidade aliada a sério compromisso político. O bispo de formação religiosa tradicional, sem perdê-la no que tem de piedade popular, assumiu uma linguagem de ponta na linha da libertação. Esta não nasceu de nenhuma crítica a partir da racionalidade moderna, mas da provocação que lhe veio da realidade sofrida de seu povo.
Ele se sentia verdadeiro mediador entre a Palavra de Deus lida na celebração e a comunidade eclesial da qual era pastor. Articulava maravilhosamente as interpelações nascidas da Escritura com a vida das pessoas. Esta lhe oferecia o olhar crítico para compor as homilias. Algo admirável por provir precisamente da mais alta autoridade eclesiástica do país, onde uma Igreja durante séculos compactuara com as classes dominantes. Agora se produzia a ruptura no espírito do Evangelho de Jesus. Bispo, ele se entendia no espírito do Concílio Vaticano como servidor do povo de Deus.
Mostrou enorme coerência entre a autenticidade de vida e as palavras até o extremo do martírio. Renunciara habitar luxuosa residência oferecida pela burguesia salvadorenha para ocupar modesto quarto do hospital dos cancerosos de San Salvador. Fazia ecoar, praticamente, a única voz de verdade e profecia naquele momento de censura rigorosa por parte do Governo, mesmo quando ele se dera conta das ameaças de morte. Proclamava-se a “voz dos sem voz” e não temeu cumprir tal missão. E por isso foi assassinado. Sofreu no interior da Igreja discriminação e incompreensão. Tal solidão o acompanhou até a morte em testemunho muito próximo ao de Jesus.

Aos 30 anos do martírio de São Romero
Dom Pedro Casaldáliga
Celebrar um Jubileu de nosso São Romero da América é celebrar um testemunho que nos contagia de profetismo. É assumir comprometidamente as causas, a causa, pelas quais nosso São Romero é mártir. Grande testemunha é ele no seguimento da Testemunha Maior, a Testemunha Fiel, Jesus. O sangue dos mártires é aquele cálice que todos, todas, podemos e devemos beber. Sempre e em todas as circunstâncias a memória do martírio é uma memória subversiva.
Trinta anos se passaram daquela Eucaristia plena na capela do “Hospitalito”. Naquele dia nosso santo nos escreveu: “Nós acreditamos na vitória da ressurreição”. E muitas vezes, disse ele, profetizando um tempo novo, “Se me matam ressuscitarei no povo salvadorenho”. E, com todas as ambiguidades da história em processo, nosso São Romero está ressuscitando em El Salvador, em Nossa América, no Mundo.
Este jubileu tem de renovar em todos nós uma esperança, lúcida, crítica, mas invencível. “Tudo é Graça”, tudo é Páscoa, se entrarmos a todo risco no mistério da Ceia partilhada, da Cruz e da Ressurreição.
São Romero nos ensina e nos cobra que vivamos uma espiritualidade integral, uma santidade tão mística quanto política. Na vida diária e nos processos maiores da justiça e da paz, “com os pobres da terra”, na família, na rua, no trabalho, no movimento popular e na pastoral encarnada. Ele nos espera na luta diária contra essa espécie de “mara” monstruosa que é o capitalismo neoliberal, contra o mercado onímodo, contra o consumismo desenfreado. A Campanha da Fraternidade do Brasil, ecumênica este ano, nos recorda a palavra contundente de Jesus: “Vocês não podem servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro”.
Respondendo àqueles que na Sociedade e na Igreja tentavam e tentam desmoralizar a Teologia da Libertação, a caminhada dos pobres em comunidade, esse novo modo de ser Igreja, nosso pastor e mártir replicava: “Há um ‘ateísmo’ mais próximo e mais perigoso para nossa Igreja: o ateísmo do capitalismo quando os bens materiais se erigem em ídolos e substituem a Deus”. (...)
Sempre e cada vez mais, quando maiores sejam os desafios, viveremos a opção pelos pobres, “a esperança contra toda esperança”. No seguimento de Jesus Reino adentro. Nossa coerência será a melhor canonização de “São Romero da América, Pastor e Mártir”

Um comentário:

Jose Armando Vicente disse...

Ir Murad

No ano passado comemoramos o centenário de Dom Hélder Câmara, profeta do Brasil. Esse ano vamos comerar os 30 nos de morte de um grande profeta Latino Amaricano, Dom Oscar. Mais do que um santo, ele foi um profeta no seu tempo. Penso que ele deve continuar inspirando muitos jovens padres e bispos, muitos irmãos e freiras nessa luta por uma Socidade Justa e fraterna.
Um abraço

Jose Armando - FAJE