sábado, 1 de maio de 2010

Gestão e Missão na Vida Religiosa

“Gestão”, tema que desperta interesse crescente em diversos âmbitos da sociedade, começa a encontrar eco também na Vida Religiosa.Define-se Gestão como a habilidade e a arte de liderar pessoas e coordenar processos, a fim de realizar a missão de um grupo estruturado ou organização. A palavra gestão está adquirindo um horizonte de significação mais amplo, a ponto de se tornar termo chave aplicável a distintas realidades. Fala-se então de “gestão do lar”, para lidar com as tarefas domésticas, de “gestão da sala de aula” para o trabalho do(a) professor(a), de “gestão de pessoas” em lugar de “recursos humanos”, de “gestão de marcas”, de “gestão do conhecimento” etc. A palavra se aplica bem, na maioria dos casos. Um professor(a), por exemplo, é um gestor(a) na sala de aula, pois lidera seus alunos e coordena o processo de ensino-aprendizagem.
No ambiente de religiosos(as) há um equívoco de considerar gestão como algo específico de empresas comerciais. Assim, ela visa somente lucro e sucesso, e em contrapartida, desconsidera as pessoas. Ora, qualquer organização, seja ela lucrativa ou não, só realizará sua missão se exercitar os princípios da gestão. A ciência e a prática da gestão se desenvolveram muito nas organizações comerciais (ou lucrativas), mas não são algo específico delas. Trata-se de uma conquista da humanidade. É claro que o modo capitalista de gestão, proveniente dos países do primeiro mundo, trouxe consigo a sua ideologia, que não deve ser aceita ingenuamente. Numa instituição cristã, qualquer modelo de gestão passará pelo crivo de seus valores, sofrerá mudanças e reinterpretações. Essa é condição fundamental para manter o fermento do evangelho nas suas estruturas.

1. Princípios da gestão
O que diferencia uma organização pastoral ou instituição do terceiro setor, da empresa lucrativa? Elas têm em comum uma série de tarefas similares na gestão. Mas, “somente a empresa comercial tem o desempenho econômico como missão específica” (Peter Drucker).
Os princípios de gestão profissional servem para qualquer organização, seja ela de finalidade religiosa, social, ambiental, ou de todas reunidas. A partir de Peter Drucker, apresentamos os princípios essenciais da gestão de organizações em sete pontos:

1. A gestão trata dos seres humanos. Sua tarefa é capacitar as pessoas a atuar em conjunto, efetivar suas forças e reduzir suas fraquezas. A gestão é um fator crítico e determinante na sociedade moderna, pois a grande parte das pessoas trabalha em instituições e dependem dela para sobreviver e contribuir com a sociedade.
2. A gestão está inserida na cultura, pois ela trata da integração das pessoas em um empreendimento comum. Os gestores fazem a mesma coisa, em qualquer parte do mundo, mas o como pode ser bem diferente. Seu sucesso está condicionado a descobrir e identificar os elementos das tradições, da história e da cultura do lugar onde atuam e utilizá-los como elementos constitutivos da própria gestão.
3. Toda organização requer compromisso com metas comuns e valores compartilhados, de forma a ter objetivos simples, claros e unificantes; e metas conhecidas pela população, que são constantemente reafirmadas. A primeira tarefa da gestão é pensar, estabelecer e exemplificar esses objetivos, valores e metas.
4. A gestão capacita a organização e cada um de seus componentes a crescer e a se desenvolver à medida que mudem as necessidades e oportunidades. Toda organização é uma instituição de aprendizado e de ensino. Daí a importância de treinamento e desenvolvimento em todos os níveis.
5. A instituição está ancorada na comunicação e na responsabilidade individual. Para executar bem seu trabalho, todos os seus componentes consideram e comunicam com clareza aquilo que oferecem aos outros e aquilo que recebem deles. E cada assume aquilo que lhe diz respeito, colaborando com todos.
6. Como um ser humano, a organização necessita de diversos indicadores para avaliar sua saúde e desempenho. Para as empresas, por exemplo, valem os indicadores de posição no mercado, inovação, produtividade, desenvolvimento do pessoal, qualidade e resultados financeiros. As instituições não lucrativas e religiosas também criam instrumentos para medir as questões específicas de sua missão. Assim, o desempenho está entranhado em qualquer organização e na sua gestão. Deve ser medido, julgado e continuamente melhorado.
7. O resultado de uma instituição é exterior a ela, está no seu público-alvo ou destinatários. Assim, o resultado de uma empresa é um cliente satisfeito, de um hospital é o paciente curado, de uma escola é o aluno que aprendeu algo que usará no correr da vida, e da pastoral social é o cristão atuando na transformação da sociedade.

As palavras-chave dos princípios essenciais da gestão seriam então: capacitação de pessoas para atuarem em conjunto, inserção na cultura, compromisso com metas e valores compartilhados, aprendizado constante, comunicação e responsabilidade, critérios de desempenho, resultado focado em seu destinatário.
Portanto, gestão profissional é muito mais do que administrar, tomar conta do dinheiro, ou zelar do patrimônio. Consiste no meio eficaz de conduzir as organizações, para que elas realizem sua missão. A gestão leva em conta as pessoas, a finalidade da instituição e seus valores, os processos internos, o que a organização oferece aos seus interlocutores ou clientes, a relação com a sociedade, bem como a necessidade de sobrevivência e continuidade (viabilidade econômico-financeira). Então, qual o lugar que a gestão profissional tem na Vida Religiosa e nas instituições por ela mantidas?

2. Gestão nas instituições de religiosos(as)
A gestão não é algo determinante na identidade dos consagrados(as), nem no discernimento em vista da missão. Não consiste em instância de salvação para a Vida Religiosa. Ao contrário, pode levá-la à asfixia espiritual. A prioridade reside no carisma e na espiritualidade. Inverter essa ordem seria desastroso para a liberdade espiritual dos seguidores de Jesus. A Vida Religiosa é bem mais do que as instituições e organizações que ela eventualmente mantém, como escolas, hospitais, mídias, gráficas, paróquias e iniciativas sociais. Há que se evitar equívocos, como por exemplo, substituir a opção pelos pobres (profetismo e carisma) por gestão da filantropia. A primeira é muito mais do que a segunda.
A gestão ganha importância no momento em que se faz a ponte entre o desejo e a realização, a proposta da missão e sua efetivação. Quanto mais desafiadora e complexa uma situação, mais será necessário liderar, organizar, empreender, planejar, executar, avaliar e aprender. Para isso, é necessário desenvolver habilidades (saber fazer) e conhecimentos apropriados. Seu lugar é irrenunciável como instrumento para alcançar resultados efetivos. Pois, como lembrava São Tiago, a fé sem ação é morta.
É comum ouvir de conselheiros provinciais, que também são membros da diretoria de mantenedoras, a expressão: “Eu não entendo nada disso”, quando tratam de assuntos de gestão organizacional. Diante de sérias decisões a tomar, limitam-se a acompanham o parecer do ecônomo(a), ou de sua assessoria leiga, sem questionar ou enriquecer a reflexão. E ainda arrematam: “Não é a minha área. Confio plenamente em vocês”. Essa é uma forma de se eximir da responsabilidade que lhes foi delegada. Mesmo que a pessoa não tenha formação básica em gestão, deve-se munir de instrumentos mínimos que lhe dêem condição de desempenhar sua tarefa com propriedade, pelo tempo que lhe foi confiada.
O(a) provincial e seu conselho têm como primeira tarefa animar e governar a vida religiosa. Mas, se a congregação fez a opção de conduzir obras (instituições formais de prestação de serviços), as pessoas que compõem a equipe de animação e governo também devem aprender a ser gestoras. Evidentemente, aquelas que desempenham cargos diretivos na mantenedora (instância civil) necessitam maior preparação do que seus parceiros(as) no conselho provincial que estão empenhados em outras áreas, como a formação inicial dos consagrados, a evangelização nas comunidades eclesiais, a inserção nos meios populares, ou a animação de uma pequena iniciativa. Todos precisam desenvolver as habilidades mínimas de pensar a província ou a congregação em termos complexos de desempenho, submetendo-os ao crivo crítico e construtivo do carisma. Só quem conhece bem uma questão, sob muitos ângulos, toma decisões acertadas, iluminadas pela fé. Sem este suporte, a boa intenção pode conduzir a opções equivocadas.

As congregações precisam formar seus quadros dirigentes também na perspectiva da gestão. Mas há perguntas vitais que acompanham esta opção: que modelo de gestão irão adotar? A gestão está a serviço de qual projeto de Igreja e de sociedade? Ela visa simplesmente manter e desenvolver o que já existe ou dará as condições para realizar novos sonhos?
Na equipe de animação e governo de determinada congregação há perfis e formações profissionais distintas, mas compete a todos(as) a dupla missão de animação religiosa e de coordenação organizacional. Ao provincial e seu conselho cabe ser simultaneamente pastores(as) e gestores(as). A imagem também se aplica às pessoas que animam processos de evangelização. Ser pastor(a) é cuidar das pessoas, fazer um itinerário de fé junto com elas e abrir-lhes novas perspectivas para viver. Ser gestor(a) significa coordenar processos de forma organizada, ter resultados mensuráveis a alcançar e zelar pela viabilidade da iniciativa.

3. Gestão e carisma
Vamos resumir algumas convicções sobre este polêmico tema, que envolve a relação do carisma com as chamadas “obras” tradicionais.
a) Os religiosos(as) e suas instituições encontram a razão de ser na missão, no carisma e na espiritualidade. Foram fundadas para responder a apelos suscitados pelo Espírito, captados e interpretados pelos fundadores. Seus membros e colaboradores se propõem a viver o seguimento de Jesus de uma maneira própria, servir à Igreja na evangelização e na promoção da vida, em toda a sua extensão. A fidelidade à sua identidade exige tanto um olhar para trás, baseando-se nos seus fundamentos e sua identidade originante, como para frente, atualizando a missão e reinterpretando o carisma e espiritualidade. Olhar de memória, companhia e profecia, com os pés no chão, continuando o movimento inaugurado por seu mestre e Senhor, com a dinâmica da encarnação. Encarnar-se é aceitar as belezas e as contingências da história humana, experimentar no presente a promessa, viver da esperança, semear a eternidade na realidade humana.
b) Os consagrados, em distintas famílias religiosas, configuraram historicamente sua missão através de instituições formais, denominada como obras. Algumas, desde o começo, destinaram-se aos pobres, tais como creches, asilos, casas-lares. Outros, embora tenham nascido com destinação preferencial para os mais necessitados, lentamente se voltaram para as elites. Como comportavam uma prestação de serviços com remuneração, foram forçadas, na sociedade moderna, a se organizarem de forma empresarial, especialmente para enfrentar a crescente concorrência. As obras são uma forma histórica de concretização do carisma, e não o carisma mesmo.
c) Nos últimos 30 anos, as comunidades religiosas inseridas e outras novas formas de presença e atuação dos consagrados(as) mostraram que a missão se realiza de múltiplas formas, de acordo com os sinais dos tempos. Muitas congregações redescobriram seu carisma e sua espiritualidade quando abandonaram as obras tradicionais, simplificaram o estilo de vida, reduziram as estruturas e favoreceram novas presenças junto aos pobres e necessitados. Compete a cada instituto discernir se vale a pena continuar com suas obras e que orientação dará a elas. Essa é uma questão que antecede a gestão profissional, pois diz respeito ao discernimento em vista da fidelidade à missão. Aqui se joga um dos elementos decisivos para o presente e o futuro da vida religiosa.
c) Se uma congregação opta por manter e ampliar suas iniciativas de prestação de serviços, como escolas e universidades privadas, hospitais, gráficas, editoras, deve se organizar de forma profissional. Desenvolver a competência da gestão se torna então uma necessidade ineludível. Mas ela vai acompanhada da espiritualidade e dos valores da congregação, para manter sua alma, identidade e finalidade última. Se o modelo de organização empresarial contamina o interior da Vida Religiosa, suas motivações, o estilo de viver e conviver, corrói na base a identidade dos consagrados.
d) Dependendo da complexidade e do tamanho das iniciativas, trata-se de adotar os princípios de gestão empresarial, colocando limites. E sobretudo, criticá-los construtivamente à luz do seguimento de Jesus e da opção preferencial pelos pobres. Isso significará necessariamente a constituição de organizações renovadas, que simultaneamente cultivam a competência profissional, a cultura da solidariedade, a consciência ambiental e planetária.
e) A grande parte das congregações religiosas nasceu para responder a uma necessidade gritante de seu tempo. Os fundadores tinham um olhar privilegiado para os pobres e os necessitados. O mundo contemporâneo pede iniciativas organizadas pela sociedade civil, visando à superação da pobreza, da marginalidade, da exclusão social, e da destruição dos ecossistemas. Aumenta a consciência de que a globalização dos mercados sem a globalização da solidariedade levará o mundo ao caos. Há uma tendência generalizada de crescimento do terceiro setor, ou seja, das iniciativas privadas com finalidade social, atuando em parceria com os órgãos governamentais, empresas e ONGs. Os religiosos(as) têm em sua origem a opção preferencial pelos pobres. Na sua história recente, devido à teologia da libertação e as comunidades inseridas nos meios populares empenharam-se nas lutas das mulheres, dos negros, dos índios, dos direitos das crianças e dos adolescentes. De forma compartilhada, iniciaram uma metodologia original de atuar junto aos setores populares, favorecendo seu protagonismo. Desenvolveram então um conhecimento aplicado original sobre o mundo dos pobres. Este fato de estar afetiva e efetivamente “nas fronteiras da sociedade” dá aos grupos cristãos condições ímpares de serem novamente pioneiros no terceiro setor. Para alcançar tal escopo, não basta somente boa vontade.

É necessário aplicar e reinterpretar os princípios de gestão e especialmente, focar em resultados.Um grande desafio da Vida Religiosa no presente e no futuro será desenvolver a habilidade de gestão, nos mais diversos âmbitos, em sintonia com os valores e o espírito profético e místico que a anima.

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