O Dia Internacional da Mulher, celebrado a 8 de março, sempre suscita uma série de homenagens em forma de textos, reflexões, clipes, imagens etc. A Igreja Católica se soma a esse coro sempre, mas discretamente. Neste ano, porém, temos um fato novo. O Papa Bento XVI, após anunciar sua renúncia e celebrando a missa da Quarta feira de Cinzas, citou como exemplo da conversão à qual o Povo de Deus é convidado no início da Quaresma duas mulheres: a jovem judia holandesa Etty Hillesum e a católica estadunidense Dorothy Day.
Duas biografias diferentes, dois perfis bem diversos. Mas, no fundo, quantos e quão importantes traços em comum. Um desejo radical e profundo as fez buscar em pessoas, ideologias e experiências várias a fonte onde pudessem saciar sua sede. Pois enquanto Etty era uma jovem mulher extremamente sensual, com vários namorados, outros tantos admiradores e uma grande cultura e paixão pela literatura, Dorothy também se apaixonou, amou e foi amada, mas antes foi usada e abandonada. Também amava a literatura e era uma voraz leitora. Ambas, cada uma em seu momento, foram fascinadas pelo socialismo, chegando Dorothy a ser membro do Partido Comunista.
Ambas encontram a Deus por uma mediação humana. Para Etty, foi Julius Spier,o psicólogo
discípulo de Jung, que lhe deu coragem para rezar e dirigir-se a Deus. Para
Dorothy, foi a filha Tamar Therese, gerada após um aborto que ela acreditava
havê-la tornado estéril para sempre.
Ávidas de verdade, de absoluto, de sentido para suas vidas, ambas não
hesitaram em mergulhar de cabeça nos braços desse Deus que lhes revelou Seu
rosto amoroso e sedutor. Etty recebeu graças e viveu experiências comparáveis
às dos maiores místicos de toda a história da espiritualidade. Dorothy fez um
percurso cada vez mais radical na vivência do Evangelho de Jesus Cristo na sua
integridade mais plena.
A conversão e a experiência de Deus deram seu fruto em ambas
através de compromissos concretos. Para
Etty, o amor de Deus que transformou sua vida passou a ter o rosto de seu povo
perseguido, dizimado e exterminado em pleno holocausto nazista. Sua maturidade espiritual chega juntamente
com o desejo e a decisão de partilhar o destino massivo e coletivo do povo
judeu triturado pelo nazismo. Recusa
toda a possibilidade de evadir-se e escapar e vai para Auschwitz, onde morre
nas câmaras de gás em agosto de 1943, aos 29 anos. Para Dorothy, a conversão a Deus passa pela conversão aos pobres. É em meio a estes e estas que a jornalista liberal e namoradeira vai sentir-se em casa, que descobrirá a verdadeira beleza. É deles e delas que fará a prioridade número um de sua vida longa, de 80 anos. O amor pelos pobres, inspirado pelo Evangelho de Jesus, levou Dorothy a identificar-se totalmente com os pobres, que em seu país e em seu tempo eram os migrantes, os desempregados da grande depressão dos anos 1930. E mais tarde os soldados recrutados à força para participar de guerras injustas como a do Vietnam entre outras. Vestida com a roupa doada aos indigentes, comendo como eles, Dorothy morreu em meio a eles, totalmente irmanada aos que são os preferidos de Deus segundo Jesus Cristo.
Propondo o exemplo dessas duas mulheres aos cristãos do
mundo inteiro no umbral da Quaresma, Bento XVI mencionou sua conversão. Etty
Hillesum, insatisfeita e sedenta de verdade, por fim descobriu dentro de si o
poço profundo no qual estava Deus. Daí
em diante a história de sua vida foi outra e outro seu destino. Dorothy Day,
primeiro seduzida pelas ideologias de seu tempo, terminou por escolher a
verdade e abrir-se à fé. Trilhou fielmente esse caminho em plena secularidade e
em profunda comunhão com os pobres e os últimos deste mundo. Aí e somente aí
encontrou a paz e a alegria que tanto buscara.
Neste Dia Internacional da mulher vale relembrar as duas
mulheres que o Papa - que recém deixou a Sé de Pedro - valorizou como exemplos
do que seja a metanoia que a Quaresma propõe. Para além das pertenças
institucionais e eclesiásticas, a judia Etty Hillesum e a católica Dorothy Day
nos sinalizam o que é ser mulher: ser aberta, habitada por um desejo profundo,
disposta a abraçar maternalmente todas as dores do mundo para redimi-las com
seu corpo e sua vida. Duas mulheres livres e inspiradoras, essas que Bento XVI
nos deixa como presente ao despedir-se do pontificado.
Maria Clara L. Bingemer
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