Quando eu era criança, gostava de sentar num pequeno banco de madeira que havia no terraço da minha casa. Diferentemente das cadeiras, esse tinha somente três pernas. E ali brincava, imaginava muitas coisas e tentava me equilibrar sobre suas bases. Esse banquinho me faz lembrar dos três componentes básicos da gestão, úteis para a evangelização: missão, valores e visão.
A missão é a razão de ser de qualquer organização. Esta palavra se originou do horizonte religioso e hoje foi apropriada pelas empresas. A missão da Igreja no Brasil está formulada no chamado “Objetivo Geral” das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja, aprovado pela Assembléia dos nossos Bispos a cada três. É importante que ele seja conhecido e encarnado na realidade local de cada diocese, paróquia, pastoral ou movimento. A missão da Igreja traduz algo real, com a qual os cristãos se identificam e são capazes até de dar a vida. Isso nos diferencia de outras organizações que criam uma frase de impacto para sua missão, mas que não corresponde à suas ações. Certa vez, comprei uma passagem de ônibus numa empresa cujo “quadro de missão” anunciava: oferecer aos passageiros conforto, pontualidade e segurança na sua viagem. No entanto, fizemos o percurso num ônibus velho e barulhento, que chegou com mais de meia hora de atraso. Então, a missão deve ser conhecida e traduzida em práticas reais e verdadeiras.
A segunda perna do banco se chama valores compartilhados ou príncipios. Tão importante quanto saber porque uma organização existe (sua missão), é fundamental perceber como ela atua. Ou seja, as atitudes e posturas que são cultivadas pelas pessoas e pelos grupos, até o ponto de se tornar um hábito adquirido. Na comunidade eclesial, estes valores não estão escritos, mas são vividos e cultivados. Por exemplo: respeito aos outros, bondade, honestidade, generosidade, dedicação, gratuidade, participação.... Certa vez, colaborei no processo de preparação de uma assembléia diocesana e fizemos o exercício de priorizar sete valores compartilhados que caracterizariam o rosto daquela diocese. A discussão foi acirrada, porque revelou determinadas preferências que até então estavam implícitas. Ao assumir “gestão participativa” como um valor, isso levou a repensar a forma de atuação dos padres e das lideranças leigas. Os valores compartilhados se transformam também em matéria para o exame de consciência, estimulando a conversão das pessoas e a criação de estruturas correspondentes.
O último componente do nosso banquinho se chama visão de futuro. O mundo está mudando rapidamente. As conquistas do passado já não garantem a continuidade. Basta ver a crise pela qual estão passando tradicionais instituições católicas, como escolas e hospitais. A Igreja, como uma organização situada na história, necessita conhecer e interpretar os Sinais dos Tempos, para perceber os apelos de Deus neles. Ter visão de futuro significa se perguntar, como honestidade e humildade: o que queremos ser para a sociedade, num prazo relativamente longo, de 5 ou 10 anos? Qual será nossa face, nosso perfil? A que desafios atuais responderemos? A visão de futuro impulsiona a Igreja a estabelecer metas e traçar objetivos a serem alcançadas. Visão de futuro é um sonho que pode se realizar. Somente quem sonha, ousa. As conferências do Episcopado Latino Americano, sobretudo Medellín, Puebla e Aparecida, forma excelentes oportunidades para a Igreja do nosso continente rever sua atuação e estabelecer uma visão de futuro. A nível local, isso acontece nos momentos de discernimento e planejamento. Importa estar conectado com a Palavra de Deus e a realidade. Fazer ponte entre a Tradição eclesial e a necessária inovação, que o Espírito de Deus suscita. Pois Ele, em nós, “faz novas todas as coisas”.
Missão, valores e visão de futuro não são simplesmente palavrinhas mágicas que a Igreja copia das organizações de sucesso. Trata-se de componentes básicos para a gestão eclesial, animados pela fé, encharcados pela esperança e movidos pelo amor.
domingo, 29 de março de 2009
quinta-feira, 19 de março de 2009
Ecologia e fé cristã
Neste semestre, estou fazendo uma experiência nova, como professor e agente de pastoral. Trabalho simultaneamente com duas turmas de alunos de pós-graduação em teologia, com a disciplina "Ecologia e Fé Cristã". A primeira, na Faculdade Jesuíta, em Belo Horizonte. A segunda, no ITESP, em São Paulo.
Para mim, trata-se não somente de uma atividade acadêmica ou profissional, mas também de atuar em vista da defesa de uma causa fundamental para a humanidade e o cristianismo. Proponho-me a fazer uma ponte entre os saberes da ecologia e da teologia.
E para colocar os próprios alunos em contato uns com os outros e somar na rede de comunicação via internet, criei o blog "Ecologia e fé cristã".
http://ecologiaefe.blogspot.com/
Visite o blog, acesse os artigos e dê sua opinião.
sexta-feira, 6 de março de 2009
Casaldaliga: refazer os sonhos
Dom Pedro Casaldáliga, ex-bispo da prelazia de São Felix, no Mato Grosso, é um símbolo vivo das pessoas que sonham e se empenham por uma Igreja- comunidade e uma sociedade inclusiva e sustentável. Eu o conheci, faz muitos anos, em Goiânia e o tenho como uma pessoa de referência. Pequeno e frágil fisicamente, Dom Pedro surpreende sempre, ao conjugar a lucidez do profeta com a ternura do poeta, a militância política com a mística. Recentemente, ele respondeu a uma declaração do Cardeal Martini, ex-arcebispo de Milão, homem respeitado em todo o mundo pela sua postura de diálogo e renovação. Martini dizia, decepcionado: “Antes eu sonhava com uma Igreja que percorre seu caminho na pobreza e na humildade, que não depende dos poderes deste mundo; na qual se extirpasse de raiz a desconfiança; que desse espaço às pessoas que pensem com mais amplidão; que desse ânimos, especialmente, àqueles que se sentem pequenos o pecadores. Sonhava com uma Igreja jovem. Hoje não tenho mais esses sonhos”.
Selecionei para você, caro amigo(a), alguns trechos da carta de Casaldáliga. Vale ler e divulgar.
Esta afirmação categórica de Martini não pode ser uma declaração de fracasso, de decepção eclesial, de renúncia à utopia. Martini continua sonhando nada menos que com o Reino, que é a utopia das utopias, um sonho do próprio Deus. Ele e milhões de pessoas na Igreja sonhamos com a «outra Igreja possível», ao serviço do «outro Mundo possível».
Tanto na Igreja (na Igreja de Jesus que são várias Igrejas) como na Sociedade (que são vários povos, várias culturas, vários processos históricos) hoje mais do que nunca devemos radicalizar na procura da justiça e da paz, da dignidade humana e da igualdade na alteridade, do verdadeiro progresso dentro da ecologia profunda. E, como diz Bobbio, «é preciso instalar a liberdade no coração mesmo da igualdade»; hoje com uma visão e uma ação estritamente mundiais. É a outra globalização, a que reivindicam nossos pensadores, nossos militantes, nossos mártires, nossos famintos...
Poucos dias antes da clausura do Concílio Vaticano II, 40 Padres Conciliares celebraram a Eucaristia nas catacumbas romanas de Domitila, e firmaram o Pacto das Catacumbas. Dom Hélder Câmara era um dos principais animadores do grupo profético. O Pacto em seus 13 pontos insiste na pobreza evangélica da Igreja, sem títulos honoríficos, sem privilégios e sem ostentações mundanas; insiste na colegialidade e na corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus e na abertura ao mundo e na acolhida fraterna.
Hoje, nós, na convulsa conjuntura atual, professamos a vigência de muitos sonhos, sociais, políticos, eclesiais, aos quais de jeito nenhum modo podemos renunciar. Seguimos rechaçando o capitalismo neoliberal, o neoimperialismo do dinheiro e das armas, uma economia de mercado e de consumismo que sepulta na pobreza e na fome a uma grande maioria da Humanidade. E seguiremos rechaçando toda discriminação por motivos de gênero, de cultura, de raça. Exigimos a transformação substancial dos organismos mundiais (a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC...). Comprometemo-nos a vivermos uma «ecologia profunda e integral», propiciando uma política agrária-agrícola alternativa à política depredadora do latifúndio, da monocultura, do agrotóxico. Participaremos nas transformações sociais, políticas e econômicas, para uma democracia de «alta intensidade».
Como Igreja queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica e macroecumênica também. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. (..) O diálogo interreligioso não somente é possível, é necessário. Faremos da corresponsabilidade eclesial a expressão legítima de uma fé adulta. Exigiremos, corrigindo séculos de descriminação, a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja. Estimularemos a liberdade e o serviço reconhecido de nossos teólogos e teólogas. A Igreja será uma rede de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testemunhas da Boa Nova: uma Boa Nova de vida, de liberdade, de comunhão feliz. Uma Boa Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade.
A Igreja se comprometerá, sem medo, sem evasões, com as grandes causas de justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos. Será profecia de anuncio, de denúncia, de consolação. A política vivida por todos os cristãos e cristãs será aquela «expressão mais alta do amor fraterno» (Pio XI).
Nós nos negamos a renunciar a estes sonhos mesmo quando possam parecer quimera. «Ainda cantamos, ainda sonhamos». Nós nos atemos à palavra de Jesus: «Fogo vim trazer à Terra; e que mais posso querer senão que arda» (Lc 12,49). Com humildade e coragem, no seguimento de Jesus, tentaremos viver estes sonhos no dia a dia de nossas vidas. Seguirá havendo crises e a Humanidade, com suas religiões e suas Igrejas, seguirá sendo santa e pecadora. Mas não faltarão as campanhas universais de solidariedade, os Foros Sociais, as Vias Campesinas, os movimentos populares, as conquistas dos Sem Terra, os pactos ecológicos, os caminhos alternativos da Nossa América, as Comunidades Eclesiais de Base, os processos de reconciliação entre o Shalom e o Salam, as vitórias indígenas e afro y, em todo o caso, mais uma vez e sempre, «eu me atenho ao dito: a Esperança».
Cada um e cada uma a quem possa chegar esta circular fraterna, em comunhão de fé religiosa ou de paixão humana, receba um abraço do tamanho destes sonhos. Os velhos ainda temos visões, diz a Bíblia (Jl 3,1) (..) Seguimos Reino adentro.
Selecionei para você, caro amigo(a), alguns trechos da carta de Casaldáliga. Vale ler e divulgar.
Esta afirmação categórica de Martini não pode ser uma declaração de fracasso, de decepção eclesial, de renúncia à utopia. Martini continua sonhando nada menos que com o Reino, que é a utopia das utopias, um sonho do próprio Deus. Ele e milhões de pessoas na Igreja sonhamos com a «outra Igreja possível», ao serviço do «outro Mundo possível».
Tanto na Igreja (na Igreja de Jesus que são várias Igrejas) como na Sociedade (que são vários povos, várias culturas, vários processos históricos) hoje mais do que nunca devemos radicalizar na procura da justiça e da paz, da dignidade humana e da igualdade na alteridade, do verdadeiro progresso dentro da ecologia profunda. E, como diz Bobbio, «é preciso instalar a liberdade no coração mesmo da igualdade»; hoje com uma visão e uma ação estritamente mundiais. É a outra globalização, a que reivindicam nossos pensadores, nossos militantes, nossos mártires, nossos famintos...
Poucos dias antes da clausura do Concílio Vaticano II, 40 Padres Conciliares celebraram a Eucaristia nas catacumbas romanas de Domitila, e firmaram o Pacto das Catacumbas. Dom Hélder Câmara era um dos principais animadores do grupo profético. O Pacto em seus 13 pontos insiste na pobreza evangélica da Igreja, sem títulos honoríficos, sem privilégios e sem ostentações mundanas; insiste na colegialidade e na corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus e na abertura ao mundo e na acolhida fraterna.
Hoje, nós, na convulsa conjuntura atual, professamos a vigência de muitos sonhos, sociais, políticos, eclesiais, aos quais de jeito nenhum modo podemos renunciar. Seguimos rechaçando o capitalismo neoliberal, o neoimperialismo do dinheiro e das armas, uma economia de mercado e de consumismo que sepulta na pobreza e na fome a uma grande maioria da Humanidade. E seguiremos rechaçando toda discriminação por motivos de gênero, de cultura, de raça. Exigimos a transformação substancial dos organismos mundiais (a ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC...). Comprometemo-nos a vivermos uma «ecologia profunda e integral», propiciando uma política agrária-agrícola alternativa à política depredadora do latifúndio, da monocultura, do agrotóxico. Participaremos nas transformações sociais, políticas e econômicas, para uma democracia de «alta intensidade».
Como Igreja queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica e macroecumênica também. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. (..) O diálogo interreligioso não somente é possível, é necessário. Faremos da corresponsabilidade eclesial a expressão legítima de uma fé adulta. Exigiremos, corrigindo séculos de descriminação, a plena igualdade da mulher na vida e nos ministérios da Igreja. Estimularemos a liberdade e o serviço reconhecido de nossos teólogos e teólogas. A Igreja será uma rede de comunidades orantes, servidoras, proféticas, testemunhas da Boa Nova: uma Boa Nova de vida, de liberdade, de comunhão feliz. Uma Boa Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade.
A Igreja se comprometerá, sem medo, sem evasões, com as grandes causas de justiça e da paz, dos direitos humanos e da igualdade reconhecida de todos os povos. Será profecia de anuncio, de denúncia, de consolação. A política vivida por todos os cristãos e cristãs será aquela «expressão mais alta do amor fraterno» (Pio XI).
Nós nos negamos a renunciar a estes sonhos mesmo quando possam parecer quimera. «Ainda cantamos, ainda sonhamos». Nós nos atemos à palavra de Jesus: «Fogo vim trazer à Terra; e que mais posso querer senão que arda» (Lc 12,49). Com humildade e coragem, no seguimento de Jesus, tentaremos viver estes sonhos no dia a dia de nossas vidas. Seguirá havendo crises e a Humanidade, com suas religiões e suas Igrejas, seguirá sendo santa e pecadora. Mas não faltarão as campanhas universais de solidariedade, os Foros Sociais, as Vias Campesinas, os movimentos populares, as conquistas dos Sem Terra, os pactos ecológicos, os caminhos alternativos da Nossa América, as Comunidades Eclesiais de Base, os processos de reconciliação entre o Shalom e o Salam, as vitórias indígenas e afro y, em todo o caso, mais uma vez e sempre, «eu me atenho ao dito: a Esperança».
Cada um e cada uma a quem possa chegar esta circular fraterna, em comunhão de fé religiosa ou de paixão humana, receba um abraço do tamanho destes sonhos. Os velhos ainda temos visões, diz a Bíblia (Jl 3,1) (..) Seguimos Reino adentro.
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