sábado, 22 de agosto de 2009
sábado, 15 de agosto de 2009
Beco sem saída
Transcrevo artigo de Drauzio Varella publicado na Folha de São Paulo, com o qual me identifiquei. Queria falar a respeito da gravidade da crise ética no nosso país, a partir da corrupção generalizada e da impunidade do congresso e do senado. Draúzio falou por mim...
Os últimos acontecimentos de Brasília foram tão desconcertantes e chocaram a nação de tal forma, que ignorá-los seria omissão. No trato da administração pública, chegamos a níveis de desfaçatez e de imoralidade assumida incompatíveis com os princípios éticos mais elementares. Para os que ganham a vida com o suor do próprio rosto, é revoltante tomar consciência de que parte dos impostos recolhidos ao comprar um quilo de feijão é esbanjada, malversada ou simplesmente desapropriada pela corja de aproveitadores instalada há décadas na cúpula da hierarquia do poder.Mais chocante, ainda, é a certeza de que os crimes cometidos por eles e seus asseclas ficarão impunes, por mais graves que sejam. Do brasileiro iletrado ao mais culto, todos nós temos consciência de que o rigor de nossas leis pune apenas os mais fracos. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico parar na cadeia, diz o povo, com toda razão.
Uma noite, na antiga Casa de Detenção de São Paulo, ao fazer a distribuição de um gibi educativo sobre Aids, perguntei, à porta de um xadrez trancado, quantos estavam ali. Um rapaz de gorrinho de lã, curvado junto à pequena abertura da porta, respondeu que eram 17. Diante de minha surpresa por caberem tantos em espaço tão exíguo, começou a reclamar das condições em que viviam. Às tantas, apontou para a TV casualmente ligada no horário político, no fundo da cela, no qual discursava um candidato:-Olha aí, senhor, dizem que esse homem levou 450 milhões de dólares. Se somar o que todos nós roubamos a vida inteira, os 7.000 presos da cadeia, não chega a 10% disso.
Essa realidade, que privilegia a impostura e perdoa antecipadamente os deslizes cometidos pelos que deveriam dar exemplo de patriotismo e de respeito às instituições, serve de pretexto para comportamentos predatórios (se eles se locupletam, por que não eu?), gera descrédito na democracia e, muito mais grave, a impressão distorcida de que todo político é mentiroso e ladrão. Considerar que a classe inteira é formada por pessoas desonestas tem duas consequências trágicas: votar nos que "roubam, mas fazem" e afastar da política cidadãos que poderiam contribuir para o bem-estar da sociedade.
De que adianta documentar os crimes se os criminosos ficarão impunes e retornarão nas próximas eleições ungidos pela soberania do voto popular? Como renovar a classe política num país em que quase dois terços da população não têm acesso à informação escrita, em que empresários financiam campanhas de indivíduos inescrupulosos, comprometidos apenas com os interesses de quem lhes deu dinheiro, e no qual as mulheres e os homens de bem se negam a disputar cargos eletivos, porque não querem ser confundidos com gente que não presta? É evidente que os políticos brasileiros não são os únicos responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram. Antes de tudo, porque muitos são honestos e bem-intencionados; depois, porque o clientelismo que os cerca é uma praga que nos aflige desde os tempos coloniais. Os que se aproximam dos políticos para pedir empregos públicos, nomeações para cargos estratégicos, favores em negócios com o governo ou para oferecer-lhes suborno, por acaso são mais dignos?
Esse é o beco sem saída em que nos encontramos: os partidos aceitam a candidatura de indivíduos desclassificados, os empresários financiam-lhes a campanha (muitas vezes com os assim chamados recursos não declaráveis), o eleitor vota neles porque "não faz diferença, já que todos são ladrões" ou porque podem conceder-lhe alguma vantagem pessoal, a Justiça não consegue nem sequer afastar do serviço público os que são flagrados com as mãos no cofre e, para completar a equação, as pessoas de bem querem distância da política.
A esperança está na prática da democracia. Se a Justiça não pune os que se apropriam dos bens públicos, a liberdade de imprensa é a arma que nos resta, a única que ainda os assusta.
(Charge da Internet)
Os últimos acontecimentos de Brasília foram tão desconcertantes e chocaram a nação de tal forma, que ignorá-los seria omissão. No trato da administração pública, chegamos a níveis de desfaçatez e de imoralidade assumida incompatíveis com os princípios éticos mais elementares. Para os que ganham a vida com o suor do próprio rosto, é revoltante tomar consciência de que parte dos impostos recolhidos ao comprar um quilo de feijão é esbanjada, malversada ou simplesmente desapropriada pela corja de aproveitadores instalada há décadas na cúpula da hierarquia do poder.Mais chocante, ainda, é a certeza de que os crimes cometidos por eles e seus asseclas ficarão impunes, por mais graves que sejam. Do brasileiro iletrado ao mais culto, todos nós temos consciência de que o rigor de nossas leis pune apenas os mais fracos. É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico parar na cadeia, diz o povo, com toda razão.
Uma noite, na antiga Casa de Detenção de São Paulo, ao fazer a distribuição de um gibi educativo sobre Aids, perguntei, à porta de um xadrez trancado, quantos estavam ali. Um rapaz de gorrinho de lã, curvado junto à pequena abertura da porta, respondeu que eram 17. Diante de minha surpresa por caberem tantos em espaço tão exíguo, começou a reclamar das condições em que viviam. Às tantas, apontou para a TV casualmente ligada no horário político, no fundo da cela, no qual discursava um candidato:-Olha aí, senhor, dizem que esse homem levou 450 milhões de dólares. Se somar o que todos nós roubamos a vida inteira, os 7.000 presos da cadeia, não chega a 10% disso.
Essa realidade, que privilegia a impostura e perdoa antecipadamente os deslizes cometidos pelos que deveriam dar exemplo de patriotismo e de respeito às instituições, serve de pretexto para comportamentos predatórios (se eles se locupletam, por que não eu?), gera descrédito na democracia e, muito mais grave, a impressão distorcida de que todo político é mentiroso e ladrão. Considerar que a classe inteira é formada por pessoas desonestas tem duas consequências trágicas: votar nos que "roubam, mas fazem" e afastar da política cidadãos que poderiam contribuir para o bem-estar da sociedade.
De que adianta documentar os crimes se os criminosos ficarão impunes e retornarão nas próximas eleições ungidos pela soberania do voto popular? Como renovar a classe política num país em que quase dois terços da população não têm acesso à informação escrita, em que empresários financiam campanhas de indivíduos inescrupulosos, comprometidos apenas com os interesses de quem lhes deu dinheiro, e no qual as mulheres e os homens de bem se negam a disputar cargos eletivos, porque não querem ser confundidos com gente que não presta? É evidente que os políticos brasileiros não são os únicos responsáveis pelo estado a que as coisas chegaram. Antes de tudo, porque muitos são honestos e bem-intencionados; depois, porque o clientelismo que os cerca é uma praga que nos aflige desde os tempos coloniais. Os que se aproximam dos políticos para pedir empregos públicos, nomeações para cargos estratégicos, favores em negócios com o governo ou para oferecer-lhes suborno, por acaso são mais dignos?
Esse é o beco sem saída em que nos encontramos: os partidos aceitam a candidatura de indivíduos desclassificados, os empresários financiam-lhes a campanha (muitas vezes com os assim chamados recursos não declaráveis), o eleitor vota neles porque "não faz diferença, já que todos são ladrões" ou porque podem conceder-lhe alguma vantagem pessoal, a Justiça não consegue nem sequer afastar do serviço público os que são flagrados com as mãos no cofre e, para completar a equação, as pessoas de bem querem distância da política.
A esperança está na prática da democracia. Se a Justiça não pune os que se apropriam dos bens públicos, a liberdade de imprensa é a arma que nos resta, a única que ainda os assusta.
(Charge da Internet)
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Memórias do Líbano (1)
Fui convidado por Dom Edgar, bispo maronita do Brasil, a participar do programa "Memórias do Líbano", na TV Canção Nova. No primeiro programa, falamos sobre os diferentes sentidos que a festa da Transfiguração assume no rito maronita e no rito latino. Aprendi coisas lindas, como a tradição do fogo, ligada a esta festa, para manifestar a energia e luz de Deus que transparece em Jesus.
Sou de origem libanesa. Meu pai, Victor Murad, já falecido, veio do Líbano com seus vinte anos, em busca de melhoria de vida para si e seus parentes que ficaram na terra natal. Minha mãe, Aypha, hoje com mais de 80 anos e de uma vitalidade incrível, é brasileira e filha de libaneses.
Na minha infância e adolescência respirei, simultaneamente, os ares da cultura brasileira e da libanesa. E assim constituí minha identidade.
Recordo-me que certa vez, quando estudava na Alemanha, convivi por um breve período com um jovem padre libanês, que também veio aprender a língua de Goethe. Em certo momento, ao ver minha forma de agir, de gesticular e de ver o mundo, ele me disse: "Você é mais libanês do que imagina".
Sem distinguir bem o que tenho de brasileiro e de libanês, o que importa hoje é me compreender num contexto de multiculturalidade. Ou seja, de me perceber igual e distinto, partilhando de forma própria aquilo que constitui nossa condição comum de seres humanos e de cristãos: peregrinos neste mundo belo e confuso, seguidores de Jesus e cidadãos planetários.
Semana que vem tem mais um programa. Desta vez, irei falar mais de minhas lembranças familiares e da visita que fiz ao Líbano. Boas e felizes memórias...
Sou de origem libanesa. Meu pai, Victor Murad, já falecido, veio do Líbano com seus vinte anos, em busca de melhoria de vida para si e seus parentes que ficaram na terra natal. Minha mãe, Aypha, hoje com mais de 80 anos e de uma vitalidade incrível, é brasileira e filha de libaneses.
Na minha infância e adolescência respirei, simultaneamente, os ares da cultura brasileira e da libanesa. E assim constituí minha identidade.
Recordo-me que certa vez, quando estudava na Alemanha, convivi por um breve período com um jovem padre libanês, que também veio aprender a língua de Goethe. Em certo momento, ao ver minha forma de agir, de gesticular e de ver o mundo, ele me disse: "Você é mais libanês do que imagina".
Sem distinguir bem o que tenho de brasileiro e de libanês, o que importa hoje é me compreender num contexto de multiculturalidade. Ou seja, de me perceber igual e distinto, partilhando de forma própria aquilo que constitui nossa condição comum de seres humanos e de cristãos: peregrinos neste mundo belo e confuso, seguidores de Jesus e cidadãos planetários.
Semana que vem tem mais um programa. Desta vez, irei falar mais de minhas lembranças familiares e da visita que fiz ao Líbano. Boas e felizes memórias...
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Teofania na Amazônia dos pequenos
Partilho com você este texto de Frei Joahannes Gierse, com suas impressões sobre o Intereclesial das CEBs, acontecido em Porto Velho, no final de julho. Concordo com o que ele diz. Saboreie o olhar franciscano apurado....
“Teofania”, segundo o dicionário, quer dizer a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa; uma revelação sensível da glória de Deus, ou através de um anjo, ou através de fenômenos impressionantes da natureza. Não tenho a menor dúvida que tudo isso aconteceu em Porto Velho! Vejam:
A glória de Deus na “Amazônia”: pela primeira vez na história dos 34 anos dos Intereclesiais este encontro das CEBs aconteceu na região Norte do Brasil. Diz o Pe. Raimundo Possidônio, de Belém: “A Amazônia é obra do Deus criador e providente, pois neste pedaço do planeta quis presentear-nos com um pedaço do Paraíso, e fez os povos desta terra depositários de uma grande missão: cuidar de sua obra maravilhosa”. Mas neste pedaço do Paraíso, a terra e as águas, os povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos e extrativistas estão gritando, pois sofrem as dores da exclusão, destruição e morte causadas pelos grandes projetos “de desenvolvimento”.
Deus presente numa Igreja com rosto amazônico: a Igreja na Amazônia realizou uma conversão desde o encontro de Santarém em 1972, com sua diretriz “encarnação na realidade em vista da libertação” e que se expressa nas prioridades pastorais: formação de agentes pastorais locais e de comunidades cristãs de base fundadas na fé e no amor, a pastoral indígena e a frente pioneira da migração. O amazônico da Igreja e os seus frutos eram palpáveis nos Intereclesial.
A manifestação de Deus na diversidade dos participantes: Quem conhece o tamanho continental do Brasil entende o que significa encontrar pessoas dos quatro cantos; compreende também com qual esforço as caravanas das CEBs viajaram durante dois, três ou quatro dias! Pelas estradas, rios e ares enfrentando 2000 ou mais de 4000 km para chegar. Eram 3.010 delegados, aos quais se somavam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico da Assembléia encontrava-se espelhado também no rosto das 38 nações indígenas ali presentes”, além de pessoas dos outros continentes, como relata a Carta Final.
A revelação de Deus no povo de Porto Velho: a acolhida e o carinho com que as famílias, as paróquias e a diocese trataram os delegados foi algo extraordinário. Equipe de acolhida no aeroporto e nas paróquias, a qualquer hora do dia ou da noite, tocando e cantando, faixas e mensagens de boas-vindas. Presentes e lembranças, feitas de artesanato da região; fartura nas mesas tanto em Porto Velho como ainda em paróquias de Rondônia e Mato Grosso que há mais de 1000 km distantes acolheram as caravanas; famílias hospitaleiras; equipes de serviço para tudo; atendimento perfeito de saúde; em todo lugar “água encanada” para refrescar do calor; celebrações inculturadas... e tudo isso feito com um amor gratuito, generoso. Durante quatro anos, a Igreja de Rondônia montou essa “estrutura” preparando equipes de voluntários – entre eles muitos jovens! Ao longo de quatro anos cada um/uma contribui mensalmente com R$ 2,00! Não é de se admirar que muitas famílias derramaram lágrimas de saudade na despedida de seus hóspedes!
Dom Moacir, revela a ternura e o vigor de Deus: o bispo de Porto Velho deu todo apóio para que o Intereclesial acontecesse na Amazônia. Acreditou na capacidade de sua Igreja particular e não se cansou de caminhar com seu povo, apesar de sua deficiência física, resultado de dois acidentes de carro, sendo um causado por um atentado. Ele marcou na celebração de abertura a frase de origem africana: “Gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares não importantes realizam coisas extraordinárias” e que ficou no coração, na mente de todos/as delegados/as, pois expressa a mística e a missão das CEBs revigorando a convicção de que estão no trilho certo. Fiquei pasmo com a sensibilidade de Dom Moacir na celebração de encerramento: ao iniciar a oração eucarística pediu a todos da equipe de animação não falassem no microfone para que o próprio povo rezasse de uma só voz e assim os ouvintes da rádio ouvissem a própria voz do povo de Deus (a maioria de nossos cantores/as é dono do microfone e abafa a voz orante da assembléia!); a todos/as os 10.000 fiéis foi oferecida a comunhão sob duas espécies (a maioria dos padres não tem essa “sensibilidade litúrgica”, mesmo tendo poucas pessoas participando da Missa!).
Deus falando no tema, na dinâmica, na organização do Intereclesial: O fato de as CEB’s tematizarem “o grito da Terra que vem da Amazônia” e de reconhecerem que precisam se converter em comunidades ecológicas manifesta uma visão profética adequada aos nossos sinais dos tempos. Estamos longe de assumir a missão sócio-ambiental. A dinâmica do Encontro foi a conhecida “Ver-Julgar-Agir”, que garante a interação fé e vida e o comprometimento eclesial diante dos desafios da missão. Também o trabalho em “canoas” (grupos), rios (miniplenárias) e no porto (plenário) agilizou a troca de experiências e o processo de reflexão. Novidade foi o dia de missão no qual foram visitadas: populações indígenas, comunidades de bairro, agrícolas-coloniais, extrativistas, ribeirinhas, afro-descentes, de ocupação, Casa do Menor, de recuperação de dependentes e hospitais.
Se a teofania acontece também através de um fenômeno impressionante da natureza, então não resta dúvida de que no dia 22 de julho durante a celebração penitencial, Deus estava presente! Naquela tarde, suportando um calor infernal, as 3000 pessoas caminharam em direção ao rio Madeira fazendo também memória dos mártires. Chegando na margem do rio, ao por-do-sol, enxergamos ainda as grandes obras que desviam o rio e acabaram com a cachoeira, para construir a usina hidrelétrica Santo Antônio. No alto de uma rocha, uma mulher proclamou as bem-aventuranças e a multidão as repetia. Para mim, não havia diferença entre o mar da Galileia, onde Jesus pregava às multidões, e nós na beira do rio Madeira. O vento soprou fortemente, trazendo alívio, e nuvens escuras fecharam o céu. Dom Luis Soares, dizia: “Deus nos livre de um mundo feio em que não haja mais peixes, pássaros, árvores, animais, homens e mulheres... é impossível acreditarmos em Deus se não estivermos de bem com os irmãos e com a natureza. O ambiente é a nossa casa e fazemos parte dele. No momento em que matamos a natureza, estamos matando a nós mesmos”. E enquanto falava, o céu respondeu abençoando aqueles que fazem das bem-aventuranças o sentido e a missão de sua vida. Deus afirmava em forma de chuva: “Este é o caminho da vida, da esperança, da Terra sem males! Podem confiar, estou ao lado dos pequenos”!
A viagem de volta foi outra aventura: 40 pessoas entre as quais dois bolivianos, um índio pernambucano, três jovens, um casal, dois padres, mulheres entre 35 e 75 anos de idade, dois motoristas e um alemão-nordestino-paulistano, durante 54 horas num ônibus formaram uma “CEB ambulante”. Rezamos o Ofício das Comunidades e no ritmo indígena, avaliamos o 12º, tivemos serviço a bordo, assistimos ao “Big Bus Brasil”, presenteamos o amigo oculto, brincamos e cantamos... É Deus se revelando nos pequenos!
“Teofania”, segundo o dicionário, quer dizer a manifestação de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa; uma revelação sensível da glória de Deus, ou através de um anjo, ou através de fenômenos impressionantes da natureza. Não tenho a menor dúvida que tudo isso aconteceu em Porto Velho! Vejam:
A glória de Deus na “Amazônia”: pela primeira vez na história dos 34 anos dos Intereclesiais este encontro das CEBs aconteceu na região Norte do Brasil. Diz o Pe. Raimundo Possidônio, de Belém: “A Amazônia é obra do Deus criador e providente, pois neste pedaço do planeta quis presentear-nos com um pedaço do Paraíso, e fez os povos desta terra depositários de uma grande missão: cuidar de sua obra maravilhosa”. Mas neste pedaço do Paraíso, a terra e as águas, os povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos e extrativistas estão gritando, pois sofrem as dores da exclusão, destruição e morte causadas pelos grandes projetos “de desenvolvimento”.
Deus presente numa Igreja com rosto amazônico: a Igreja na Amazônia realizou uma conversão desde o encontro de Santarém em 1972, com sua diretriz “encarnação na realidade em vista da libertação” e que se expressa nas prioridades pastorais: formação de agentes pastorais locais e de comunidades cristãs de base fundadas na fé e no amor, a pastoral indígena e a frente pioneira da migração. O amazônico da Igreja e os seus frutos eram palpáveis nos Intereclesial.
A manifestação de Deus na diversidade dos participantes: Quem conhece o tamanho continental do Brasil entende o que significa encontrar pessoas dos quatro cantos; compreende também com qual esforço as caravanas das CEBs viajaram durante dois, três ou quatro dias! Pelas estradas, rios e ares enfrentando 2000 ou mais de 4000 km para chegar. Eram 3.010 delegados, aos quais se somavam convidados, equipes de serviço, imprensa e famílias que acolhem os participantes, ultrapassando cinco mil pessoas envolvidas neste Intereclesial. O caráter pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico da Assembléia encontrava-se espelhado também no rosto das 38 nações indígenas ali presentes”, além de pessoas dos outros continentes, como relata a Carta Final.
A revelação de Deus no povo de Porto Velho: a acolhida e o carinho com que as famílias, as paróquias e a diocese trataram os delegados foi algo extraordinário. Equipe de acolhida no aeroporto e nas paróquias, a qualquer hora do dia ou da noite, tocando e cantando, faixas e mensagens de boas-vindas. Presentes e lembranças, feitas de artesanato da região; fartura nas mesas tanto em Porto Velho como ainda em paróquias de Rondônia e Mato Grosso que há mais de 1000 km distantes acolheram as caravanas; famílias hospitaleiras; equipes de serviço para tudo; atendimento perfeito de saúde; em todo lugar “água encanada” para refrescar do calor; celebrações inculturadas... e tudo isso feito com um amor gratuito, generoso. Durante quatro anos, a Igreja de Rondônia montou essa “estrutura” preparando equipes de voluntários – entre eles muitos jovens! Ao longo de quatro anos cada um/uma contribui mensalmente com R$ 2,00! Não é de se admirar que muitas famílias derramaram lágrimas de saudade na despedida de seus hóspedes!
Dom Moacir, revela a ternura e o vigor de Deus: o bispo de Porto Velho deu todo apóio para que o Intereclesial acontecesse na Amazônia. Acreditou na capacidade de sua Igreja particular e não se cansou de caminhar com seu povo, apesar de sua deficiência física, resultado de dois acidentes de carro, sendo um causado por um atentado. Ele marcou na celebração de abertura a frase de origem africana: “Gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares não importantes realizam coisas extraordinárias” e que ficou no coração, na mente de todos/as delegados/as, pois expressa a mística e a missão das CEBs revigorando a convicção de que estão no trilho certo. Fiquei pasmo com a sensibilidade de Dom Moacir na celebração de encerramento: ao iniciar a oração eucarística pediu a todos da equipe de animação não falassem no microfone para que o próprio povo rezasse de uma só voz e assim os ouvintes da rádio ouvissem a própria voz do povo de Deus (a maioria de nossos cantores/as é dono do microfone e abafa a voz orante da assembléia!); a todos/as os 10.000 fiéis foi oferecida a comunhão sob duas espécies (a maioria dos padres não tem essa “sensibilidade litúrgica”, mesmo tendo poucas pessoas participando da Missa!).
Deus falando no tema, na dinâmica, na organização do Intereclesial: O fato de as CEB’s tematizarem “o grito da Terra que vem da Amazônia” e de reconhecerem que precisam se converter em comunidades ecológicas manifesta uma visão profética adequada aos nossos sinais dos tempos. Estamos longe de assumir a missão sócio-ambiental. A dinâmica do Encontro foi a conhecida “Ver-Julgar-Agir”, que garante a interação fé e vida e o comprometimento eclesial diante dos desafios da missão. Também o trabalho em “canoas” (grupos), rios (miniplenárias) e no porto (plenário) agilizou a troca de experiências e o processo de reflexão. Novidade foi o dia de missão no qual foram visitadas: populações indígenas, comunidades de bairro, agrícolas-coloniais, extrativistas, ribeirinhas, afro-descentes, de ocupação, Casa do Menor, de recuperação de dependentes e hospitais.
Se a teofania acontece também através de um fenômeno impressionante da natureza, então não resta dúvida de que no dia 22 de julho durante a celebração penitencial, Deus estava presente! Naquela tarde, suportando um calor infernal, as 3000 pessoas caminharam em direção ao rio Madeira fazendo também memória dos mártires. Chegando na margem do rio, ao por-do-sol, enxergamos ainda as grandes obras que desviam o rio e acabaram com a cachoeira, para construir a usina hidrelétrica Santo Antônio. No alto de uma rocha, uma mulher proclamou as bem-aventuranças e a multidão as repetia. Para mim, não havia diferença entre o mar da Galileia, onde Jesus pregava às multidões, e nós na beira do rio Madeira. O vento soprou fortemente, trazendo alívio, e nuvens escuras fecharam o céu. Dom Luis Soares, dizia: “Deus nos livre de um mundo feio em que não haja mais peixes, pássaros, árvores, animais, homens e mulheres... é impossível acreditarmos em Deus se não estivermos de bem com os irmãos e com a natureza. O ambiente é a nossa casa e fazemos parte dele. No momento em que matamos a natureza, estamos matando a nós mesmos”. E enquanto falava, o céu respondeu abençoando aqueles que fazem das bem-aventuranças o sentido e a missão de sua vida. Deus afirmava em forma de chuva: “Este é o caminho da vida, da esperança, da Terra sem males! Podem confiar, estou ao lado dos pequenos”!
A viagem de volta foi outra aventura: 40 pessoas entre as quais dois bolivianos, um índio pernambucano, três jovens, um casal, dois padres, mulheres entre 35 e 75 anos de idade, dois motoristas e um alemão-nordestino-paulistano, durante 54 horas num ônibus formaram uma “CEB ambulante”. Rezamos o Ofício das Comunidades e no ritmo indígena, avaliamos o 12º, tivemos serviço a bordo, assistimos ao “Big Bus Brasil”, presenteamos o amigo oculto, brincamos e cantamos... É Deus se revelando nos pequenos!
Assinar:
Postagens (Atom)