Era o entardecer da véspera de natal. Caminho pelo centro de Belo Horizonte, após a última reunião de trabalho do ano. De repente, encontro Jane na calçada. Negra, rosto envelhecido, ex moradora de rua, trabalha como lavadora de carro, vende doces e balas. Descobri-a, faz muitos anos, quando eu morava na região. Naquele tempo, ela bebia muito, não tinha sequer um cantinho para moradia e andava na rua com a filha mais nova, que recebeu o nome chique de “Lorrane”. Graças ao trabalho do Irmão Raimundo, que a acolheu carinhosamente e resgatou sua dignidade com a ajuda de outras pessoas, Jane hoje tem um barraco na periferia e a filha freqüenta a escola. Com orgulho, apresentou-me novamente Lorrane: “Ela Já tem 10 anos. Veja como está grande e bonita”. E Jane completou: “Tenho ainda outra filha, de 15 anos, que mora na Itália. Dizem que ela fala três línguas e está bem por lá. Mas eu quero encontrar minha filha!”.
Saí deste inesperado encontro lembrando-me dos pastores que foram visitar Jesus em Belém. Gente pobre, simples, de má fama, são os primeiros a provar da alegria do “Deus conosco”. Imaginei Jane e Lorrane no presépio, na gruta de Belém, olhando para Jesus.
Hoje é natal. Vim para Vila Velha (ES) e após a missa, o padre nos convidou: “Lá fora, na área livre embaixo da ponte, a comunidade está organizando um jantar para o povo de rua e moradores dos abrigos públicos”. Fui lá ver. Tudo bem organizado, comida boa, presentes, grupo acolhedor! Chegaram umas 20 pessoas. Sentei-me à mesa com duas delas. A primeira, Dona Maria, uma senhora que deveria ter uns 75 anos. Vinda do Sul da Bahia, sem recursos, mora num abrigo da prefeitura. Estava transbordando de alegria: alimento saboroso, presentes, música ao vivo. Ah, era demais tanta coisa boa ao mesmo tempo!
Meu segundo companheiro de mesa era um adulto de aproximadamente 35 anos. Gilberto, nascido em Guarapari, é flanelinha e lavador de carro na praia da costa. Hoje trabalhou o dia inteiro. Veio direto para o evento, pois ficou sabendo que ia ter uma festa de graça, de natal. Contou-me que tem quatro filhos pequenos e vive de seu trabalho. Não teve dinheiro para comprar os presentes para as crianças. Quando recebeu os presentes da comunidade, seu rosto se transfigurou. Lentamente, recolheu tudo o que havia recebido numa sacola plástica. Agora teria algo para oferecer aos filhos! Quando terminou de jantar, delicadamente pediu licença, e todo contente foi para casa, levando ainda uma marmita de comida para a mulher e a criançada.
Novamente me veio ao coração a imagem dos pastores de Belém. Desta vez, eu estava sendo visitado pelos pobres. Eles me recordavam não somente os pastores, também o próprio menino Jesus, pobre envolvido em panos, alojado fora da casa. Provei algo do espírito do natal...
Um comentário:
~eQue estes sentimentos de natal se estendam a você no ano novo, Murad.
Um abraço
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