quarta-feira, 2 de junho de 2010

O que é a cultura light?

É possível formar para compromissos duradouroas, numa cultura light? Em que condições e com qual grau de certeza? Que atitudes e estruturas são necessárias para isso acontecer? Estas perguntas são decisivas para a educação e a evangelização. Vamos começar caracterizando a cultura light. No próximo artigo, mostraremos que elementos favorecem o desenvolvimento do homem e da mulher light. Por fim, traçaremos algumas pistas para responder à questão inicial.

A cultura “light”
A rigor, não existe uma cultura “light”, enquanto sistema elaborado de significações, configurado por um grupo humano e identificável a partir de matrizes étnicas, sociais, de gênero ou geracional. O termo “light” serve mais como uma categoria, uma aproximação conceitual. Ele dá conta de explicar uma forma de conceber o mundo e de se comportar, que está presente em diferentes grupos na sociedade contemporânea, com intensidade também distinta. A expressão “light” é uma imagem, uma analogia, que reúne algumas características do que se convencionou chamar de cultura “pós-moderna” ou “modernidade líquida” (Zygmunt Bauman). A expressão remonta a um famoso livro de Henrique Rojas, denominado El hombre light (Ed Temas de Hoy, Madrid, 1992) atualmente na 20 edição.
“Light” tem, em inglês, muitos sentidos. O primeiro é o substantivo “luz”. Daí deriva o adjetivo que significa “claro”, como por exemplo, “light blue” (azul claro). O termo ganhou importância e novo significado na sociedade atual devido à associação com alimentos de baixo teor calórico. Basta entrar no supermercado ou na padaria, para encontrar vários produtos “light”. Eles apresentam, no mínimo, a redução de 25% de determinado nutriente que fornece energia (carboidrato, gordura e proteína), em comparação com o alimento convencional. O “diet”, por sua vez, diz respeito a alimentos e bebidas completamente sem açúcar ou gordura, originalmente destinados a quem tem alguma limitação na saúde, como diabete ou colesterol elevado. As pessoas consomem cada vez mais produtos “lights” e “diets”, para manter o peso, não engordar e conservar o padrão estético que se determinou como ideal. Alimentam a ilusão de que podem comer e beber à vontade, fruir do prazer (sabores e odores), sem pagar o preço de engordar. Soa como uma solução mágica!

A partir desta referência, no imaginário atual “light” se associa a “leveza”, não somente física, mas também psicológica e comportamental. Uma pessoa light rejeitaria a rigidez, ou seja, aquilo que é duro (hard) e pesado (heavy). Ela estaria no âmbito do que é seguro, sem riscos.
Segundo Wilmar L. Barth, no homem light, “tudo está sem calorias, sem gosto ou interesse. A essência das coisas não importa, só é quente o superficial, e a vida pode ser comparada a um coquetel, onde tudo pode ser experimentado, mas tudo está desvalorizado. Centrado em aproveitar bem o momento e consumir, em se interessar por tudo e, ao mesmo tempo, por não se comprometer com nada, o homem light ajeita tudo. Para ele, tudo é transitório, passageiro e assim até a democracia e a vida conjugal se tornam lights. O lema é não exigir muito e alcançar uma tolerância absoluta. Não existem desafios, nem metas históricas e grandes ideais, nem um esforço ou luta contra si próprio (..) Como não tem critérios sólidos, o homem light é superficial e aceita tudo. Geralmente não tem um projeto de vida e lhe interessa possuir e consumir loucamente”. Fabrica sua verdade de acordo com preferências pessoais, escolhendo o que gosta e rejeitando o que não lhe apetece.
E conclui o autor, a respeito do homem e da mulher light: “sua ideologia é o pragmatismo. Sua norma de conduta é a vigência social, as vantagens que leva, o que está na moda (..) Tudo é suave, ligeiro, sem riscos; somente faz algo com garantia. Em sua vida, não há rebeliões, pois a moral se converteu numa ética de regras de urbanidade ou mera atitude estética” (W. Barth, O homem pós-moderno, religião e ética, in: Teocomunicação, v.37, n.155, março 2007, p. 91s).

Cecília Benetrix resume assim as características do “homem light”, a partir de E. Rojas: “Es esa persona que carece de esencia, que es consumista, relativista pues es un hombre sin referentes, sin puntos de apoyo, envilecido, rebajado, convertido en un ser libre que se mueve pero no sabe a dónde va, un hombre que es veleta. Es vacío, y vive em la era del vacío, lo único que le interesa es su ascenso social y el placer a toda costa, su fin es despertar admiración o envidia. Adquiere gran cantidad de información que le venden los médios pero no es capaz de hacer una síntesis de aquello que percibe y en consecuencia se há ido convertiendo en un sujeto trivial que acepta todo y es muy manejable. Posee uma decadencia moral debido al hedonismo (placer sobre todo) y a la permisividad. Gracias a estos dos conceptos el hombre light se evade a si mismo y se sumerge en las sensaciones más sofisticadas contemplando la vida como um goce ilimitado”.

Para evitar análises pessimistas, é importante ressaltar alguns traços da cultura light na sua origem. Eles são ambivalentes, e talvez o problema seja a forma unilateral como se manifestam. Há um contexto que lhes deu origem e favorece sua manifestação. Por exemplo, na sociedade contemporânea, a luta pela sobrevivência devora grande parte da energia vital das pessoas. Cada vez mais, não se tem segurança a respeito do futuro profissional. O ambiente de trabalho, devido ao clima de constante competição no mercado, é tão estressante e exigente, que, como forma de compensação e alívio, as pessoas tendem a sonhar com a situação oposta, na qual possam provar a leveza, a ausência de cobranças, a fruição e o prazer. Mesmo que isso não seja real para a grande maioria, permanece como desejo e ideal.
Outro fato elucidativo: na sociedade midiática, da imagem e da simulação, só existe o que aparece. O estético saiu das Igrejas antigas, dos museus e das galerias de arte e invadiu o cotidiano. E isto é bom, pois significou uma forma de democratização. É compreensível que as pessoas estejam mais sensíveis ao aparente e se extasiem com o belo. A questão é quando o estético substitui o ético. Passa a ser considerado bom aquilo que é produzido, de forma artificial, como beleza, a serviço do consumo.

Valores da cultura light
Com espírito de fé, descobrir-se-á nos “Sinais dos Tempos” do homem e da mulher light não somente as ameaças, mas também as oportunidades para a humanização e o Reino de Deus. Isso exigirá, ao menos, uma disposição das pessoas para avaliar seus hábitos e posturas, investir no autoconhecimento e querer crescer.
Que valores estão implícitos na cultura light, e poderão ser positivos, se forem desenvolvidos em perspectiva humanizadora e comunitária, ou seja, voltados para a evolução da humanidade e compreendidos de forma coletiva, para além do indivíduo? Citemos alguns.
*Leveza: consiste em cultivar a gratuidade, a alegria, o contentamento, e o senso de humor, como elementos decisivos da vida, em contraposição ao pessimismo e ao perfeccionismo. A leveza é um contraponto às exigências demasiadas do mercado, baseado na competição e nos resultados.
*Flexibilidade: a pessoa aprende a relativizar o que antes parecia intocável e inquestionável. Critica a rigidez dos códigos de comportamento, especialmente das religiões tradicionais, e descobre o valor do diálogo.
*Cotidianidade: Há um desejo de simplesmente viver o hoje, sem excesso de preocupação com o futuro.
*Estética: Desenvolve-se a sensibilidade ao belo, em várias instâncias. Desde as embalagens, até o corpo humano, contemplando também o design da casa e da cidade. Abre-se a oportunidade de uma nova síntese entre a bondade e beleza, se a aparência é uma porta de entrada para o ser-que-se-manifesta.
*Corporeidade: o respeito e a valorização do corpo. Critica a violência física contra os fracos, especialmente as crianças e as mulheres. Após séculos de negação, abre-se a possibilidade de uma visão unificadora de corpo-espírito. O corpo é expressão carnal da pessoa e de seu mistério.

No próximo artigo, apontaremos a ambiguidade da "pessoa light" e veremos como ela se manifesta em grupos religiosos.

Um comentário:

Jose Armando Vicente disse...

Murad,

Gostei imenso do seu artigo sobre a cultura light. De fato, o grande questionamento é: como educar, formar, hoje, numa cultura light? Pessoalmente, tenho encontrado no meu trabalho de formação, certos desafios para a foamção da juventude. Penso que existe algo inegociável no processo educativo (responsabilidade, honestidade, ...). Acredito que os jovens da cultura light ainda procuram valores seguros, lugares para a sua auto-realização. Jose Armando Vicente FAJE