A Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus, Povo de Deus a
caminho do Reino definitivo, está em constante contato com as sociedades onde
se insere. Ao anunciar o Evangelho de Jesus, sua razão de ser, necessariamente
assume formas de organização, linguagens, recursos e elementos da mentalidade
que circula no ambiente. Isso faz parte da dimensão encarnatória da própria fé.
De outro lado, a partir do próprio evangelho, a Igreja e os cristãos questionam
os elementos tomados da cultura e mostram que Jesus Cristo traz um “mais”. Ele
ilumina e chama à conversão a todas as realidades humanas. Assim,
simultaneamente, assumem-se elementos do nosso tempo, mas também se apontam
seus limites.
A profissionalização é uma tendência crescente no mundo
contemporâneo. Ela se contrapõe ao amadorismo, à forma “caseira” pensar e atuar,
a uma visão estática do trabalho, como acúmulo de rotinas. O profissionalismo
inclui vários fatores tais como: domínio e desenvolvimento de saberes
específicos e a adoção de tecnologias correspondentes; especialização
crescente; busca de “qualidade” para responder às demandas humanas; formação
permanente das pessoas, e ética profissional. Vários aspectos da profissionalização
se aplicam aos voluntários, pessoas que gratuitamente dedicam tempo e energia a
causas humanistas e religiosas. E, na verdade, a grande parte dos processos de
evangelização é realizada por voluntários.
Aqui não estamos pensando especificamente nas instituições
católicas de prestação de serviços, como escolas privadas, hospitais e rádios.
Embora tenham elementos em comum com paróquias e diocese, os princípios da
profissionalização tem diferentes consequências. Neste artigo abordaremos cinco
elementos positivos da profissionalização que trazem diferenciais às paróquias,
institutos religiosos e dioceses: foco nos destinatários, visão estratégica,
relação com fornecedores e prestadores de serviço, gestão de pessoas e estruturas
organizacionais.
1. Foco nos seus
destinatários. As organizações pouco profissionais tendem a atender mais aos
interesses de seus membros do que as necessidades de seu público-alvo. Podem degenerar-se em corporativismo, terrível
doença social que contamina os políticos e boa parte dos funcionários
comissionados de organizações públicas. Já as organizações profissionais sempre
se perguntam: “o que devemos fazer para que nossos destinatários encontrem aquilo
que procuram?” “Como melhorar os processos, para sermos fiéis à nossa missão?” Tais
perguntas estão na base da busca constante de qualidade. Esta exige o exercício
da sensibilidade para olhar o outro, e não a si próprio.
Paróquias e dioceses cresceriam muito em qualidade se
levassem este princípio mais a sério. A Igreja e suas estruturas existem em
função das pessoas e da sociedade a ser evangelizada, e não de si própria e de
suas lideranças. Tomemos um exemplo simples: o horário de atendimento das
secretarias paroquiais. Em grande parte do Brasil, as paróquias atendem ao
público de 2ª a 6ª feira, no horário comercial. Algumas ainda fazem “o favor”
de abrir suas portas no sábado de manhã. Ora, um contingente enorme de
católicos trabalha fora de casa e quando busca a secretaria paroquial, ela está
fechada. Por que acontece isso? Parece que o pároco e sua equipe estipulam o
horário de atendimento em função de si mesmos, e não dos seus destinatários.
Neste sentido, várias paróquias tem alterado tal rotina, modificando o horário
de atendimento conforme a demanda da população local. Algumas trocam as manhãs
pelas noites, outras incluem o sábado e até domingo de manhã para o atendimento
e fazem sua pausa semanal na 2ª feira.
2. Visão estratégica. O
exercício do pensamento estratégico comporta um longo trajeto, que se inicia
com a definição consensual a respeito da missão da instituição, dos valores que
a regem e do que ela deseja conquistar num prazo determinado (visão de futuro).
A seguir, estabelecem-se as estratégias e a iniciativas que farão a mediação
entre o sonho e a realização. Por fim, nomeiam-se as pessoas responsáveis e
definem-se os indicadores para avaliação.
O plano estratégico pode ser estéril, se faltar conexão com
a realidade. Algumas paróquias e dioceses tem belos planos de pastoral, que são
“pseudo-estratégicos”: bem formulados, bonitos, mas pouco ousados e
desarticulados. Não se especificam as pessoas responsáveis, os prazos, os
custos. Não há monitoramento da execução. Deste jeito, o plano se torna
ineficaz.
Contrapõe-se à visão estratégica: o imediatismo (agir pensando
somente em curto prazo), a anarquia (não ter princípios de ação), a reatividade (reage-se diante dos problemas,
em vez de se antecipar a eles) e a simples repetição de práticas. E há igrejas
locais que primam pela repetição. A fidelidade ao passado, tão necessária, não
se equilibra com a visão de futuro.
“Estratégia” é um
termo proveniente da arte da guerra. Um plano estratégico é arrojado e
criativo. Desperta as pessoas para moverem-se e buscarem resultados efetivos. Exige
desapego para abandonar certas práticas e adotar outros. Ser estratégico é mais
do que fazer um plano. Exige uma visão de Igreja e de sociedade, para
compreender onde a instituição está inserida e como responde ou não às
oportunidades e ameaças do cenário atual, em relação aos seus destinatários e à
sua missão. Quando a estratégia é esmiuçada, vem com ela o gerenciamento, a
liderança nos processos e o monitoramento.
3. Relação correta com
fornecedores e prestadores de serviços. Toda instituição complexa, que
atende a um grande público em diferentes frentes, necessita de política clara
em relação aos seus fornecedores. Chamam-se de “fornecedores” às pessoas
físicas ou jurídicas que fornecem os insumos e serviços básicos necessários
para o funcionamento da organização. Uma paróquia urbana de porte médio tem
vários fornecedores: a companhia de eletricidade, de água, de telefonia e
internet; a empresa que vende os computadores e os programas utilizados para
controle contábil, emissão de planilhas e documentação; a padaria, a mercearia
ou o supermercado; o mecânico do carro e o eletricista; a loja de material
construção; a empresa que fornece móveis; quem vende hóstia, vinho e material
litúrgico; a gráfica ou editora, a fornecedora de papéis e material de
escritório. Paróquias e dioceses também recorrem aos prestadores de serviços,
que são um tipo específico de fornecedores. Estes não somente vendem um
produto, mas realizam algo, a partir de sua especialidade. Por exemplo, um
escritório de contabilidade, a assessoria jurídica, a cooperativa ou empresa de
construção e reformas. Ou ainda as organizações especializadas em
infraestrutura de grandes eventos (som, alimentação, segurança, transporte) ou
a empresa que aluga os ônibus para as romarias.
Certa vez, numa paróquia em região de beira mar, ampliou-se
o salão paroquial. Para realizar a cobertura do teto, o padre escolheu a
empresa de um paroquiano tido como “muito católico”, com quem costumava jantar
nas noites de domingo. Não fez um contrato profissional, no qual se especifica
o tipo de telha, o tempo de garantia do material, a qualidade de resistência à
umidade e maresia, o tipo e espessura da madeira, etc. Tudo foi realizado “na
base da confiança”, pois o homem era um bom católico (e amigo do padre,
naturalmente). Dois anos depois de concluído o serviço, o telhado já
apresentava problemas estruturais. E não havia como reclamar, pois não havia
contrato formal. O barato saiu caro!
É preciso lidar com profissionalismo em tudo o que diz
respeito à relação com fornecedores e prestadores de serviços. Os preços
negociados, as condições e a especificação do serviço a ser oferecido não podem
ser algo caseiro e sem contrato. Tal procedimento funciona somente em
comunidades rurais e ou cidades pequenas, onde reina a informalidade. O que
parece ser vantajoso, com o tempo se revela desastroso. Deve-se optar pelos
serviços e produtos que tenham a melhor relação custo x benefício. Por vezes, é
necessário também rever contratos antigos, que apresentam condições desfavoráveis,
como o fornecimento de eletricidade e de telecomunicações. Em outros casos,
mudar de fornecedor. Para grandes compras ou obras de construção e reforma,
aconselha-se fazer três orçamentos. Em condições semelhantes, pode-se optar
pelo fornecedor que seja católico, participante da comunidade. Mas o critério
básico deve ser o binômio “qualidade – preço” e não a amizade particular entre
os líderes da Igreja e os fornecedores. Convém que o padre não atue sozinho.
Somente uma boa equipe de gestão econômico-financeiro, com leigos qualificados,
tem condições de realizar a contento tal tarefa, sem se deixar enganar por
fornecedores desonestos ou incompetentes.
4. Processos de
gestão de pessoas. As organizações
profissionais descobriram que “a riqueza que mais produz riqueza são as pessoas”,
e não o patrimônio material de terrenos, prédios, salas e salões. Patrimônio
material pode ser comprado ou alugado. Se não for utilizado bem, transforma-se
em custo, devido à depreciação. As pessoas, por sua vez, geram bens
intangíveis. Escolher profissionais e voluntários com experiência,
conhecimento, habilidades e sintonia com os valores da instituição se tornou
tarefa prioritária em grandes organizações do mundo. Por isso, elas
desenvolveram acurados processos de seleção, preparação, monitoramento,
avaliação, formação continuada e aprimoramento das pessoas. E, nas grande
empresas, isto não acontece por causa de uma postura humanizadora, e sim porque
dá retorno econômico. Ora, a Igreja, por causa dos valores espirituais que a
guiam, deveria ser um exemplo de gestão de pessoas na sociedade. Mas estamos
muito distantes deste ideal. Porque?
Concebe-se que “investimento” significa usar o dinheiro em
patrimônio material, sobretudo em construções. Investir em pessoas soa como
“custo”, “dinheiro jogado fora”. É claro que se deve investir em construções,
mas de forma coerente com o projeto evangelizador. Soa como desequilíbrio na
gestão o fato de construir muitas salas para catequese e não investir em
formação das catequistas. As paróquias e dioceses precisam implementar e
aperfeiçoar os processos de formação de seus profissionais (como secretárias
paroquiais, atendentes, pessoal administrativo) e lideranças voluntárias
(catequistas, coordenadores de pastorais e ministérios, comunicadores,
coordenadores, etc). Por exemplo, coordenadores de catequese de paróquias e
dioceses precisam estar munidos de formação bíblico-teológica básica, aprimorar
suas habilidades em lideranças de pessoas e processos, estudar sobre as
mudanças culturais que estão acontecendo nas infâncias e nas juventudes, e
conhecer as novas linguagens em educação.
Cabe às paróquias e dioceses investir nesta formação, de forma
profissional, inclusive conferindo certificados de conclusão validados em instituições
superiores de ensino.
Uma questão elementar referente à gestão de pessoas diz
respeito ao tempo de permanência de alguém em funções de coordenação. Ao se
instalar em determinada função por longo período, tende-se a criar seu espaço
de domínio e impede o desenvolvimento de novas lideranças. Para reduzir este
problema, uma paróquia criou o seguinte procedimento: qualquer coordenador
ocupa sua função por 3 anos. Pode ser reeleito por mais dois anos, e neste
segundo mandato já deve estar acompanhado de alguém que vai substituí-lo.
Deve-se buscar formas para garantir rodízio das lideranças e um exercício
saudável do poder.
5. Modelo de gestão
eficaz. As organizações atuais
perceberam que estruturas rígidas, verticalizadas e concentradoras de poder
podem leva-las a um estado de inércia e lento desaparecimento. No passado, era
comum encontrar empresas que tinham cinco ou mais níveis hierárquicos e na qual
predominava a estrutura funcional de subordinação vertical. O chefe mandava, os
subordinados obedeciam. Hoje, exercitam-se diversas formas de estruturas.
Combinam-se modelos funcionais com os matriciais. Criam-se grupos de trabalho
para realizar determinadas tarefas e projetos. Favorece-se mais o controle
sobre os resultados do que sobre as rotinas. A sociedade é tão complicada e há
tantos fatores que interferem nos processos, que é impossível esperar que o
sucesso ou o fracasso de uma instituição esteja sob a responsabilidade de uma
pessoa. Por isso, palavras como “empoderamento” e “gestão compartilhada” não
são simplesmente jargões do momento. Elas traduzem uma tendência crescente na
sociedade: trabalhar efetivamente em equipes de alto desempenho para somar os
saberes e as habilidades, dividir as responsabilidades, multiplicar as
possibilidades de resposta, reduzir os erros. A Igreja católica precisa
aprender essa lição das organizações profissionais: estruturas leves, flexíveis,
cooperativas e ágeis, a serviço da missão. Com isso, não se perde a autoridade conquistada.
Ela assume outro perfil.
As características acima propostas visam estimular as
paróquias e dioceses a adotarem uma forma de atuar que lhes possibilite
responder mais adequadamente aos imensos desafios de evangelizar em sociedades
urbanas. Não se trata de fórmulas prontas, nem de leis férreas. Devem ser
utilizadas com bom senso, de acordo com as realidades locais. Constituem parte
de um imenso e belo mosaico. Por isso, não devem ser absolutizadas. Mais ainda.
Os traços profissionais da gestão eclesial devem ser articulados com os valores
do Evangelho, com uma espiritualidade antenada nos Sinais dos Tempos e
enraizada em Jesus. O olhar da fé não somente assume, mas também critica os
limites de uma visão meramente profissional da evangelização. Esse será o tema
do nosso próximo artigo.
Afonso Murad