domingo, 8 de junho de 2008

Misericórdia e Sacrifício

A palavra “sacrifício” parece estar banida do linguajar cotidiano da geração que adotou o estilo “light” de viver. Se a motivação da existência está em provar o máximo possível as boas sensações no presente, é descabido falar em sacrifício. Tudo tem que ser conseguido com facilidade e rapidez. Na mesma velocidade, será também “curtido” ou experimentado. E, ao acabar, trata-se de buscar novas sensações prazerosas, até que a vida se esgote. Por isso, o prazer solitário se associa a uma absolutização do presente. Esperar dá trabalho!
Um educador certa vez comparou a geração atual de jovens e adolescentes a um macarrão pré-cozido. Denominou-a de “geração miojo”. O dito macarrãzinho, inventado por um japonês, é feito em cinco minutos. E consumido com igual rapidez. Para a geração miojo não existe paciência nem processo. O que a conduz é a lei da facilidade. Quanto mais fácil, melhor. Com isso, a ética também desaparece lentamente. Pois lutar para o bem, defender valores e pagar o preço de suas opções exige esforço, disciplina e constância.
Na corrente oposta desta tendência, aparecem as visões religiosas que trazem de volta o sacrifício, como a grande chave de salvação, seja ela meramente terrena ou para além da morte. Exagera-se no valor sacrifical da morte de Jesus. Parece que a comunhão do ser humano com Deus só foi alcançada com muito, muito sangue. O ícone desta representação é o filme “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Do ponto de vista teológico, essa corrente de pensamento, presente tanto em meios católicos quanto evangélicos, esquece uma verdade elementar. A morte de Jesus não é um evento isolado. Para aqueles que acreditamos num diálogo vivificador entre Deus e o ser humano, chamado de “experiência salvífica”, somente a vida explica a morte, e vice-versa. Nós cremos que Jesus nos oferece a vida em plenitude através de sua vida, de sua morte e de sua ressurreição.
O próprio Jesus, a certa altura de sua missão, relembra aos seus contemporâneos uma famosa frase do profeta Oséias: “Eu quero a misericórdia, não o sacrifício”. Creio que é esta a chave mais correta para entender a originalidade da mensagem de Jesus e a beleza da experiência religiosa libertadora. Jesus mostra a face de um Deus paterno-materno, o Deus que tem alegria em resgatar o perdido. Assim é Deus, diz Jesus. De forma original, em três parábolas de Lucas 15, Jesus mostra a alegria de Deus que quer a vida e não o sacrifício em si. Deus é como o pastor que se alegra quando busca e encontra a ovelha perdida. Deus é como a mulher pobre que busca e encontra a moedinha perdida. Deus, por fim, é como o pai bondoso que acolhe o filho descabeçado que gasta toda a herança e volta para casa, simplesmente porque está com fome. Nas três parábolas, duas atitudes são comuns: a alegria e a festa, pelo reencontro com o perdido. O pastor se alegra com seus companheiros, a mulher pobre chama as amigas, e o pai faz uma festança, em estilo oriental, com cordeiro bem tratado.
Assim conclui Jesus: Deus é tão bom, que nos contagia com o seu amor. A palavra bíblica “misericórdia” poderia ser traduzida hoje de muitas formas, sem se esgotar em nenhuma delas: solidariedade, amizade, luta pela justiça, cuidado com o ambiente, cidadania, compaixão e amor.
A misericórdia inclui certa dose de sacrifício. Quem vive o amor com alguém, aprende na prática que precisa fazer renúncias. Quem se dedica aos outros, está constantemente fazendo opções e deixando algo para trás. Por mais que uma pessoa consiga fazer muitas coisas ao mesmo tempo, terá que fazer escolhas. Algumas não serão prazerosas no primeiro momento. Mas, a longo prazo trarão imensa alegria.A misericórdia, assim entendida, é a forma de superar os extremos desumanizantes do prazer absoluto ou do sacrifício absurdo. Na misericórdia, há prazer e sacrifício. O ser humano, sintonizado com o Bem, exercitando o amor misericordioso, está numa luta constante, que lhe custa tempo e energia. Em contrapartida, encontra uma alegria, um contentamento, uma satisfação profunda, que lhe confere paz e serenidade. E isso, não tem preço. Só quem experimenta sabe e pode dizer....

domingo, 1 de junho de 2008

Aqui não tem lugar para quem pede

Seu Damião é um daqueles homens da classe popular, cheio de sabedoria. Numa celebração, estávamos falando sobre a religião libertadora e a religião que aliena. Com seu jeito matuto, Damião nos contou o seguinte “causo”: Um amigo seu convidou-o insistentemente para o culto de uma igreja neopentescostal. Meio a contragosto ele vai, “para não perder a amizade”.
O enorme templo, que impressiona pelas suas majestosas colunas, está situado numa importante avenida. Algumas quadras acima, há uma tradicional Igreja Católica, que tem várias iniciativas sociais, desde o encaminhamento de casos emergenciais de pessoas necessitadas, até o estímulo a grupos de sócio-economia solidária.
Seu Cosme está no templo, mas fica perto da porta de entrada, apesar da insistência do funcionário, bem vestido com um terno azul marinho, para que ele fosse mais à frente. Em certo momento, entra um mendigo, daqueles que carregam sacos de estopa nas costas com seus objetos pessoais. Imediatamente, o segurança (que oficialmente tem um nome bem mais simpático) vem ao seu encontro e impede que ele siga. Pergunta-lhe com rispidez: “O que você veio fazer aqui?” O homem lhe responde: “Estou com fome e vim buscar uma ajuda”. Damião estica o pescoço e os olhos para acompanhar o que vai acontecer.
O segurança diz ao mendigo: “Você precisa parar de sofrer e sair desta vida”. O homem balança a cabeça, consentindo. Crê que vai receber alguma coisa. Tenta então romper a soleira da porta. O segurança, homem alto e forte, estufa o peito e lhe detém com a mão direita. Empurra-o para fora. E completa: “Aqui é um lugar para quem tem oferta para dar. Deus ouve a quem dá com alegria”. E com mais insistência, lhe diz: “Aqui não tem lugar para quem pede, e sim para quem dá”. Apontando com o indicador para a esquerda, lhe diz: “Se você quer uma ajuda, suba algumas quadras e procure outra Igreja”.
Damião ficou indignado. Levantou-se, pediu desculpas ao amigo e se retirou.
Um mês depois, numa manhã de domingo, encontro Damião coordenando um mutirão na favela onde ele mora, para limpar os terrenos baldios, tirar o lixo e abrir um caminho para o povo passar. Vi então, na prática, a religião libertadora.

sábado, 31 de maio de 2008

Espelho, espelho meu...

Viajando por este Brasil afora, fui parar numa grande capital do Nordeste. Fiquei hospedado na casa de uns religiosos católicos, popularmente chamados de “Freis”. Após as atividades da manhã, entrei no apartamento que estava reservado para mim. Era muito simples, como eu gosto. No entanto, não se destacava nem pela limpeza, nem pelo bom gosto. E algo me chamou a atenção.
Ao entrar, deparei-me com um imenso espelho, daqueles de quase dois metros de altura, que estava colocado estrategicamente no centro do quarto. Sem entender bem o que aquele objeto fazia ali, peguei a toalha que estava sobre a cama e fui tomar um banho. Ao entrar no banheiro, outra surpresa. Além do espelho sobre a pia, havia ainda outro espelho grande dentro do box do chuveiro. Ao todo, três espelhos! Lembrei-me então da Irmã Regina, que dizia: “Uma das telas, com as quais os jovens vêm o mundo, é o espelho” (Ver o texto neste blog: quatro telas para ver o mundo). Mas o antigo morador deste quarto, que eu não conhecia, talvez nem enxergasse o mundo. Somente a si próprio.
Minha curiosidade não resistiu muito tempo ao silêncio. Perguntei ao Frei, que era o coordenador da casa, se todos os quartos tinham tantos espelhos, e qual a razão disso. Ele me respondeu, um pouco desconcertado, que aquele quarto foi de um tal Frei, muito vaidoso, que havia morado ali durante dois anos. E completou: “Você devia ver a quantidade de cosméticos que ele deixou para trás: perfumes importados e cremes para pele, sem contar os xampús e condicionadores!”.
Fiquei pensando! Há que evitar a negação do corpo. Mas, uma pessoa quando faz um caminho de evolução espiritual, normalmente vai se desprendendo de certas coisas e de alguns hábitos supérfluos. Usará dos objetos com crescente liberdade. E dispensará outros, pois já não lhe serão necessários. E sem dúvida, um dos grandes critérios do crescimento espiritual é a superação do narcisismo, isto é, do indivíduo egóico, voltado para si próprio. Ter cuidado consigo mesmo é importante. Mas este não é único tesouro da vida de alguém.
Quando era adolescente, aprendi uma música-parábola, que tenho até hoje na memória. Dizia de um homem que vivia num quarto cercado de espelhos por todos os lados. Certa vez, uma pedra vinda de fora quebrou um deles. Então o homem olhou para fora de seu quarto, e ouviu uma multidão que gritava: “Quebre os espelhos, quebre os espelhos, ponha uma janela no lugar”! Creio ser este o grande clamor para o ser humano dito “pós-moderno”: quebre os espelhos (não todos), ponha uma janela no lugar!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

É mais fácil de lavar!

No intervalo de um congresso, encontrei Carla, a quem não via há quatro anos. Guardava dela a lembrança de uma mulher jovem, morena e bonita, com um largo sorriso e belos cabelos longos. Na época, ela trabalhava como secretária de um amigo meu e participava do Grupo de Jovens da Igreja. Agora, me deparo uma mulher vestida com uma longa saia, sem qualquer adereço feminino. O que me estranhou mesmo foi vê-la com o cabelo cortado, bem curtinho. Ela tinha perdido alguma coisa de sua aparência feminina. Perguntei-lhe sobre sua vida recente. Ela me disse: “Mudei de Vida! Agora faço parte de um movimento religioso”. Tentando entender, eu me perguntava porque uma pessoa que se consagra a Deus, num movimento, numa Igreja, ou numa religião, tem que mostrar que está tão fora do mundo. Arrisquei uma pergunta: “Por que você cortou o cabelo assim, tão curtinho?” Meio sem graça, ela me disse: “É mais fácil de lavar”.
Confesso que a resposta não me convenceu. E ela acrescentou: “Lembra-se da Rosa? Ela também está participando do movimento”. Rosa era um adolescente, que eu conheci num curso de teologia para leigos. Branquinha, com espinhas no rosto, tinha uns cabelos enroladinhos, que lembravam os anjinhos barrocos das Igrejas de Ouro Preto. Na ocasião, procurava uma vida mais radical, mais próxima a Deus e de serviço aos outros. Então, Rosa me viu de longe e veio me abraçar. Fiquei feliz ao encontrar com ela. Mas, as duas tinham adquirido o mesmo perfil masculinizado. Quando Carla se virou para falar com outra pessoa, fiz a mesma pergunta para Rosa: Por que você cortou o cabelo? Ela respondeu sem pestanejar: “É! É mais fácil de lavar”.
Talvez este fato, tão corriqueiro, seja um sintoma de algo mais sério. Alguns grupos religiosos respondem a uma sociedade consumista, centrada nas vaidades pessoais, no culto exagerado do próprio corpo, na ausência de valores espirituais, indo ao outro extremo. Tratam de negar o próprio corpo, e com isso reforçam o dualismo corpo-alma, corpo e espírito, estética e mística. Com seu estilo de vida, denunciam a superficialidade da corpolatria, mas não o fazem em perspectiva de diálogo com a sociedade contemporânea. No fundo, o esquema é simples: “se o mundo é mau, vamos nos isolar dele”. Se a sociedade contemporânea colocou o estético acima do ético, considerou a aparência do belo acima do que é o bom, vamos afirmar o bem negando o belo.
Ora, por que alguém consagrado a Deus deve ser feio, desajeitado, com mau gosto? É preciso descobrir outra saída. É necessário levar em conta os valores da beleza, do estético, do cuidado com o corpo, mas sem absolutizá-los. Ao percorrer os textos bíblicos do Novo Testamento, escritos em grego, nota-se que o adjetivo “kalós” significa tanto “bom” quanto “belo”. Pois o Deus que se manifesta em Jesus é tão bom é belo também. A beleza mais profunda, que não é meramente cosmética, se radica no bem. Embora historicamente as duas não coincidam sempre, a beleza pode ser uma expressão original da bondade. A estética deve ter uma dimensão ética. Assim, afirmamos que a capacidade humana de construir relações de qualidade, de sonhar e de se engajar em projetos históricos de mudança, é boa e bela. Como canta o compositor nordestino Zé Vicente: “É bonita demais, é bonita demais, a mão de quem conduz a bandeira da paz”.

sábado, 26 de abril de 2008

Quatro telas para ver o mundo


Eu estava num encontro de religiosas, em Salvador. Uma Irmã alemã, muito lúcida, levantou-se e disse: “As nossas jovens hoje vêem o mundo com três telas”. E explicou: A tela do computador, a tela da Televisão... Enquanto ela respirava, passei na mente com rapidez a pergunta: “E qual será a terceira?” Ela acrescentou: “A terceira tela é o espelho”.

Penso que este fenômeno, embora toque mais de perto os jovens, contagia uma parcela crescente da população, inclusive quem lê agora este texto do blog. E cada tela tem um verso e um reverso ético. A informática, especialmente pela Internet, nos abre possibilidades inusitadas de acessar informações de todo o mundo, com rapidez incrível. Favorece a criação de comunidades e redes virtuais, enlaçadas a partir de múltiplos interesses. Com a crescente inclusão digital, a internet possibilita a criação de um planeta de fato global, para além das fronteiras locais. É fantástico ver o mundo com a tela do computador. Abrir múltiplas janelas de edição de texto, jogos, planilhas, clips, edição de fotos....

Mas o mundo virtual tem o seu perigo. Ele pode se tornar um pseudo-mundo, o das simulações, o da imagem que se sobrepõe à realidade e cria um simulado que parece melhor que o real. O cyber-espaço do exibicionismo e das redes de pornografia aprisiona milhares de pessoas. Cria-se um canal de futilidades, uma droga que atordoa as consciências.

Algo semelhante acontece com a tela da TV. Cada vez mais, na sociedade brasileira, o que não aparece na televisão simplesmente não existe. O real é aquilo que se torna movimento visível na telinha. Além disso, a TV é mais elitizada que a Internet, no que diz respeito à produção e divulgação da informação, pois é refém do poder econômico e dos políticos. Em contrapartida, a televisão é um dos poucos espaços baratos de entretenimento. Dramas, comédias, noticiários, documentários, as famosas novelas, tudo isso nos abre também mundos. E nos faz ver o nosso próprio mundo, embora com os olhos dos outros.

Por fim, o espelho, outra tela ambivalente. De um lado, como é bom se ver no espelho, reconhecer-se, olhar a própria face. E, a partir da imagem invertida, poder cuidar de si. De outro lado, o espelho é o instrumento que literalmente define o narcisista. A pessoa narcisista olha para si a partir de si, como se o mundo não passasse dos estreitos espaços de seu próprio umbigo. Com ou sem piercing.

As três telas, do computador, da televisão e do espelho, oferecem riscos e oportunidades. São ambivalentes como quem as criou e delas se alimenta. Talvez o grande problema é que as pessoas olhem o mundo somente com estas telas. O terrível é quando a tela substitui o olhar livre e soberano da pessoa. E quanto mais acessos diversificados tivermos para ver o mundo, mais completo e tolerante será nosso olhar.
Creio que falta, no mínimo, uma quarta tela. O filósofo judeu-francês Emanuel Levinás dizia que o ser humano só se reconhece no olhar do outro. E aí reside o fascínio e as imensas possibilidades da relação interpessoal, que se abre para o comunitário e o social. Reconhecer-se no olhar, no sorriso, nas angústias, nas esperanças que são tecidas nas relações vivas e diretas entre as pessoas é maravilhoso e desafiador. As telas se completam com as teias. As imagens, com as relações vivas e calorosas. Então, faço um convite a você: Vamos ver o mundo com várias telas e tecer muitas teias de vida?

terça-feira, 22 de abril de 2008

Consumir e gozar!


Mônica Bérgamo noticiou na sua coluna da Folha de São Paulo, no dia 14 de abril, que setenta empresárias e socialites se reuniram numa mansão em São Paulo, para ouvir uma palestra do "filósofo do luxo" Silvio Passarelli. Elas assistiram à palestra "O Seu Tempo É o Seu Luxo", em que o economista falou do prazer inigualável do consumo sem grilos ou culpas de qualquer espécie.

Conforme Passarelli, o atual liberalismo inaugurou a era do padrão individual de escolhas. Mas, de nada adianta acumular os bens se não temos tempo para usufruí-los. A grande batalha do século 21 será Consumir e gozar, consumir e gozar! E não estocar". E acrescenta: "Sabe a Imelda Marcos [ex-primeira-dama das Filipinas] e os 500 calçados? Será que ela os conhecia a todos? Será que estabeleceu com cada um deles uma história pessoal?"

Passarelli insiste na idéia de que as pessoas têm que melhorar o seu estoque de tempo. "Vamos perder a vergonha quando alguém perguntar: O que você vai fazer amanhã? Nada! Eu comprei um carro novo e vou passar o dia dedicado a esse brinquedo que eu me proporcionei. É preciso tempo para que o projeto emocional que o levou a adquirir aquele bem possa ser explicitado". Assim, deve-se "gradativamente trocar compromissos inúteis pelos úteis na busca de uma nova ética de consumo, que não seja marcada pela condenação de um produto supérfluo. Ora, quem tem condição de dizer o que é supérfluo? É supérfluo para ele, mas pode ser a diferença entre felicidade e tristeza para outro".

A colunista da Folha comenta que as mulheres aclamaram com euforia as palavras do dito professor e que agora se sentem mais à vontade para consumir o luxo, sem culpa.

As idéias de Passarelli levam a ideologia do consumismo ao seu ápice. Não basta o prazer de comprar. É preciso cultivar o gozo de usufrir, de forma egoísta, dos bens adquiridos. Estranhamente, não se fala, em momento nenhum, do prazer de estar junto com os outros, de estabelecer laços de qualidade, de saborear as coisas simples da vida, de estar aberto ao que é gratuito. O defensor do luxo chega ao absurdo de perguntar se a mulher do ex-ditador das Filipinas, que acumulou imensa riqueza à custa da exploração de seu povo, estabeleceu com um dos seus quinhentos sapatos uma história pessoal. Ora, nenhum ser humano com valores profundos estabelece relação pessoal com sapatos. E sim, com pessoas. Alguém pode gostar de maneira especial de um objeto pessoal e sentir falta dele, mas criar vínculos pessoais, isso é para os relacionamentos.

O consumo de luxo é a manifestação patente da concentração de riqueza, que gera opulência de um lado, e exclusão social de outro. Além de impactar no meio ambiente. Pois quem faz do lema de sua vida o consumo e o gozo não tem no horizonte nem a humanidade, nem o nosso planeta.

A máxima “consumir e gozar. E não estocar!” é a degeneração de algo bom. Aprender a fruir o presente, cultivar a alegria e o gozo, deliciar-se com as pequenas coisas da vida são aspectos enfatizados por grandes místicos e sábios. Um ser humano maduro, espiritualmente evoluído, aproveita bem o tempo, curte as experiências gratificantes e faz memória dos acontecimentos significativos. Há pessoas que se sentem verdadeiramente felizes por serem solidárias, por cuidar do meio ambiente e das outros, especialmente os mais fragilizados, como as crianças, os anciãos e os empobrecidos. Onde reside a diferença? Em perceber que as satisfações não são uma finalidade em si mesma, mas são experimentadas e interpretadas dentro de um projeto de vida que tem uma direção para o Bem. Então, poderemos criar outras máximas, mais conseqüentes, como: Cuidar e fruir! Amar e se alegrar!

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Insetos sociais?


A Edição de 16 de abril da Folha de São Paulo exibe na parte inferior da primeira página uma foto e um comentário que são, no mínimo, causa de incômodo. A imagem retrata no mínimo 15 homens algemados, que segundo a polícia, estariam a serviço do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Basta olhar os detalhes: a grande maioria é afro-descente, e jovem! No primeiro plano da fotografia, em perspectiva aérea, um membro do temido Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia), imortalizado no filme “Tropa de Elite”. E no comentário, se diz que para o comandante de policiamento da cidade, a PM é um inseticida social.

Passei pelo Rio de Janeiro, uns dias antes. A assim chamada “Cidade Maravilhosa” recebeu o apelido de “Cidade da Dengue”. Havia, de fato, uma epidemia. Estranhamente, o poder local, inepto para tratar do “inseto literal”, o mosquito que causa a dengue, se acha no direito de tratar seres humanos como “insetos sociais”. A coisa não é tão simples assim. Sabemos que muitas pessoas envolvidas no tráfico de drogas foram vítimas e agora são protagonistas de processos de complexos violência e exclusão social. Ao mesmo tempo que é preciso punir a contravenção, é necessário promover pessoas e grupos, alimentar a esperança da juventude, abrir perspectivas de vida para os pobres.

Na minha estada no Rio de Janeiro, estive com um grupo de cinqüenta pessoas, religiosas(os) e leigos que atuam em centros sócio-educativos com crianças e jovens em situação de risco pessoal e social. Chamou-me a atenção o depoimento de uma Irmã, que, com alegria, apresentou dois jovens afro-descendentes, que tinham sido educandos de determinada “Obra Social”. Eles agora atuam como educadores junto a outros jovens. Felizmente, para eles, a abordagem não foi a da inseticida. Em vez insetos sociais, foram considerados como pessoas humanas, com o grande potencial que tinham a desenvolver. O resultado, é uma outra foto. Não a de jovens amarrados e sem perpectiva. E sim, de pessoas que semeiam esperança e cidadania. Amém!

segunda-feira, 31 de março de 2008

A Escola católica é viável?


Era uma vez um casarão antigo e vistoso, perto de uma cidade do interior. Havia sido construído com muito esforço e carinho por uma família de fazendeiros, coordenado por “Seu Fernando”. Tinha muitos quartos amplos, com belas e largas janelas de madeira. O enorme pé direito dava a todos uma noção de grandeza, de espaço quase infinito. E no verão, enquanto lá fora era quente e úmido, dentro de casa circulava um ar agradável. Na cozinha, o fogão de lenha era um símbolo de aconchego. Ocasionava que todos se reunissem em torno ao fogo, nas frias noites de inverno. E lá se contavam histórias, estouravam-se pipocas e se comia milho e batata doce assados. Na varanda havia muitos vasos de plantas, cultivados por Dona Joana. No quintal, horta bem protegida fornecia verduras e legumes frescos e saudáveis. Algumas vaquinhas asseguravam o leite e o queijo. E no terreiro, pássaros, galinhas e patos entoavam sinfonias alegres e múltiplas.

Aquela casa tinha tudo para se prolongar no tempo: consistência de material, pessoas, alimento, muito espaço e beleza. Mas os filhos foram crescendo e se mudaram para a capital. Seu Fernando e Dona Joana envelheceram e não davam conta de cuidar da casa. Quanto trabalho para manter tudo limpo, cuidar da horta e zelar dos animais! E afinal, casa grande e vazia não tem graça. Acaba se transformando em um peso difícil de carregar.

Muitas escolas católicas se assemelham a esse casarão de fazenda. São belas e vistosas, impressionam pela estrutura física, mas estão cada vez mais vazias. Remetem a algo do passado, a uma tradição que enche de orgulho os ex-alunos, mas parece dizer pouco para as novas gerações. A crescente perda de alunos é um fato incontestável. Gestores e educadores olham perplexos para esta situação, considerando-a como uma fatalidade, um destino irreversível.

Acredito que as escolas são viáveis, desde que superem o amadorismo e adotem uma gestão profissional que seja coerente com seu carisma e espiritualidade. É necessário colocar em prática princípios básicos da gestão, considerando a originalidade da escola católica e suas múltiplas tarefas: socializar e sistematizar o conhecimento, educar as novas gerações, reelaborar a cultura, evangelizar e formar cidadãos planetários.

Para saber mais, veja o meu livro “Gestão e Espiritualidade” (Paulinas, 2007).