Deus é tão grande que se fez pequeno,
para estar mais próximo de nós.
Alegremo-nos com Ele, o Deus-conosco,
o Deus que faz sua morada neste mundo.
Cantemos louvores ao Criador,
que no seu Filho encarnado santifica todas as suas criaturas:
a água, o ar, o solo, os microorganismos, as plantas,
os animais, a humanidade e a história.
Desejo a você um Natal feliz e um ano novo com esperança renovada.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Memória e indignação
Recente pesquisa da Datafolha aponta que grande parte dos brasileiros desconhece o AI-5, instrumento utilizado pelo regime militar, há 40 anos atrás, para suspender as liberdades democráticas e conceder força extraordinária aos donos do poder. Na época, eu tinha 10 anos. Meu pai, um homem notadamente conservador, acolheu o dito “Ato Institucional Número 5” como um remédio salvador para nação, frente ao perigo do comunismo.
Recordo-me do que veio depois: o clima de perseguição e de medo, o aniquilamento da cidadania. Qualquer um que ousasse levantar a cabeça era classificado como “subversivo”. O golpe de estado recebeu o belo nome de “Revolução de 31 de março”. Estudávamos Educação Moral e Cívica na Escola e cultivávamos a ilusão de que “ninguém segura mais este país”. Houve atrocidades, torturas, assassinatos e desaparecidos. Felizmente, isso acabou. Parece que houve um “perdão do passado”, para além da anistia política. Guardaram-se poucas marcas deste tempo terrível, com exceção de familiares de vítimas diretamente envolvidas.
Estamos colhendo frutos remotos deste tempo de inconsciência política. A geração nascida depois de 68 não desenvolveu o senso de cidadania, de luta e de reivindicação, como a anterior. Após duros golpes, o movimento estudantil não conseguiu recuperar seu vigor. Perdeu-se numa multiplicidade de tendências políticas, algumas delas anacrônicas. O movimento sindical, após ressurgir ao final da década de 70, com a greve do ABC, também dá mostras de perda de vitalidade. Hoje, engajar-se em movimentos populares, aderir a iniciativas sócio-ambientais e tomar parte em lutas cidadãs se tornou mais desafiador ainda. Uma aventura para poucos.
Parece que perdemos a memória. E com ela, a indignação. Ora, sem memória e indignação não há mudança. O compositor Geraldo Vandré, um ícone da arte engajada nos tempos de 68, compôs após a prisão e a tortura uma música que começa assim: “Maria, me dê memória. Depois, se puder, perdão”. Aliás, o perdão não pode ser confundido com inconsciência, esquecimento, ou qualquer outra alternativa escapista que serve para premiar os dominadores e manter a situação de injustiça.
Neste contexto, é importante redescobrir a figura dos profetas da bíblia.
Os profetas diziam que o remédio para a iniqüidade social não era o esquecimento, e sim a justiça. Na tradição judaica, essa palavra era algo mais do que a realidade forense ou legal de dar a cada um o que ele merece. A justiça significava simultaneamente conversão das pessoas e das estruturas, atitudes individuais e ações coletivas, criação de novas relações. Ao mesmo tempo em que os profetas anunciavam a misericórdia e o perdão de Deus, mantinham a indignação e a consciência social. Este critério era tão decisivo, que questionava até a própria religião. Assim Isaías denuncia a religiosidade vazia e alienante: “Esse povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. E proclama: “Aprendam a fazer o bem. Procurem a justiça, defendam o direito do fraco” (Is 1,17).
Hoje, em diversos canais de TV ou de rádio, se escutam preces de pregadores, pastores e padres. Por que se pede a Deus somente milagres, curas e prosperidade pessoal? Por que as pessoas são mobilizadas somente para resolver o seu problema? É tempo de suplicar: Senhor, dá-nos memória e indignação! É também momento de cultivar a memória e despertar as consciências para ação coletivas. Assim, a memória tece o fio da história. E a indignação ética mobiliza as forças transformadoras.
Recordo-me do que veio depois: o clima de perseguição e de medo, o aniquilamento da cidadania. Qualquer um que ousasse levantar a cabeça era classificado como “subversivo”. O golpe de estado recebeu o belo nome de “Revolução de 31 de março”. Estudávamos Educação Moral e Cívica na Escola e cultivávamos a ilusão de que “ninguém segura mais este país”. Houve atrocidades, torturas, assassinatos e desaparecidos. Felizmente, isso acabou. Parece que houve um “perdão do passado”, para além da anistia política. Guardaram-se poucas marcas deste tempo terrível, com exceção de familiares de vítimas diretamente envolvidas.
Estamos colhendo frutos remotos deste tempo de inconsciência política. A geração nascida depois de 68 não desenvolveu o senso de cidadania, de luta e de reivindicação, como a anterior. Após duros golpes, o movimento estudantil não conseguiu recuperar seu vigor. Perdeu-se numa multiplicidade de tendências políticas, algumas delas anacrônicas. O movimento sindical, após ressurgir ao final da década de 70, com a greve do ABC, também dá mostras de perda de vitalidade. Hoje, engajar-se em movimentos populares, aderir a iniciativas sócio-ambientais e tomar parte em lutas cidadãs se tornou mais desafiador ainda. Uma aventura para poucos.
Parece que perdemos a memória. E com ela, a indignação. Ora, sem memória e indignação não há mudança. O compositor Geraldo Vandré, um ícone da arte engajada nos tempos de 68, compôs após a prisão e a tortura uma música que começa assim: “Maria, me dê memória. Depois, se puder, perdão”. Aliás, o perdão não pode ser confundido com inconsciência, esquecimento, ou qualquer outra alternativa escapista que serve para premiar os dominadores e manter a situação de injustiça.
Neste contexto, é importante redescobrir a figura dos profetas da bíblia.
Os profetas diziam que o remédio para a iniqüidade social não era o esquecimento, e sim a justiça. Na tradição judaica, essa palavra era algo mais do que a realidade forense ou legal de dar a cada um o que ele merece. A justiça significava simultaneamente conversão das pessoas e das estruturas, atitudes individuais e ações coletivas, criação de novas relações. Ao mesmo tempo em que os profetas anunciavam a misericórdia e o perdão de Deus, mantinham a indignação e a consciência social. Este critério era tão decisivo, que questionava até a própria religião. Assim Isaías denuncia a religiosidade vazia e alienante: “Esse povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”. E proclama: “Aprendam a fazer o bem. Procurem a justiça, defendam o direito do fraco” (Is 1,17).
Hoje, em diversos canais de TV ou de rádio, se escutam preces de pregadores, pastores e padres. Por que se pede a Deus somente milagres, curas e prosperidade pessoal? Por que as pessoas são mobilizadas somente para resolver o seu problema? É tempo de suplicar: Senhor, dá-nos memória e indignação! É também momento de cultivar a memória e despertar as consciências para ação coletivas. Assim, a memória tece o fio da história. E a indignação ética mobiliza as forças transformadoras.
sábado, 13 de dezembro de 2008
Sim, é possível
Desde que a crise econômica tomou conta dos mercados mundiais, os governos se mobilizam para conter ao máximo possível a temida recessão. Algumas medidas, no entanto, chamam a atenção de qualquer cidadão conectado com o mundo. Algo está errado, pois o remédio proposto está contaminado pela mesma causa da doença. Os governos, inclusive o do Brasil, continuam alimentando o capital financeiro, que é o pivô da crise. Liberam enorme quantidade de recursos para os bancos e intervêm nas bolsas. Ora, “os senhores do mundo” esqueceram-se rapidamente de um dogma fundamental do neoliberalismo: a “mão invisível do mercado” iria controlar suas distorções. Hoje temos clareza que a tal mão pode ser invisível, mas é muito ativa: surrupia, explora e concentra.
Nas medidas anunciadas recentemente pelo governo brasileiro, visando aumentar o consumo, não se tocou na taxa de juros, um mecanismo perverso que favorece o capital financeiro, à custa do capital produtivo e do bem de toda a população. Como no Brasil os pobres só podem comprar à prestação, acabam pagando mais. E muito mais... Clóvis Rossi, em artigo da Folha de São Paulo de 12 de dezembro, diz: “Lula terceirizou a política econômica para Meirelles, que faz o que bem entende com os juros. Foi a maneira que encontrou para acalmar as piranhas do mercado financeiro, as únicas que podem desestabilizar um governo que não lhes dê o sangue que pedem insaciavelmente”. Então, vejam só, o mercado financeiro não tem somente mãos enormes para capturar, mas também dentes afiados e vorazes.
Nesta mesma semana aconteceu um encontro internacional sobre mudanças climáticas, na Polônia. É evidente que a humanidade, como um todo, necessita reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Se não fizer isso logo, haverá perda de biodiversidade, diminuição da qualidade de vida, redução da área cultivável para agricultura, aumento dos fenômenos extremos de tempestades e secas etc. Ou será que já esquecemos, em tão curto de espaço de tempo, o que aconteceu recentemente em Santa Catarina? Mas, os interesses imediatos do poder econômico freiam as iniciativas e levam a reduzir as metas.
Entre as medidas adotadas pelos governos, visando a vitalidade da economia, está o socorro às indústrias automobilísticas e o estímulo à compra de carros novos. Ora, a emissão de gases dos veículos automotivos é um dos fatores responsáveis pelo aquecimento global. Além disso, com o aumento da frota em circulação, gera-se um caos no trânsito das grandes cidades, que impacta na saúde da população e diminui a produtividade da economia. Então, é uma ação que favorece a destruição do meio ambiente, não visa a inclusão social, e em longo prazo tem um custo econômico.
Os recentes estudos de Valoração Ambiental e de Economia Ambiental mostram que é falso o dilema: desenvolvimento x ecologia. Os governos poderiam estimular a economia de outras formas, favorecendo ao mesmo tempo a equidade social e a sustentabilidade ecológica. Por exemplo, há no Brasil um enorme déficit de habitação, e moradia é direito básico do ser humano. Incentivar a construção civil, não somente através das grandes construtoras, mas também promovendo empreendedores coletivos, aqueceria o mercado de trabalho e responderia de forma clara a uma necessidade do país, especialmente dos mais pobres. Além disso, se estimulasse a formação de cadeias produtivas ecologicamente sustentáveis, geraria oportunidades de trabalho e contribuiria para manter aquecida a economia.
As soluções existem. Um mundo diferente deste que está aí, submetido a mãos invisíveis e dentes vorazes, é cada vez mais possível e necessário, como proclama o Fórum Social Mundial. Sim, é possível! Com outras mãos e outros corações.
Nas medidas anunciadas recentemente pelo governo brasileiro, visando aumentar o consumo, não se tocou na taxa de juros, um mecanismo perverso que favorece o capital financeiro, à custa do capital produtivo e do bem de toda a população. Como no Brasil os pobres só podem comprar à prestação, acabam pagando mais. E muito mais... Clóvis Rossi, em artigo da Folha de São Paulo de 12 de dezembro, diz: “Lula terceirizou a política econômica para Meirelles, que faz o que bem entende com os juros. Foi a maneira que encontrou para acalmar as piranhas do mercado financeiro, as únicas que podem desestabilizar um governo que não lhes dê o sangue que pedem insaciavelmente”. Então, vejam só, o mercado financeiro não tem somente mãos enormes para capturar, mas também dentes afiados e vorazes.
Nesta mesma semana aconteceu um encontro internacional sobre mudanças climáticas, na Polônia. É evidente que a humanidade, como um todo, necessita reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Se não fizer isso logo, haverá perda de biodiversidade, diminuição da qualidade de vida, redução da área cultivável para agricultura, aumento dos fenômenos extremos de tempestades e secas etc. Ou será que já esquecemos, em tão curto de espaço de tempo, o que aconteceu recentemente em Santa Catarina? Mas, os interesses imediatos do poder econômico freiam as iniciativas e levam a reduzir as metas.
Entre as medidas adotadas pelos governos, visando a vitalidade da economia, está o socorro às indústrias automobilísticas e o estímulo à compra de carros novos. Ora, a emissão de gases dos veículos automotivos é um dos fatores responsáveis pelo aquecimento global. Além disso, com o aumento da frota em circulação, gera-se um caos no trânsito das grandes cidades, que impacta na saúde da população e diminui a produtividade da economia. Então, é uma ação que favorece a destruição do meio ambiente, não visa a inclusão social, e em longo prazo tem um custo econômico.
Os recentes estudos de Valoração Ambiental e de Economia Ambiental mostram que é falso o dilema: desenvolvimento x ecologia. Os governos poderiam estimular a economia de outras formas, favorecendo ao mesmo tempo a equidade social e a sustentabilidade ecológica. Por exemplo, há no Brasil um enorme déficit de habitação, e moradia é direito básico do ser humano. Incentivar a construção civil, não somente através das grandes construtoras, mas também promovendo empreendedores coletivos, aqueceria o mercado de trabalho e responderia de forma clara a uma necessidade do país, especialmente dos mais pobres. Além disso, se estimulasse a formação de cadeias produtivas ecologicamente sustentáveis, geraria oportunidades de trabalho e contribuiria para manter aquecida a economia.
As soluções existem. Um mundo diferente deste que está aí, submetido a mãos invisíveis e dentes vorazes, é cada vez mais possível e necessário, como proclama o Fórum Social Mundial. Sim, é possível! Com outras mãos e outros corações.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
Novidade
Comecei outro blog.
Ele trata especificamente de Maria, a mãe de Jesus.
Destina-se a aqueles(as) que se interessam em conhecer mais essa mulher especial, na perspectiva da teologia cristã atual.
Apresenta textos mais extensos, para possibilitar estudo, reflexão e comentários, além de poder contribuir na evangelização de grupos.
Quero abrir um diálogo com cristãos de outras igrejas e também de diferentes religiões.
Faça uma visita lá:
domingo, 23 de novembro de 2008
A força da fragilidade
Faz mais de 10 anos. A experiência ainda me soa forte no coração, como se tivesse acontecido nesta manhã. Fui visitar Assis, a bela cidade de Francisco e Clara. Era um momento desfavorável: numa segunda-feira, em meio a um vento frio e cortante de outono, meses após o terremoto que destruiu casas e abalou os templos.
Assis retratava, neste cenário de aparente desolação, uma beleza sem par, que não encontrei nas outras vezes que lá estive em peregrinação. Devido aos efeitos do terremoto, muitas igrejas estavam interditadas para restauração, lojas fechadas, e a cidade, vazia de turistas. Pude então percorrer os belos becos medievais em silêncio, escutar o som das águas no chafariz e nas fontes, distinguir o ruído típico do revoar de pássaros. Nada de comércio, de barulho, de gente dispersa.
De repente, o sol saiu tímido do meio das nuvens. Caminhei em direção à basílica de Santa Maria dos Anjos, localizada na parte baixa da cidade. Lá se encontram “uma igreja dentro da outra”. No centro da basílica está uma capelinha, antiga e rústica, que Francisco reformou, com seus companheiros. Ali ele celebrou momentos de crise, de descobertas e encontros. Muitos anos depois, construíram à volta de capelinha uma basílica, bela e alta. Ao me aproximar de “Santa Maria dos Anjos”, encontrei um sinal de advertência: “proibido ultrapassar”. Então percebi que a enorme cúpula da igreja ruíu e parte do material caiu. Mas a capelinha da porciúncula estava lá, de pé, do mesmo jeito. Resistiu ao terremoto sem sofrer danos.
Aquela imagem foi uma parábola para mim. A capelinha de Francisco, simples e pobre, permaneceu, apesar dos tremores do tempo. A grande basílica, bela, alta e ostentosa, não. Creio que neste momento da história as Igrejas cristãs devem aprender esta lição. Embora tenham que recorrer a muitos meios modernos para evangelizar, seu sustentáculo não está aí, mas em seguir a Jesus. Seu tesouro não reside no número de fiéis, no tamanho dos templos, na complexidade de suas instituições, ou no domínio da mídia. É na simplicidade, na busca do essencial, na presença solidária junto “aos últimos”, no espírito de diálogo e serviço à sociedade que reside sua riqueza perene. Esta aparente pobreza tem uma riqueza, que como diz Jesus, “nem o ladrão rouba, nem a traça corrói”. Pois, onde estiver o seu tesouro, aí estará o seu coração.
Assis retratava, neste cenário de aparente desolação, uma beleza sem par, que não encontrei nas outras vezes que lá estive em peregrinação. Devido aos efeitos do terremoto, muitas igrejas estavam interditadas para restauração, lojas fechadas, e a cidade, vazia de turistas. Pude então percorrer os belos becos medievais em silêncio, escutar o som das águas no chafariz e nas fontes, distinguir o ruído típico do revoar de pássaros. Nada de comércio, de barulho, de gente dispersa.
De repente, o sol saiu tímido do meio das nuvens. Caminhei em direção à basílica de Santa Maria dos Anjos, localizada na parte baixa da cidade. Lá se encontram “uma igreja dentro da outra”. No centro da basílica está uma capelinha, antiga e rústica, que Francisco reformou, com seus companheiros. Ali ele celebrou momentos de crise, de descobertas e encontros. Muitos anos depois, construíram à volta de capelinha uma basílica, bela e alta. Ao me aproximar de “Santa Maria dos Anjos”, encontrei um sinal de advertência: “proibido ultrapassar”. Então percebi que a enorme cúpula da igreja ruíu e parte do material caiu. Mas a capelinha da porciúncula estava lá, de pé, do mesmo jeito. Resistiu ao terremoto sem sofrer danos.
Aquela imagem foi uma parábola para mim. A capelinha de Francisco, simples e pobre, permaneceu, apesar dos tremores do tempo. A grande basílica, bela, alta e ostentosa, não. Creio que neste momento da história as Igrejas cristãs devem aprender esta lição. Embora tenham que recorrer a muitos meios modernos para evangelizar, seu sustentáculo não está aí, mas em seguir a Jesus. Seu tesouro não reside no número de fiéis, no tamanho dos templos, na complexidade de suas instituições, ou no domínio da mídia. É na simplicidade, na busca do essencial, na presença solidária junto “aos últimos”, no espírito de diálogo e serviço à sociedade que reside sua riqueza perene. Esta aparente pobreza tem uma riqueza, que como diz Jesus, “nem o ladrão rouba, nem a traça corrói”. Pois, onde estiver o seu tesouro, aí estará o seu coração.
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
O sino e o microfone
Numa paróquia central de grande cidade, cercada de prédios comerciais e alguns edifícios residenciais, o padre resolveu comprar uns enormes sinos e colocá-los na torre da igreja.
Durante a reunião do conselho paroquial, o jovem sacerdote comunicou sua decisão aos leigos. A perplexidade tomou conta do grupo. “O senhor ganhou os sinos de presente?”, perguntou um bajulador, para tentar dissipar o mal estar. O padre lhe respondeu: “Não, absolutamente. Eles virão da Itália. Vamos pagá-los com o dinheiro do caixa da paróquia. E vai custar....”. Quando os leigos escutaram o preço, veio um sentimento de indignação.
Seu Pedro, homem sensato, pediu a palavra: “Padre João! Eu creio que nós devemos pensar sobre o que irá trazer bem maior para os nossos paroquianos. O sino pode ser bonito e vistoso, mas aqui, no centro da cidade, ninguém vai ouvi-lo. Vai ficar como um objeto de enfeite”. A discussão continuou acalorada. Alguns defendiam a compra dos sinos, lembrando com saudades dos bons tempos em que moravam no interior e os sinos ecoavam por todo o vilarejo.
Então Dona Mariana, que coordena a equipe de liturgia, disse: “Faz quase um ano que pedimos para melhorar o som da nossa Igreja. Os técnicos mostraram que o microfone está velho, o amplificador é fraco e as duas caixas acústicas são insuficientes para alcançar as 500 pessoas que vêm às missas dominicais. Fizemos três orçamentos, mas não tomamos a decisão. Proponho que, com esse dinheiro, renovemos o nosso sistema de som. O sino pode esperar. O som, não. Afinal, o povo precisa compreender o que se diz na missa, para celebrar bem e alimentar sua fé!”. Fez-se um longo silêncio. E após muita discussão, o padre e o conselho decidiram instalar um novo sistema de som da Igreja.
Este fato revela como gestão e espiritualidade estão presentes no cotidiano da ação evangelizadora. Sob o ângulo da gestão, é fundamental “manter o foco no seu público-alvo”. Os investimentos e os recursos devem ser dirigidos, em primeiro lugar, para as atividades que beneficiem diretamente seus interlocutores e tragam resultados visíveis. Neste caso, um sistema de som eficiente visa melhorar a comunicação e aumentar o envolvimento da comunidade nas celebrações litúrgicas. Um sino tem seu lugar, mas neste momento não é prioritário. Ser gestor significa continuamente fazer escolhas, ponderar antes das decisões, levar em conta a relação custo x benefício. Uma gestão participativa tem possibilidade de ser mais eficaz, pois reúne diferentes pontos de vista, para alcançar melhores resultados.
Olhando o mesmo fato, sob o ângulo da espiritualidade, dizemos: o que orienta ação da Igreja é o desejo de que Jesus seja conhecido, amado e seguido. O foco na evangelização leva a edificar a Igreja como comunidade de irmãos e irmãs. Por isso, as decisões são amadurecidas à luz da fé, na escuta dos apelos do Espírito de Deus na nossa realidade. O discernimento leva a purificar as motivações e a buscar “o maior bem possível” da comunidade cristã.Assim, a espiritualidade ilumina as mentes e os corações no âmbito das motivações e dos valores, enquanto a gestão serve para alcançar resultados, com eficácia.
Durante a reunião do conselho paroquial, o jovem sacerdote comunicou sua decisão aos leigos. A perplexidade tomou conta do grupo. “O senhor ganhou os sinos de presente?”, perguntou um bajulador, para tentar dissipar o mal estar. O padre lhe respondeu: “Não, absolutamente. Eles virão da Itália. Vamos pagá-los com o dinheiro do caixa da paróquia. E vai custar....”. Quando os leigos escutaram o preço, veio um sentimento de indignação.
Seu Pedro, homem sensato, pediu a palavra: “Padre João! Eu creio que nós devemos pensar sobre o que irá trazer bem maior para os nossos paroquianos. O sino pode ser bonito e vistoso, mas aqui, no centro da cidade, ninguém vai ouvi-lo. Vai ficar como um objeto de enfeite”. A discussão continuou acalorada. Alguns defendiam a compra dos sinos, lembrando com saudades dos bons tempos em que moravam no interior e os sinos ecoavam por todo o vilarejo.
Então Dona Mariana, que coordena a equipe de liturgia, disse: “Faz quase um ano que pedimos para melhorar o som da nossa Igreja. Os técnicos mostraram que o microfone está velho, o amplificador é fraco e as duas caixas acústicas são insuficientes para alcançar as 500 pessoas que vêm às missas dominicais. Fizemos três orçamentos, mas não tomamos a decisão. Proponho que, com esse dinheiro, renovemos o nosso sistema de som. O sino pode esperar. O som, não. Afinal, o povo precisa compreender o que se diz na missa, para celebrar bem e alimentar sua fé!”. Fez-se um longo silêncio. E após muita discussão, o padre e o conselho decidiram instalar um novo sistema de som da Igreja.
Este fato revela como gestão e espiritualidade estão presentes no cotidiano da ação evangelizadora. Sob o ângulo da gestão, é fundamental “manter o foco no seu público-alvo”. Os investimentos e os recursos devem ser dirigidos, em primeiro lugar, para as atividades que beneficiem diretamente seus interlocutores e tragam resultados visíveis. Neste caso, um sistema de som eficiente visa melhorar a comunicação e aumentar o envolvimento da comunidade nas celebrações litúrgicas. Um sino tem seu lugar, mas neste momento não é prioritário. Ser gestor significa continuamente fazer escolhas, ponderar antes das decisões, levar em conta a relação custo x benefício. Uma gestão participativa tem possibilidade de ser mais eficaz, pois reúne diferentes pontos de vista, para alcançar melhores resultados.
Olhando o mesmo fato, sob o ângulo da espiritualidade, dizemos: o que orienta ação da Igreja é o desejo de que Jesus seja conhecido, amado e seguido. O foco na evangelização leva a edificar a Igreja como comunidade de irmãos e irmãs. Por isso, as decisões são amadurecidas à luz da fé, na escuta dos apelos do Espírito de Deus na nossa realidade. O discernimento leva a purificar as motivações e a buscar “o maior bem possível” da comunidade cristã.Assim, a espiritualidade ilumina as mentes e os corações no âmbito das motivações e dos valores, enquanto a gestão serve para alcançar resultados, com eficácia.
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Falta um pecado!
Vanderlei, jovem padre recém-ordenado, é chamado para atender os jovens crismandos da comunidade, no sacramento da reconciliação. Acolhe com paciência e alegria cada um dos quase 50 adolescentes e jovens. Para sua surpresa, apesar de grande diversidade de expressões, roupas e tipos físicos, os jovens relatam praticamente os mesmos pecados. Ele fica sem entender. Pensa consigo mesmo: “Dizem que o mundo de hoje é tão plural, que as pessoas pensam diferente, mas aqui é tudo muito igual...”
Antes da missa de domingo à noite, aproxima-se dele um adolescente de cabelos longos, barba rala, brinco na orelha, e um vivo olhar. Um pouco acanhado, Anderson lhe diz:
Antes da missa de domingo à noite, aproxima-se dele um adolescente de cabelos longos, barba rala, brinco na orelha, e um vivo olhar. Um pouco acanhado, Anderson lhe diz:
- Padre Vanderlei, eu esqueci um pecado da lista. Falta um pecado.
- Que lista?
- A lista dos pecados, que a catequista deu para gente.
Vanderlei se contém e nada fala. No fim de semana seguinte, convida Anderson para uma conversa. Após momentos descontraídos, que serviram para iniciar uma relação de confiança, o padre lhe pergunta:
- Que lista?
- A lista dos pecados, que a catequista deu para gente.
Vanderlei se contém e nada fala. No fim de semana seguinte, convida Anderson para uma conversa. Após momentos descontraídos, que serviram para iniciar uma relação de confiança, o padre lhe pergunta:
-O que você achou da lista de pecados?
Anderson pensa um pouco, olha nos seus olhos. Então acontece um diálogo:
- Véio, posso ser sincero? Acho horrível! Se eu contar para meus amigos, eles não vão acreditar que hoje tem uma lista dessas. Eles (os catequistas) tratam a gente de maneira infantil. Eu não preciso de lista de coisas erradas. Eu sei que tem muitos jovens por aí que estão perdidos, sem rumo, já não sabem o que é certo ou errado. Mas, uma lista destas é ridícula!
- Se você fosse o catequista, o que faria?
- Pô, gostei da sua pergunta, padre. Isso é que está faltando na catequese da crisma. Elas não perguntavam nada para gente. Já traziam as respostas prontas. Imaginavam que a gente não tem nada na cabeça.
- Então, o que você faria? (insiste Padre Vanderlei).
- A gente não quer regras para engolir goela abaixo. Eu faria a “lista de pecados” junto com a galera. Eu daria algumas dicas para a conversa não se perder, e questionaria muito, para que pensassem nas suas atitudes.
- Gostei do que você disse! Então você pensa que as pessoas precisam de critérios para julgar, não de listas prontas. O pecado existe, mas ele não é o mais importante na vida cristã.
- Isso! Não agüento este povo que só fica enchendo a nossa cabeça de culpa. Eu acho que precisamos fazer também outra lista. Uma lista aberta. A lista da “corrente do bem”, das coisas que nós podemos fazer para mudar este mundo. Dá até para começar uma comunidade no Orkut! A Igreja tem que mostrar pra gente que é melhor fazer as coisas certas, ser criativo, estar linkado com o bem, do que estar nessa neura de pecado prá todo lado. Ser santo não é ser bobo!
- Véio, posso ser sincero? Acho horrível! Se eu contar para meus amigos, eles não vão acreditar que hoje tem uma lista dessas. Eles (os catequistas) tratam a gente de maneira infantil. Eu não preciso de lista de coisas erradas. Eu sei que tem muitos jovens por aí que estão perdidos, sem rumo, já não sabem o que é certo ou errado. Mas, uma lista destas é ridícula!
- Se você fosse o catequista, o que faria?
- Pô, gostei da sua pergunta, padre. Isso é que está faltando na catequese da crisma. Elas não perguntavam nada para gente. Já traziam as respostas prontas. Imaginavam que a gente não tem nada na cabeça.
- Então, o que você faria? (insiste Padre Vanderlei).
- A gente não quer regras para engolir goela abaixo. Eu faria a “lista de pecados” junto com a galera. Eu daria algumas dicas para a conversa não se perder, e questionaria muito, para que pensassem nas suas atitudes.
- Gostei do que você disse! Então você pensa que as pessoas precisam de critérios para julgar, não de listas prontas. O pecado existe, mas ele não é o mais importante na vida cristã.
- Isso! Não agüento este povo que só fica enchendo a nossa cabeça de culpa. Eu acho que precisamos fazer também outra lista. Uma lista aberta. A lista da “corrente do bem”, das coisas que nós podemos fazer para mudar este mundo. Dá até para começar uma comunidade no Orkut! A Igreja tem que mostrar pra gente que é melhor fazer as coisas certas, ser criativo, estar linkado com o bem, do que estar nessa neura de pecado prá todo lado. Ser santo não é ser bobo!
Vanderlei pôs a mão no queixo. Seu semblante ficou sério. Depois, veio um discreto sorriso. Percebeu que tinha muito que aprender! Este foi um sinal para a sua vocação. Como Padre, ele não seria simplesmente o ministro do altar e do púlpito, e sim um pastor e companheiro dos jovens. E sobretudo, um agente de mudanças, junto com os leigos. Era o começo de uma fascinante missão.
domingo, 26 de outubro de 2008
Olhar encantado
Terça-feira de manhã, no Parque das Mangabeiras. Sopra o vento frio de agosto. O sol, estrela adormecida, lança alguns tímidos raios entre as nuvens. Silêncio da natureza, no inverno que gesta a primavera. De repente, chega o grupo de crianças de uma escola pública. Elas correm em direção à Praça das Águas. Apontam os dedos para os peixinhos. Movem-se de um lado para o outro. Entusiasmam-se ao ver as carpas que, tranqüilamente, passeiam pelas águas frias. “Olha lá, que bonito! Quero levar para casa!”... Os seus olhos brilham e brotam sorrisos nos lábios. Um, mais curioso, observa atentamente os peixes e se concentra como se estivesse conversando com eles.
O funcionário do Parque abre o registro das fontes. Quando as águas começam a jorrar para o alto, as crianças entoam um coro espontâneo: “Vivaaa!”. O contentamento se transmuta em euforia. Algumas, mais afoitas, aproveitam-se do vento e se posicionam no lugar aonde podem provar os respingos no rosto e nos braços. Parece que ao ver tanta alegria, até o sol se desperta e vem esquentar o ambiente. Um menino descobre que sobraram alguns grãos de ração para peixes nos espaços do mosaico da calçada. Cuidadosamente, ele e seus companheiros garimpam aquelas migalhas, como se fossem uma preciosidade. Então, lançam na água o alimento e os peixes se aproximam mais. A alegria contagiante nutre a todos.
Jesus, no evangelho, nos diz que o Reino de Deus está reservado para quem tem coração de criança. Ou seja, homens e mulheres capazes de manter o encantamento com a vida, de alegrar-se com as coisas pequenas da existência. Este é um dos segredos para a gente ser feliz e descobrir quantas maravilhas Deus realiza por nós e em nós. Aqui se encontra uma das vertentes mais significativas da simplicidade. Ela nasce de um coração de criança, que exercita a alegria e a gratidão. Infelizes dos pessimistas, dos carrancudos, dos perfeccionistas e ambiciosos! Felizes dos que saboreiam os dons da existência e celebram as belezas que Deus lhes concede, a cada dia!
Recordo-me de um irmão marista que já tem mais de 80 anos. Ele faz questão de mostrar as roseiras que cultiva com carinho ou as verduras da horta. Fala com alegria destas coisas pequenas e partilha sua existência com o encantamento de 25 anos atrás, quando o conheci. Este homem tem o mesmo olhar da criança que olha o peixinho. Mantém no coração a alegria e a gratuidade.Quantos sinais da bondade e do amor de Deus recebemos cada dia. Às vezes, Ele nos brinda com alguns fatos especiais. Como somos amados pelo Senhor. É bom cultivar o olhar de criança, que se encanta e se alegra, com tantas graças!
O funcionário do Parque abre o registro das fontes. Quando as águas começam a jorrar para o alto, as crianças entoam um coro espontâneo: “Vivaaa!”. O contentamento se transmuta em euforia. Algumas, mais afoitas, aproveitam-se do vento e se posicionam no lugar aonde podem provar os respingos no rosto e nos braços. Parece que ao ver tanta alegria, até o sol se desperta e vem esquentar o ambiente. Um menino descobre que sobraram alguns grãos de ração para peixes nos espaços do mosaico da calçada. Cuidadosamente, ele e seus companheiros garimpam aquelas migalhas, como se fossem uma preciosidade. Então, lançam na água o alimento e os peixes se aproximam mais. A alegria contagiante nutre a todos.
Jesus, no evangelho, nos diz que o Reino de Deus está reservado para quem tem coração de criança. Ou seja, homens e mulheres capazes de manter o encantamento com a vida, de alegrar-se com as coisas pequenas da existência. Este é um dos segredos para a gente ser feliz e descobrir quantas maravilhas Deus realiza por nós e em nós. Aqui se encontra uma das vertentes mais significativas da simplicidade. Ela nasce de um coração de criança, que exercita a alegria e a gratidão. Infelizes dos pessimistas, dos carrancudos, dos perfeccionistas e ambiciosos! Felizes dos que saboreiam os dons da existência e celebram as belezas que Deus lhes concede, a cada dia!
Recordo-me de um irmão marista que já tem mais de 80 anos. Ele faz questão de mostrar as roseiras que cultiva com carinho ou as verduras da horta. Fala com alegria destas coisas pequenas e partilha sua existência com o encantamento de 25 anos atrás, quando o conheci. Este homem tem o mesmo olhar da criança que olha o peixinho. Mantém no coração a alegria e a gratuidade.Quantos sinais da bondade e do amor de Deus recebemos cada dia. Às vezes, Ele nos brinda com alguns fatos especiais. Como somos amados pelo Senhor. É bom cultivar o olhar de criança, que se encanta e se alegra, com tantas graças!
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
51
Jesus, meu mestre e Senhor!
Hoje, novamente, como Pedro, coloco-me à beira do lago (Jo 21,13-19). Já provei do alimento que me dás: não somente pão e peixe, mas também alegria, consolo, fortaleza, iluminação e interpelação; palavras e presenças de pessoas.
Novamente, tu me olhas nos olhos (Mc 10,21). Quantos anos já se passaram, desde que senti intensamente, pela primeira vez, o chamado para te seguir mais de perto!
Hoje, no dia do meu aniversário, olho para trás e parece que foi há muito tempo. Mas sinto também que foi nesta madrugada. Porque o tempo do coração se chama hoje, agora, semente germinada de eternidade.
Tu me perguntas de novo, como fizeste com Pedro: “Tu me amas?”. E me questionas novamente, até uma terceira vez. Muitas e incontáveis vezes. E eu, qual Simão, seguidor e aprendiz de teus caminhos, posso somente dizer: “Sim, eu te quero bem! Tu conheces que meu amor não é perfeito, sabes de meus vacilos, resistências, ilhas de sombras, fragilidades... Ah! Mas tu sabes que te amo!”
Então, tu me pedes: “Nutre meu rebanho, apascenta minhas ovelhas!” Eu te digo: “Não sou pastor oficial, nem presbítero. Apenas irmão. Assim sou conhecido, assim me reconheço. Irmão de todos os que buscam o Senhor da Vida, irmão daqueles(as) que se lançam na bela aventura de nutrir as pessoas com esperança e beleza. Sou pastor também, enquanto participo da imensa corrente de homens e mulheres que anunciam o seu Reino já presente e denunciam o anti-reino”.Jesus, renovo neste dia meu compromisso de te seguir, e de contribuir efetivamente para despertar consciências, mobilizar pessoas, partilhar conhecimento, abrir mentes e corações, em vista de uma sociedade mais humana, justa e sustentável. Amém!
Hoje, novamente, como Pedro, coloco-me à beira do lago (Jo 21,13-19). Já provei do alimento que me dás: não somente pão e peixe, mas também alegria, consolo, fortaleza, iluminação e interpelação; palavras e presenças de pessoas.
Novamente, tu me olhas nos olhos (Mc 10,21). Quantos anos já se passaram, desde que senti intensamente, pela primeira vez, o chamado para te seguir mais de perto!
Hoje, no dia do meu aniversário, olho para trás e parece que foi há muito tempo. Mas sinto também que foi nesta madrugada. Porque o tempo do coração se chama hoje, agora, semente germinada de eternidade.
Tu me perguntas de novo, como fizeste com Pedro: “Tu me amas?”. E me questionas novamente, até uma terceira vez. Muitas e incontáveis vezes. E eu, qual Simão, seguidor e aprendiz de teus caminhos, posso somente dizer: “Sim, eu te quero bem! Tu conheces que meu amor não é perfeito, sabes de meus vacilos, resistências, ilhas de sombras, fragilidades... Ah! Mas tu sabes que te amo!”
Então, tu me pedes: “Nutre meu rebanho, apascenta minhas ovelhas!” Eu te digo: “Não sou pastor oficial, nem presbítero. Apenas irmão. Assim sou conhecido, assim me reconheço. Irmão de todos os que buscam o Senhor da Vida, irmão daqueles(as) que se lançam na bela aventura de nutrir as pessoas com esperança e beleza. Sou pastor também, enquanto participo da imensa corrente de homens e mulheres que anunciam o seu Reino já presente e denunciam o anti-reino”.Jesus, renovo neste dia meu compromisso de te seguir, e de contribuir efetivamente para despertar consciências, mobilizar pessoas, partilhar conhecimento, abrir mentes e corações, em vista de uma sociedade mais humana, justa e sustentável. Amém!
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
Para o bom vinho
No correr de minha vida, aprendi com o povo simples e pobre das comunidades cristãs a fazer uma interpretação libertadora da bíblia. Nas comunidades de Base, nos grupos de reflexão, nos círculos bíblicos e nos momentos de oração partilhada descobri a sabedoria do povo, e compreendi a enigmática oração de Jesus: “Pai, eu te agradeço pois escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10,21).
Certa vez, estávamos fazendo uma oração partilhada, a partir do texto de João 2,1-11. Trata-se da narração do primeiro sinal de Jesus, ao transformar a água em vinho, em Caná. Diz-se, a certa altura: “Todos oferecem primeiro o bom vinho, e quando os convidados já estão alegres, faz servir o menos bom. Mas você guardou o bom vinho até agora” (Jo 2,10).
Após a leitura do evangelho, um jovem chamado Cléber tomou a palavra. Eu o conhecia bem. Trabalhava como motoboy e morava no bairro. Fazia o ensino médio, no período noturno. Nos fins de semana, gostava de “tomar umas” com os amigos: cerveja, vinho ou pinga. Não exagerava, felizmente!
Cléber começou dizendo: “Gente, hoje tem muito vinho ruim por aí”. Ao ouvir isso, pensei que ele tivesse feito uma interpretação rasa do texto, meramente literal, aludindo aos vinhos vagabundos que costumava beber. Cléber continuou: “Acabo de vir da minha casa, e tive que separar a briga do meu pai com minha mãe. Eu não deixo o velho bater nela! É...., tem muito vinho ruim”. Houve um breve tempo de silêncio. Ele concluiu: “Meus colegas da quadra, que jogavam bola comigo quando eu era criança, estão quase todos metidos com drogas. Uns consomem, outros ajudam os traficantes. Que vinho ruim, meu Deus! Ah, como eu desejo que o vinho bom de Jesus tome o lugar do vinho ruim!”.
As observações de Cléber levaram o grupo a fazer outras reflexões originais sobre o texto bíblico, ligando-o com a vida. Em meus estudos teológicos, jamais havia escutado algo assim. A interpretação dominante faz a comparação entre a água e o vinho. Cléber foi além. Descobriu a passagem do vinho ruim para o vinho bom. Assim é a leitura comunitária e libertadora da bíblia: abre caminhos inusitados, conscientiza, religa a fé com as questões importantes da existência.
Certa vez, estávamos fazendo uma oração partilhada, a partir do texto de João 2,1-11. Trata-se da narração do primeiro sinal de Jesus, ao transformar a água em vinho, em Caná. Diz-se, a certa altura: “Todos oferecem primeiro o bom vinho, e quando os convidados já estão alegres, faz servir o menos bom. Mas você guardou o bom vinho até agora” (Jo 2,10).
Após a leitura do evangelho, um jovem chamado Cléber tomou a palavra. Eu o conhecia bem. Trabalhava como motoboy e morava no bairro. Fazia o ensino médio, no período noturno. Nos fins de semana, gostava de “tomar umas” com os amigos: cerveja, vinho ou pinga. Não exagerava, felizmente!
Cléber começou dizendo: “Gente, hoje tem muito vinho ruim por aí”. Ao ouvir isso, pensei que ele tivesse feito uma interpretação rasa do texto, meramente literal, aludindo aos vinhos vagabundos que costumava beber. Cléber continuou: “Acabo de vir da minha casa, e tive que separar a briga do meu pai com minha mãe. Eu não deixo o velho bater nela! É...., tem muito vinho ruim”. Houve um breve tempo de silêncio. Ele concluiu: “Meus colegas da quadra, que jogavam bola comigo quando eu era criança, estão quase todos metidos com drogas. Uns consomem, outros ajudam os traficantes. Que vinho ruim, meu Deus! Ah, como eu desejo que o vinho bom de Jesus tome o lugar do vinho ruim!”.
As observações de Cléber levaram o grupo a fazer outras reflexões originais sobre o texto bíblico, ligando-o com a vida. Em meus estudos teológicos, jamais havia escutado algo assim. A interpretação dominante faz a comparação entre a água e o vinho. Cléber foi além. Descobriu a passagem do vinho ruim para o vinho bom. Assim é a leitura comunitária e libertadora da bíblia: abre caminhos inusitados, conscientiza, religa a fé com as questões importantes da existência.
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Primavera
Chegou a primavera.
Bela palavra, esta: prima + vera.
Dois termos latinos: primeira + verdadeira.
Por mais longo que seja o inverno, a primavera vem.
Pois a verdade primeira, aquela que prepara todas as outras, são seus sinais: as flores, a beleza que vem de dentro, a esperança que renasce, o canto de pássaros e de pessoas.
Nisto creio, por isso aposto minha vida.
Nesta verdade primeira.
Prima vera.
Bela palavra, esta: prima + vera.
Dois termos latinos: primeira + verdadeira.
Por mais longo que seja o inverno, a primavera vem.
Pois a verdade primeira, aquela que prepara todas as outras, são seus sinais: as flores, a beleza que vem de dentro, a esperança que renasce, o canto de pássaros e de pessoas.
Nisto creio, por isso aposto minha vida.
Nesta verdade primeira.
Prima vera.
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Fazer e desfazer anos
O poeta e escritor Rubem Alves escreveu: “comunico aos meus leitores que desfiz 75 anos, muito embora os distraídos insistam em usar o verbo “fazer”. O fato é que a celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festas de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte. O que não entendo é a razão pela qual os participantes, diante das velas apagadas, se ponham a bater palmas e a rir, quando o certo seria que chorassem. Eu prefiro um ritual mais alegre: acender uma vela bem grande, como um bruxedo de invocação dos anos ainda não nascidos cujo número não sei!”
Há nas palavras deste grande pensador brasileiro um ar de tristeza, e talvez até de dificuldade em aceitar os limites da idade e do envelhecer. O próprio Rubem Alves já havia dito: “Imaginem que vocês vão fazer uma viagem. A felicidade da viagem começa antes da viagem. A gente examina mapas, lê artigos sobre os lugares que vão ser visitados, conversa com amigos que já foram, olha fotografias. E só de imaginar fica feliz. Depois de feita a viagem é diferente. A felicidade ficou para trás. Só resta ver as fotos e conversar... Criança é quem ainda não viajou e fica feliz imaginando a viagem. Viagem imaginada é sempre feliz. Adulto é quem já viajou e fica feliz olhando as fotos da viagem (...) Tive algumas dores quando era criança. Mas as dores passavam logo. E a alegria voltava. Fui um menino sempre alegre. Tudo no mundo me encantava. Menino, eu não imaginava que, um dia, eu seria velho...Pois esse dia chegou. Meu aniversário me diz que agora sou velho”.
Fiquei pensativo! Algo me dizia que há outras formas de considerar o poente da existência. Dias depois fui trabalhar com um grupo de religiosas e leigos sobre o tema “Gestão e Espiritualidade”, em São Paulo. Eram umas 50 pessoas. Bem na frente, havia uma senhora com o rosto enrugado, óculos grossos, a coluna um pouco encurvada. Notava-se que tinha idade avançada. Participa animadamente da discussão em pequenos grupos, anotava as idéias principais. Um discreto sorriso vinha-lhe à face. Vibrava quando alguma idéia nova vinha à tona. Em certo momento, falamos sobre gestão participativa, e seus olhos brilharam.
Mais tarde, na hora do intervalo, ela veio me cumprimentar. Fiquei sabendo então que a anciã se chama Irmã Mariana. Tem 85 anos e atua com uma equipe de leigos num centro sócio-educativo no interior de São Paulo, que atende a 150 crianças empobrecidas. Ela me disse como alegria: “Estou descobrindo como é bom trabalhar em grupo. Durante muito tempo em minha vida atuei sozinha. Agora vejo que, com os outros, é melhor”.
Mariana, com seus 85, não desfaz anos. Mantém o coração de criança e o espírito de aprendiz; aquele sopro de renovação que Rubem Alves anuncia nos seus belos textos poéticos. Envelhece de outra forma, saboreando o presente e com o olhar no futuro. Ao final da palestra, deixei para o público presente meu email e o endereço do blog. Mariana comentou: “Comecei a aprender a mexer com computador aos 75 anos. Que bom, agora vou descobrir o que é um blog!”
Há nas palavras deste grande pensador brasileiro um ar de tristeza, e talvez até de dificuldade em aceitar os limites da idade e do envelhecer. O próprio Rubem Alves já havia dito: “Imaginem que vocês vão fazer uma viagem. A felicidade da viagem começa antes da viagem. A gente examina mapas, lê artigos sobre os lugares que vão ser visitados, conversa com amigos que já foram, olha fotografias. E só de imaginar fica feliz. Depois de feita a viagem é diferente. A felicidade ficou para trás. Só resta ver as fotos e conversar... Criança é quem ainda não viajou e fica feliz imaginando a viagem. Viagem imaginada é sempre feliz. Adulto é quem já viajou e fica feliz olhando as fotos da viagem (...) Tive algumas dores quando era criança. Mas as dores passavam logo. E a alegria voltava. Fui um menino sempre alegre. Tudo no mundo me encantava. Menino, eu não imaginava que, um dia, eu seria velho...Pois esse dia chegou. Meu aniversário me diz que agora sou velho”.
Fiquei pensativo! Algo me dizia que há outras formas de considerar o poente da existência. Dias depois fui trabalhar com um grupo de religiosas e leigos sobre o tema “Gestão e Espiritualidade”, em São Paulo. Eram umas 50 pessoas. Bem na frente, havia uma senhora com o rosto enrugado, óculos grossos, a coluna um pouco encurvada. Notava-se que tinha idade avançada. Participa animadamente da discussão em pequenos grupos, anotava as idéias principais. Um discreto sorriso vinha-lhe à face. Vibrava quando alguma idéia nova vinha à tona. Em certo momento, falamos sobre gestão participativa, e seus olhos brilharam.
Mais tarde, na hora do intervalo, ela veio me cumprimentar. Fiquei sabendo então que a anciã se chama Irmã Mariana. Tem 85 anos e atua com uma equipe de leigos num centro sócio-educativo no interior de São Paulo, que atende a 150 crianças empobrecidas. Ela me disse como alegria: “Estou descobrindo como é bom trabalhar em grupo. Durante muito tempo em minha vida atuei sozinha. Agora vejo que, com os outros, é melhor”.
Mariana, com seus 85, não desfaz anos. Mantém o coração de criança e o espírito de aprendiz; aquele sopro de renovação que Rubem Alves anuncia nos seus belos textos poéticos. Envelhece de outra forma, saboreando o presente e com o olhar no futuro. Ao final da palestra, deixei para o público presente meu email e o endereço do blog. Mariana comentou: “Comecei a aprender a mexer com computador aos 75 anos. Que bom, agora vou descobrir o que é um blog!”
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Pára-raios, antenas e terraços
Outro dia, estava no último andar de um prédio, na cidade de São Paulo. Conversava com um grupo de educadores e profissionais sobre “Espiritualidade”. Ao ver aquela paisagem me vieram à mente algumas imagens urbanas para falar do tema. Três componentes me chamaram a atenção, no alto de tantos prédios enfileirados: os pára-raios, as antenas e os terraços.
A espiritualidade moderna funciona como um pára-raios. O ser humano, atribulado por tantos problemas pessoais, como relações afetivas, dificuldades para educar os filhos, crise financeira, doenças psico-somáticas, estresse e perda crescente de sentido para viver, recorre ao sagrado em busca de alívio. As experiências religiosas emotivas fortes caracterizam grande parte da mística contemporânea, para diminuir suas tensões. Isso explica em parte o crescimento vertiginoso do pentecostalismo evangélico e da renovação carismática católica. A religiosidade tem uma função terapêutica. Na verdade, pode curar ou simplesmente atenuar a dor e o sofrimento.
A espiritualidade do pára-raios é ambígua. De um lado, ela abarca uma dimensão real da experiência espiritual, quando as pessoas provam a misericórdia e a bondade de Deus, aliviam suas dores e recuperam a alegria de viver. Muitas delas conseguem superar graves estados de desespero e degradação, quando se conectam com Deus e descobrem que a vida não está perdida. De outro lado, a relação com o sagrado pode se tornar funcional. As pessoas buscam a Jesus somente nos momentos de tempestade. Além disso, a relação entre céu-terra parece vir somente de cima. Anula-se o valor das realidades humanas, pois elas estão submetidas ao critério dos “raios celestes”. A experiência religiosa intensa pode ofuscar outras dimensões da realidade humana e dar margem à intolerância e às novas formas de opressão.
Prefiro imaginar a espiritualidade como antena. Do alto da cidade, há enormes antenas que transmitem sinais de TV, celular, rádio e internet. O homem e a mulher que fazem uma experiência espiritual encarnada são semelhantes às antenas e seus componentes complementares. Recebem, interpretam e disseminam sinais. À luz da energia divina, decodificam os traços de luz e sombras da realidade humana. Estão antenados nas grandes questões sociais, culturais e ambientais da atualidade. Procuram perceber o que Deus lhes diz ali. A presença divina se manifesta para eles como apelo, denúncia, indignação e anúncio esperançoso. Cultivam uma espiritualidade que se alimenta da vida e da Bíblia. No cotidiano, não há respostas prontas, nem raios que vêm do céu de forma estrondosa. O pára-raio é importante, para evitar que as antenas se queimem. Mas o núcleo da experiência religiosa não reside no seu caráter milagroso. E sim, em ser sinal de vida e esperança.
Por fim, vejo na grande cidade alguns terraços no último andar. Ali as pessoas se encontram, comem, bebem e festejam. Imagino que a espiritualidade é também o espaço do encontro de pessoas, que se fortalecem na fé. Jesus gostava de fazer festa. Acolhia as crianças e chamava a participar da mesa várias categorias de gente excluída no seu tempo: as mulheres, os pobres, os pecadores, os doentes. O encontro com Deus promove o encontro com os seres humanos. E nesta mesa da irmandade também participam todas as criaturas. É a festa da sustentabilidade. Aqui ressoa a palavra de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
A espiritualidade moderna funciona como um pára-raios. O ser humano, atribulado por tantos problemas pessoais, como relações afetivas, dificuldades para educar os filhos, crise financeira, doenças psico-somáticas, estresse e perda crescente de sentido para viver, recorre ao sagrado em busca de alívio. As experiências religiosas emotivas fortes caracterizam grande parte da mística contemporânea, para diminuir suas tensões. Isso explica em parte o crescimento vertiginoso do pentecostalismo evangélico e da renovação carismática católica. A religiosidade tem uma função terapêutica. Na verdade, pode curar ou simplesmente atenuar a dor e o sofrimento.
A espiritualidade do pára-raios é ambígua. De um lado, ela abarca uma dimensão real da experiência espiritual, quando as pessoas provam a misericórdia e a bondade de Deus, aliviam suas dores e recuperam a alegria de viver. Muitas delas conseguem superar graves estados de desespero e degradação, quando se conectam com Deus e descobrem que a vida não está perdida. De outro lado, a relação com o sagrado pode se tornar funcional. As pessoas buscam a Jesus somente nos momentos de tempestade. Além disso, a relação entre céu-terra parece vir somente de cima. Anula-se o valor das realidades humanas, pois elas estão submetidas ao critério dos “raios celestes”. A experiência religiosa intensa pode ofuscar outras dimensões da realidade humana e dar margem à intolerância e às novas formas de opressão.
Prefiro imaginar a espiritualidade como antena. Do alto da cidade, há enormes antenas que transmitem sinais de TV, celular, rádio e internet. O homem e a mulher que fazem uma experiência espiritual encarnada são semelhantes às antenas e seus componentes complementares. Recebem, interpretam e disseminam sinais. À luz da energia divina, decodificam os traços de luz e sombras da realidade humana. Estão antenados nas grandes questões sociais, culturais e ambientais da atualidade. Procuram perceber o que Deus lhes diz ali. A presença divina se manifesta para eles como apelo, denúncia, indignação e anúncio esperançoso. Cultivam uma espiritualidade que se alimenta da vida e da Bíblia. No cotidiano, não há respostas prontas, nem raios que vêm do céu de forma estrondosa. O pára-raio é importante, para evitar que as antenas se queimem. Mas o núcleo da experiência religiosa não reside no seu caráter milagroso. E sim, em ser sinal de vida e esperança.
Por fim, vejo na grande cidade alguns terraços no último andar. Ali as pessoas se encontram, comem, bebem e festejam. Imagino que a espiritualidade é também o espaço do encontro de pessoas, que se fortalecem na fé. Jesus gostava de fazer festa. Acolhia as crianças e chamava a participar da mesa várias categorias de gente excluída no seu tempo: as mulheres, os pobres, os pecadores, os doentes. O encontro com Deus promove o encontro com os seres humanos. E nesta mesa da irmandade também participam todas as criaturas. É a festa da sustentabilidade. Aqui ressoa a palavra de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
sábado, 2 de agosto de 2008
Dignidade para as crianças
Outro dia, estive em Itaquera, na periferia de São Paulo. Fui conversar com as educadoras de uma creche que atende crianças de zero a três anos. A instituição é coordenada pelos Irmãos Maristas, em convênio com a prefeitura da capital paulista. Recebe crianças pobres da Zona Leste de São Paulo e está situada a poucos metros do metrô. Assim, as mães da classe popular deixam ali suas crianças de manhã e seguem para trabalhar.
Muita coisa me encheu os olhos e alentou o coração, nesta visita. Em primeiro lugar, a beleza do lugar. Um ambiente bonito, claro, colorido, limpo e bem cuidado. É a primeira condição para reconhecer que os filhos dos pobres são gente e cidadãos com direitos. A seguir, percebi o entusiasmo e o amor das educadoras pelas crianças. E o que mais agradou foi a criatividade da proposta educativa.
Na sala para os bebês não há berços. Em vez de “engaiolá-los”, estimula-se o desenvolvimento sensorial e motoro. Explorar os espaços, conhecer e interagir! Encontrei um cantinho no qual se registravam os progressos de uma criança com deficiência séria de desenvolvimento mental e de aprendizagem. Chegou lá com quase três anos, sem falar e com poucos movimentos. Após alguns meses, a mudança foi notória. Cada pequeno progresso era festejado, com a educadora e os coleguinhas.
Quando se trabalha com o povo em perspectiva cidadã, não se aceita o assistencialismo ou aquela visão paternalista, que considera os pobres como “coitadinhos”. Ao contrário, investe-se para desenvolver ao máximo as potencialidades das pessoas e dos grupos sociais. Gostei de ver um boneco de pano, de um personagem negro! A educadora, também negra, falou que isso é importante para afirmação da identidade cultural dos afro-descendentes.Por fim, na frente de uma sala, na qual estavam colocadas as fotos das crianças num painel em teia, havia um título feliz: “nossos protagonistas!” Oxalá se multipliquem no Brasil iniciativas assim, de educação e promoção da cidadania, em perspectiva libertadora.
Muita coisa me encheu os olhos e alentou o coração, nesta visita. Em primeiro lugar, a beleza do lugar. Um ambiente bonito, claro, colorido, limpo e bem cuidado. É a primeira condição para reconhecer que os filhos dos pobres são gente e cidadãos com direitos. A seguir, percebi o entusiasmo e o amor das educadoras pelas crianças. E o que mais agradou foi a criatividade da proposta educativa.
Na sala para os bebês não há berços. Em vez de “engaiolá-los”, estimula-se o desenvolvimento sensorial e motoro. Explorar os espaços, conhecer e interagir! Encontrei um cantinho no qual se registravam os progressos de uma criança com deficiência séria de desenvolvimento mental e de aprendizagem. Chegou lá com quase três anos, sem falar e com poucos movimentos. Após alguns meses, a mudança foi notória. Cada pequeno progresso era festejado, com a educadora e os coleguinhas.
Quando se trabalha com o povo em perspectiva cidadã, não se aceita o assistencialismo ou aquela visão paternalista, que considera os pobres como “coitadinhos”. Ao contrário, investe-se para desenvolver ao máximo as potencialidades das pessoas e dos grupos sociais. Gostei de ver um boneco de pano, de um personagem negro! A educadora, também negra, falou que isso é importante para afirmação da identidade cultural dos afro-descendentes.Por fim, na frente de uma sala, na qual estavam colocadas as fotos das crianças num painel em teia, havia um título feliz: “nossos protagonistas!” Oxalá se multipliquem no Brasil iniciativas assim, de educação e promoção da cidadania, em perspectiva libertadora.
O perdão e o osso
Em um curso de teologia para leigos, eu falava sobre o perdão. Em certo momento, uma professora de ensino médio pediu a palavra. Visivelmente emocionada, ela disse: “Gente, eu quero perdoar, mas não dou conta. Tem uma dor muito grande no meio peito”. Seguiu-se um grande silêncio. Então ela continuou: “Não entendo porque a religião manda a gente perdoar, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Passar a borracha numa frase escrita a lápis... O perdão não se conquista assim!”. Concordei com ela. Disse-lhe que o perdão é também um dom de Deus, que a gente cultiva. E os resultados podem ser imediatos, ou não.
No intervalo, ela veio conversar comigo e partilhou um pouco de sua luta para perdoar. “Sei que isso não é cristão, mas eu odeio o meu pai! Lembro-me de quando eu era criança. Muitas vezes, ele chegava em casa bêbado, tarde da noite. Fazia questão de acordar a todos nós com seus gritos. Ameaça minha mãe com uma faca. Era um horror! Meu pai já morreu, mas eu não consigo perdoá-lo”.
Dois anos mais tarde, reencontrei a mesma professora. Com sorriso nos lábios, ela me disse que estava fazendo uma terapia e que, agora sim, havia conseguido perdoar o pai. E o perdão lhe trouxe uma sensação de libertação, de paz interior. Compreendi então que o perdão é um processo. Para uns, pode ser mais rápido. Para outros, exige mais tempo e esforço. Depende da intensidade da experiência, da maturidade humana e da nível espiritual.
Outro dia, devido a um incidente, quebrei o dedo mínimo do pé. O médico ortopedista imobilizou-me o dedo e disse: “Vai precisar de um certo tempo para colar o osso. Ele está na posição certa, mas isso não basta”. Lembrei-me então do processo do perdão. Ele se assemelha a colar um osso quebrado. Sempre há possibilidade para perdoar, pedir perdão e perdoar-se, se o coração humano estiver aberto. Mas é necessário criar as condições e deixar o tempo consolidar a decisão. Neste caminho, o amor de Deus age em nós, eliminando o ódio, o ressentimento, o desejo de vingança. O perdão é uma cura!
No intervalo, ela veio conversar comigo e partilhou um pouco de sua luta para perdoar. “Sei que isso não é cristão, mas eu odeio o meu pai! Lembro-me de quando eu era criança. Muitas vezes, ele chegava em casa bêbado, tarde da noite. Fazia questão de acordar a todos nós com seus gritos. Ameaça minha mãe com uma faca. Era um horror! Meu pai já morreu, mas eu não consigo perdoá-lo”.
Dois anos mais tarde, reencontrei a mesma professora. Com sorriso nos lábios, ela me disse que estava fazendo uma terapia e que, agora sim, havia conseguido perdoar o pai. E o perdão lhe trouxe uma sensação de libertação, de paz interior. Compreendi então que o perdão é um processo. Para uns, pode ser mais rápido. Para outros, exige mais tempo e esforço. Depende da intensidade da experiência, da maturidade humana e da nível espiritual.
Outro dia, devido a um incidente, quebrei o dedo mínimo do pé. O médico ortopedista imobilizou-me o dedo e disse: “Vai precisar de um certo tempo para colar o osso. Ele está na posição certa, mas isso não basta”. Lembrei-me então do processo do perdão. Ele se assemelha a colar um osso quebrado. Sempre há possibilidade para perdoar, pedir perdão e perdoar-se, se o coração humano estiver aberto. Mas é necessário criar as condições e deixar o tempo consolidar a decisão. Neste caminho, o amor de Deus age em nós, eliminando o ódio, o ressentimento, o desejo de vingança. O perdão é uma cura!
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Gestão e Espiritualidade: pedalar é preciso
Quando eu era menino, queria muito andar de bicicleta. Mas, meus pais não me permitiram, pois julgavam ser perigoso. Mais tarde, já com 20 anos de idade, durante uma missão de férias no interior de Goiás, vi uma bicicleta e me deu vontade de aprender. Ah, não foi fácil! Uma catequista me ajudou. Ela segurava a bicicleta por trás, enquanto eu tentava me equilibrar. Então, me dizia: “Olhe para frente e vá pedalando”. Depois de alguns tombos, deu certo. Percebi então que, na bicicleta, só se consegue o equilíbrio em movimento.
Articular Gestão com Espiritualidade é como andar de bicicleta. Quanto mais cedo a gente aprende, mais fácil se torna. Mesmo assim, trata-se de uma busca de constante equilíbrio, que só se alcança quando em movimento.
“Gestão” se tornou uma palavra chave para organizações e grupos na sociedade contemporânea. Não é mais algo restrito a empresas. O motivo é simples: a gestão ajuda a alcançar resultados. Podemos definir “gestão” como a habilidade de liderar pessoas e coordenar processos, em vista de resultados, para realizar a missão de um grupo organizado. Trata-se de uma habilidade, ou seja, uma competência que se adquire e se desenvolve. Ser gestor(a) é um aprendizado constante, que exige estudo, reflexão e revisão da própria prática. Liderar pessoas significa envolvê-las de forma que assumam a sua responsabilidade e se sintam estimuladas a dar o melhor de si. Coordenar processos, por sua vez, quer dizer: estabelecer metas (aonde queremos chegar), tecer estratégias, realizar atividades, avaliá-las e aprender com elas. Um “processo” é mais do que fazer coisas, pois tem um começo, um meio e um fim, que se alimenta novamente e impulsiona mudanças.
Quem está à frente de qualquer grupo eclesial é necessariamente um gestor(a). Pode ser em uma paróquia, uma pastoral determinada ou uma comunidade. Ou então, em instituição mais complexa, como escola, hospital ou rádio. Até a pouco tempo atrás, os cristãos tinham a ilusão de que bastava boa vontade e muita fé para conduzir um grupo ou uma organização da Igreja. Hoje, devido à exigência cada vez maior de qualidade, a gestão se torna imprescindível. O amadorismo, ou seja, fazer as coisas de qualquer jeito, sem processos, é um dos grandes limites na condução da ação pastoral da Igreja.
A espiritualidade é como a outra roda da bicicleta. Ela diz respeito às motivações mais profundas que nos movem, ou seja, a paixão por Jesus Cristo e o Reino de Deus. Cultivar a espiritualidade é alimentar esta sintonia com o Deus da Vida, que nos ama e nos convoca para promover o Bem e espalhar sua Boa-Nova. Seguir a Jesus, como seus primeiros discípulos, vivendo na sua presença, escutando seus apelos, recebendo seu amor misericordioso: isso é espiritualidade para os cristãos.
Porque parece tão difícil pedalar esta bicicleta? Gestão e Espiritualidade não são rodas iguais, nem do mesmo tamanho. Estamos lidando com realidades que têm linguagens, lógicas, saberes e atitudes muito diferentes e que entram em conflito. Devemos aprender a relacionar ambas, sem que uma tome o lugar da outra. Hoje temos a grande oportunidade de articular gestão com espiritualidade. Uma organização cristã sem gestão, fracassa. E se lhe falta espiritualidade, esvazia-se. Perde sentido, mesmo que tenha sucesso. A gestão ajuda a alcançar bons resultados. E a espiritualidade nos guia para opções iluminadas, inspiradas no Evangelho. Nunca é tarde para aprender! Será um exigente e prazeroso equilíbrio em movimento, como andar de bicicleta. Pedalar é preciso!
Articular Gestão com Espiritualidade é como andar de bicicleta. Quanto mais cedo a gente aprende, mais fácil se torna. Mesmo assim, trata-se de uma busca de constante equilíbrio, que só se alcança quando em movimento.
“Gestão” se tornou uma palavra chave para organizações e grupos na sociedade contemporânea. Não é mais algo restrito a empresas. O motivo é simples: a gestão ajuda a alcançar resultados. Podemos definir “gestão” como a habilidade de liderar pessoas e coordenar processos, em vista de resultados, para realizar a missão de um grupo organizado. Trata-se de uma habilidade, ou seja, uma competência que se adquire e se desenvolve. Ser gestor(a) é um aprendizado constante, que exige estudo, reflexão e revisão da própria prática. Liderar pessoas significa envolvê-las de forma que assumam a sua responsabilidade e se sintam estimuladas a dar o melhor de si. Coordenar processos, por sua vez, quer dizer: estabelecer metas (aonde queremos chegar), tecer estratégias, realizar atividades, avaliá-las e aprender com elas. Um “processo” é mais do que fazer coisas, pois tem um começo, um meio e um fim, que se alimenta novamente e impulsiona mudanças.
Quem está à frente de qualquer grupo eclesial é necessariamente um gestor(a). Pode ser em uma paróquia, uma pastoral determinada ou uma comunidade. Ou então, em instituição mais complexa, como escola, hospital ou rádio. Até a pouco tempo atrás, os cristãos tinham a ilusão de que bastava boa vontade e muita fé para conduzir um grupo ou uma organização da Igreja. Hoje, devido à exigência cada vez maior de qualidade, a gestão se torna imprescindível. O amadorismo, ou seja, fazer as coisas de qualquer jeito, sem processos, é um dos grandes limites na condução da ação pastoral da Igreja.
A espiritualidade é como a outra roda da bicicleta. Ela diz respeito às motivações mais profundas que nos movem, ou seja, a paixão por Jesus Cristo e o Reino de Deus. Cultivar a espiritualidade é alimentar esta sintonia com o Deus da Vida, que nos ama e nos convoca para promover o Bem e espalhar sua Boa-Nova. Seguir a Jesus, como seus primeiros discípulos, vivendo na sua presença, escutando seus apelos, recebendo seu amor misericordioso: isso é espiritualidade para os cristãos.
Porque parece tão difícil pedalar esta bicicleta? Gestão e Espiritualidade não são rodas iguais, nem do mesmo tamanho. Estamos lidando com realidades que têm linguagens, lógicas, saberes e atitudes muito diferentes e que entram em conflito. Devemos aprender a relacionar ambas, sem que uma tome o lugar da outra. Hoje temos a grande oportunidade de articular gestão com espiritualidade. Uma organização cristã sem gestão, fracassa. E se lhe falta espiritualidade, esvazia-se. Perde sentido, mesmo que tenha sucesso. A gestão ajuda a alcançar bons resultados. E a espiritualidade nos guia para opções iluminadas, inspiradas no Evangelho. Nunca é tarde para aprender! Será um exigente e prazeroso equilíbrio em movimento, como andar de bicicleta. Pedalar é preciso!
domingo, 6 de julho de 2008
Reconstruir a casa
Era uma vez uma casa, imensa e bela. Edificada lentamente, durante milhões de anos, parecia infinita, devido à sua forma arredondada. Por ela passeava uma multidão incontável de seres, os mais diversos. O solo, chão da casa, era rico em nutrientes que garantiam o ciclo de vida das plantas e dos animais. Suas paredes eram constituídas por rochas recobertas pelos tons múltiplos de cores de gramíneas, arbustos e árvores. O telhado se abria durante o dia para o clarão do sol, que, com sua energia, sustentava os seres com luz e calor. Invisivelmente, era protegido por uma fina camada de gases, que filtrava a luz do sol na medida adequada para garantir a continuidade da teia da vida. À noite, estrelas cintilantes coalhavam o céu, e a lua, com sua cor prateada, brindava o viajante com sua luz discreta e suave.
A casa-comum-de-todos-os-seres, também chamada pelos humanos de Planeta Terra, tinha cinco enormes quartos, separados por infindáveis porções de terra e muita, muita água. Será que havia janelas? Ou antes se tratava de um sem número de cortinas, que velavam e desvelavam mistérios, belezas, riscos e aventuras? Embora a casa não tivesse portas nem porteiras, penetrar em seu mistério exigia algumas chaves. Não aquelas, pequenas ou grandes, feitas de metal, mas sim as da mente e do coração, que permitem compreender sem jamais pretender agarrar e dominar.
Hoje a nossa casa comum tem a aparência de um admirável edifício, totalmente marcado pela intervenção humana. No entanto, não se pode esconder as rachaduras crescentes, a abertura no telhado e a perda da qualidade de vida de seus habitantes. O ser humano se assenhorou do Planeta. Considera-se seu patrão. Perdeu o vínculo com as outras criaturas e as toma simplesmente como “recursos” ou “coisas”. Baseado na ciência e na tecnologia e no espírito conquistador do mercado global, considera-se dono absoluto de seu futuro. Na realidade, construiu um modelo insustentável, que gera crescente exclusão social e enfraquecimento do ecossistema.Neste contexto, é preciso recriar novas chaves de leitura, para compreender a humanidade em relação aos outros seres que povoam nossa casa comum. Assim, poderemos mudar o olhar e ampliar a nossa percepção. Com a consciência aberta, vem a ação transformadora. Atitudes individuais se conjugam com ações coletivas. É tempo de construir a cidadania planetária, que articula a visão ampla e global com a concretude das ações locais. Trata-se de gerar e desenvolver a consciência eco-planetária e de tecer redes com vários atores sociais. Com as novas gerações, iremos superar a visão pessimista e trágica, resgatar o encantamento, canalizar a indignação e nutrir a esperança, para reconstruir nossa casa comum.
A casa-comum-de-todos-os-seres, também chamada pelos humanos de Planeta Terra, tinha cinco enormes quartos, separados por infindáveis porções de terra e muita, muita água. Será que havia janelas? Ou antes se tratava de um sem número de cortinas, que velavam e desvelavam mistérios, belezas, riscos e aventuras? Embora a casa não tivesse portas nem porteiras, penetrar em seu mistério exigia algumas chaves. Não aquelas, pequenas ou grandes, feitas de metal, mas sim as da mente e do coração, que permitem compreender sem jamais pretender agarrar e dominar.
Hoje a nossa casa comum tem a aparência de um admirável edifício, totalmente marcado pela intervenção humana. No entanto, não se pode esconder as rachaduras crescentes, a abertura no telhado e a perda da qualidade de vida de seus habitantes. O ser humano se assenhorou do Planeta. Considera-se seu patrão. Perdeu o vínculo com as outras criaturas e as toma simplesmente como “recursos” ou “coisas”. Baseado na ciência e na tecnologia e no espírito conquistador do mercado global, considera-se dono absoluto de seu futuro. Na realidade, construiu um modelo insustentável, que gera crescente exclusão social e enfraquecimento do ecossistema.Neste contexto, é preciso recriar novas chaves de leitura, para compreender a humanidade em relação aos outros seres que povoam nossa casa comum. Assim, poderemos mudar o olhar e ampliar a nossa percepção. Com a consciência aberta, vem a ação transformadora. Atitudes individuais se conjugam com ações coletivas. É tempo de construir a cidadania planetária, que articula a visão ampla e global com a concretude das ações locais. Trata-se de gerar e desenvolver a consciência eco-planetária e de tecer redes com vários atores sociais. Com as novas gerações, iremos superar a visão pessimista e trágica, resgatar o encantamento, canalizar a indignação e nutrir a esperança, para reconstruir nossa casa comum.
domingo, 8 de junho de 2008
Misericórdia e Sacrifício
A palavra “sacrifício” parece estar banida do linguajar cotidiano da geração que adotou o estilo “light” de viver. Se a motivação da existência está em provar o máximo possível as boas sensações no presente, é descabido falar em sacrifício. Tudo tem que ser conseguido com facilidade e rapidez. Na mesma velocidade, será também “curtido” ou experimentado. E, ao acabar, trata-se de buscar novas sensações prazerosas, até que a vida se esgote. Por isso, o prazer solitário se associa a uma absolutização do presente. Esperar dá trabalho!
Um educador certa vez comparou a geração atual de jovens e adolescentes a um macarrão pré-cozido. Denominou-a de “geração miojo”. O dito macarrãzinho, inventado por um japonês, é feito em cinco minutos. E consumido com igual rapidez. Para a geração miojo não existe paciência nem processo. O que a conduz é a lei da facilidade. Quanto mais fácil, melhor. Com isso, a ética também desaparece lentamente. Pois lutar para o bem, defender valores e pagar o preço de suas opções exige esforço, disciplina e constância.
Na corrente oposta desta tendência, aparecem as visões religiosas que trazem de volta o sacrifício, como a grande chave de salvação, seja ela meramente terrena ou para além da morte. Exagera-se no valor sacrifical da morte de Jesus. Parece que a comunhão do ser humano com Deus só foi alcançada com muito, muito sangue. O ícone desta representação é o filme “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Do ponto de vista teológico, essa corrente de pensamento, presente tanto em meios católicos quanto evangélicos, esquece uma verdade elementar. A morte de Jesus não é um evento isolado. Para aqueles que acreditamos num diálogo vivificador entre Deus e o ser humano, chamado de “experiência salvífica”, somente a vida explica a morte, e vice-versa. Nós cremos que Jesus nos oferece a vida em plenitude através de sua vida, de sua morte e de sua ressurreição.
O próprio Jesus, a certa altura de sua missão, relembra aos seus contemporâneos uma famosa frase do profeta Oséias: “Eu quero a misericórdia, não o sacrifício”. Creio que é esta a chave mais correta para entender a originalidade da mensagem de Jesus e a beleza da experiência religiosa libertadora. Jesus mostra a face de um Deus paterno-materno, o Deus que tem alegria em resgatar o perdido. Assim é Deus, diz Jesus. De forma original, em três parábolas de Lucas 15, Jesus mostra a alegria de Deus que quer a vida e não o sacrifício em si. Deus é como o pastor que se alegra quando busca e encontra a ovelha perdida. Deus é como a mulher pobre que busca e encontra a moedinha perdida. Deus, por fim, é como o pai bondoso que acolhe o filho descabeçado que gasta toda a herança e volta para casa, simplesmente porque está com fome. Nas três parábolas, duas atitudes são comuns: a alegria e a festa, pelo reencontro com o perdido. O pastor se alegra com seus companheiros, a mulher pobre chama as amigas, e o pai faz uma festança, em estilo oriental, com cordeiro bem tratado.
Assim conclui Jesus: Deus é tão bom, que nos contagia com o seu amor. A palavra bíblica “misericórdia” poderia ser traduzida hoje de muitas formas, sem se esgotar em nenhuma delas: solidariedade, amizade, luta pela justiça, cuidado com o ambiente, cidadania, compaixão e amor.
A misericórdia inclui certa dose de sacrifício. Quem vive o amor com alguém, aprende na prática que precisa fazer renúncias. Quem se dedica aos outros, está constantemente fazendo opções e deixando algo para trás. Por mais que uma pessoa consiga fazer muitas coisas ao mesmo tempo, terá que fazer escolhas. Algumas não serão prazerosas no primeiro momento. Mas, a longo prazo trarão imensa alegria.A misericórdia, assim entendida, é a forma de superar os extremos desumanizantes do prazer absoluto ou do sacrifício absurdo. Na misericórdia, há prazer e sacrifício. O ser humano, sintonizado com o Bem, exercitando o amor misericordioso, está numa luta constante, que lhe custa tempo e energia. Em contrapartida, encontra uma alegria, um contentamento, uma satisfação profunda, que lhe confere paz e serenidade. E isso, não tem preço. Só quem experimenta sabe e pode dizer....
Um educador certa vez comparou a geração atual de jovens e adolescentes a um macarrão pré-cozido. Denominou-a de “geração miojo”. O dito macarrãzinho, inventado por um japonês, é feito em cinco minutos. E consumido com igual rapidez. Para a geração miojo não existe paciência nem processo. O que a conduz é a lei da facilidade. Quanto mais fácil, melhor. Com isso, a ética também desaparece lentamente. Pois lutar para o bem, defender valores e pagar o preço de suas opções exige esforço, disciplina e constância.
Na corrente oposta desta tendência, aparecem as visões religiosas que trazem de volta o sacrifício, como a grande chave de salvação, seja ela meramente terrena ou para além da morte. Exagera-se no valor sacrifical da morte de Jesus. Parece que a comunhão do ser humano com Deus só foi alcançada com muito, muito sangue. O ícone desta representação é o filme “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Do ponto de vista teológico, essa corrente de pensamento, presente tanto em meios católicos quanto evangélicos, esquece uma verdade elementar. A morte de Jesus não é um evento isolado. Para aqueles que acreditamos num diálogo vivificador entre Deus e o ser humano, chamado de “experiência salvífica”, somente a vida explica a morte, e vice-versa. Nós cremos que Jesus nos oferece a vida em plenitude através de sua vida, de sua morte e de sua ressurreição.
O próprio Jesus, a certa altura de sua missão, relembra aos seus contemporâneos uma famosa frase do profeta Oséias: “Eu quero a misericórdia, não o sacrifício”. Creio que é esta a chave mais correta para entender a originalidade da mensagem de Jesus e a beleza da experiência religiosa libertadora. Jesus mostra a face de um Deus paterno-materno, o Deus que tem alegria em resgatar o perdido. Assim é Deus, diz Jesus. De forma original, em três parábolas de Lucas 15, Jesus mostra a alegria de Deus que quer a vida e não o sacrifício em si. Deus é como o pastor que se alegra quando busca e encontra a ovelha perdida. Deus é como a mulher pobre que busca e encontra a moedinha perdida. Deus, por fim, é como o pai bondoso que acolhe o filho descabeçado que gasta toda a herança e volta para casa, simplesmente porque está com fome. Nas três parábolas, duas atitudes são comuns: a alegria e a festa, pelo reencontro com o perdido. O pastor se alegra com seus companheiros, a mulher pobre chama as amigas, e o pai faz uma festança, em estilo oriental, com cordeiro bem tratado.
Assim conclui Jesus: Deus é tão bom, que nos contagia com o seu amor. A palavra bíblica “misericórdia” poderia ser traduzida hoje de muitas formas, sem se esgotar em nenhuma delas: solidariedade, amizade, luta pela justiça, cuidado com o ambiente, cidadania, compaixão e amor.
A misericórdia inclui certa dose de sacrifício. Quem vive o amor com alguém, aprende na prática que precisa fazer renúncias. Quem se dedica aos outros, está constantemente fazendo opções e deixando algo para trás. Por mais que uma pessoa consiga fazer muitas coisas ao mesmo tempo, terá que fazer escolhas. Algumas não serão prazerosas no primeiro momento. Mas, a longo prazo trarão imensa alegria.A misericórdia, assim entendida, é a forma de superar os extremos desumanizantes do prazer absoluto ou do sacrifício absurdo. Na misericórdia, há prazer e sacrifício. O ser humano, sintonizado com o Bem, exercitando o amor misericordioso, está numa luta constante, que lhe custa tempo e energia. Em contrapartida, encontra uma alegria, um contentamento, uma satisfação profunda, que lhe confere paz e serenidade. E isso, não tem preço. Só quem experimenta sabe e pode dizer....
domingo, 1 de junho de 2008
Aqui não tem lugar para quem pede
Seu Damião é um daqueles homens da classe popular, cheio de sabedoria. Numa celebração, estávamos falando sobre a religião libertadora e a religião que aliena. Com seu jeito matuto, Damião nos contou o seguinte “causo”: Um amigo seu convidou-o insistentemente para o culto de uma igreja neopentescostal. Meio a contragosto ele vai, “para não perder a amizade”.
O enorme templo, que impressiona pelas suas majestosas colunas, está situado numa importante avenida. Algumas quadras acima, há uma tradicional Igreja Católica, que tem várias iniciativas sociais, desde o encaminhamento de casos emergenciais de pessoas necessitadas, até o estímulo a grupos de sócio-economia solidária.
Seu Cosme está no templo, mas fica perto da porta de entrada, apesar da insistência do funcionário, bem vestido com um terno azul marinho, para que ele fosse mais à frente. Em certo momento, entra um mendigo, daqueles que carregam sacos de estopa nas costas com seus objetos pessoais. Imediatamente, o segurança (que oficialmente tem um nome bem mais simpático) vem ao seu encontro e impede que ele siga. Pergunta-lhe com rispidez: “O que você veio fazer aqui?” O homem lhe responde: “Estou com fome e vim buscar uma ajuda”. Damião estica o pescoço e os olhos para acompanhar o que vai acontecer.
O segurança diz ao mendigo: “Você precisa parar de sofrer e sair desta vida”. O homem balança a cabeça, consentindo. Crê que vai receber alguma coisa. Tenta então romper a soleira da porta. O segurança, homem alto e forte, estufa o peito e lhe detém com a mão direita. Empurra-o para fora. E completa: “Aqui é um lugar para quem tem oferta para dar. Deus ouve a quem dá com alegria”. E com mais insistência, lhe diz: “Aqui não tem lugar para quem pede, e sim para quem dá”. Apontando com o indicador para a esquerda, lhe diz: “Se você quer uma ajuda, suba algumas quadras e procure outra Igreja”.
Damião ficou indignado. Levantou-se, pediu desculpas ao amigo e se retirou.
Um mês depois, numa manhã de domingo, encontro Damião coordenando um mutirão na favela onde ele mora, para limpar os terrenos baldios, tirar o lixo e abrir um caminho para o povo passar. Vi então, na prática, a religião libertadora.
O enorme templo, que impressiona pelas suas majestosas colunas, está situado numa importante avenida. Algumas quadras acima, há uma tradicional Igreja Católica, que tem várias iniciativas sociais, desde o encaminhamento de casos emergenciais de pessoas necessitadas, até o estímulo a grupos de sócio-economia solidária.
Seu Cosme está no templo, mas fica perto da porta de entrada, apesar da insistência do funcionário, bem vestido com um terno azul marinho, para que ele fosse mais à frente. Em certo momento, entra um mendigo, daqueles que carregam sacos de estopa nas costas com seus objetos pessoais. Imediatamente, o segurança (que oficialmente tem um nome bem mais simpático) vem ao seu encontro e impede que ele siga. Pergunta-lhe com rispidez: “O que você veio fazer aqui?” O homem lhe responde: “Estou com fome e vim buscar uma ajuda”. Damião estica o pescoço e os olhos para acompanhar o que vai acontecer.
O segurança diz ao mendigo: “Você precisa parar de sofrer e sair desta vida”. O homem balança a cabeça, consentindo. Crê que vai receber alguma coisa. Tenta então romper a soleira da porta. O segurança, homem alto e forte, estufa o peito e lhe detém com a mão direita. Empurra-o para fora. E completa: “Aqui é um lugar para quem tem oferta para dar. Deus ouve a quem dá com alegria”. E com mais insistência, lhe diz: “Aqui não tem lugar para quem pede, e sim para quem dá”. Apontando com o indicador para a esquerda, lhe diz: “Se você quer uma ajuda, suba algumas quadras e procure outra Igreja”.
Damião ficou indignado. Levantou-se, pediu desculpas ao amigo e se retirou.
Um mês depois, numa manhã de domingo, encontro Damião coordenando um mutirão na favela onde ele mora, para limpar os terrenos baldios, tirar o lixo e abrir um caminho para o povo passar. Vi então, na prática, a religião libertadora.
sábado, 31 de maio de 2008
Espelho, espelho meu...
Viajando por este Brasil afora, fui parar numa grande capital do Nordeste. Fiquei hospedado na casa de uns religiosos católicos, popularmente chamados de “Freis”. Após as atividades da manhã, entrei no apartamento que estava reservado para mim. Era muito simples, como eu gosto. No entanto, não se destacava nem pela limpeza, nem pelo bom gosto. E algo me chamou a atenção.
Ao entrar, deparei-me com um imenso espelho, daqueles de quase dois metros de altura, que estava colocado estrategicamente no centro do quarto. Sem entender bem o que aquele objeto fazia ali, peguei a toalha que estava sobre a cama e fui tomar um banho. Ao entrar no banheiro, outra surpresa. Além do espelho sobre a pia, havia ainda outro espelho grande dentro do box do chuveiro. Ao todo, três espelhos! Lembrei-me então da Irmã Regina, que dizia: “Uma das telas, com as quais os jovens vêm o mundo, é o espelho” (Ver o texto neste blog: quatro telas para ver o mundo). Mas o antigo morador deste quarto, que eu não conhecia, talvez nem enxergasse o mundo. Somente a si próprio.
Minha curiosidade não resistiu muito tempo ao silêncio. Perguntei ao Frei, que era o coordenador da casa, se todos os quartos tinham tantos espelhos, e qual a razão disso. Ele me respondeu, um pouco desconcertado, que aquele quarto foi de um tal Frei, muito vaidoso, que havia morado ali durante dois anos. E completou: “Você devia ver a quantidade de cosméticos que ele deixou para trás: perfumes importados e cremes para pele, sem contar os xampús e condicionadores!”.
Fiquei pensando! Há que evitar a negação do corpo. Mas, uma pessoa quando faz um caminho de evolução espiritual, normalmente vai se desprendendo de certas coisas e de alguns hábitos supérfluos. Usará dos objetos com crescente liberdade. E dispensará outros, pois já não lhe serão necessários. E sem dúvida, um dos grandes critérios do crescimento espiritual é a superação do narcisismo, isto é, do indivíduo egóico, voltado para si próprio. Ter cuidado consigo mesmo é importante. Mas este não é único tesouro da vida de alguém.
Quando era adolescente, aprendi uma música-parábola, que tenho até hoje na memória. Dizia de um homem que vivia num quarto cercado de espelhos por todos os lados. Certa vez, uma pedra vinda de fora quebrou um deles. Então o homem olhou para fora de seu quarto, e ouviu uma multidão que gritava: “Quebre os espelhos, quebre os espelhos, ponha uma janela no lugar”! Creio ser este o grande clamor para o ser humano dito “pós-moderno”: quebre os espelhos (não todos), ponha uma janela no lugar!
Ao entrar, deparei-me com um imenso espelho, daqueles de quase dois metros de altura, que estava colocado estrategicamente no centro do quarto. Sem entender bem o que aquele objeto fazia ali, peguei a toalha que estava sobre a cama e fui tomar um banho. Ao entrar no banheiro, outra surpresa. Além do espelho sobre a pia, havia ainda outro espelho grande dentro do box do chuveiro. Ao todo, três espelhos! Lembrei-me então da Irmã Regina, que dizia: “Uma das telas, com as quais os jovens vêm o mundo, é o espelho” (Ver o texto neste blog: quatro telas para ver o mundo). Mas o antigo morador deste quarto, que eu não conhecia, talvez nem enxergasse o mundo. Somente a si próprio.
Minha curiosidade não resistiu muito tempo ao silêncio. Perguntei ao Frei, que era o coordenador da casa, se todos os quartos tinham tantos espelhos, e qual a razão disso. Ele me respondeu, um pouco desconcertado, que aquele quarto foi de um tal Frei, muito vaidoso, que havia morado ali durante dois anos. E completou: “Você devia ver a quantidade de cosméticos que ele deixou para trás: perfumes importados e cremes para pele, sem contar os xampús e condicionadores!”.
Fiquei pensando! Há que evitar a negação do corpo. Mas, uma pessoa quando faz um caminho de evolução espiritual, normalmente vai se desprendendo de certas coisas e de alguns hábitos supérfluos. Usará dos objetos com crescente liberdade. E dispensará outros, pois já não lhe serão necessários. E sem dúvida, um dos grandes critérios do crescimento espiritual é a superação do narcisismo, isto é, do indivíduo egóico, voltado para si próprio. Ter cuidado consigo mesmo é importante. Mas este não é único tesouro da vida de alguém.
Quando era adolescente, aprendi uma música-parábola, que tenho até hoje na memória. Dizia de um homem que vivia num quarto cercado de espelhos por todos os lados. Certa vez, uma pedra vinda de fora quebrou um deles. Então o homem olhou para fora de seu quarto, e ouviu uma multidão que gritava: “Quebre os espelhos, quebre os espelhos, ponha uma janela no lugar”! Creio ser este o grande clamor para o ser humano dito “pós-moderno”: quebre os espelhos (não todos), ponha uma janela no lugar!
quinta-feira, 1 de maio de 2008
É mais fácil de lavar!
No intervalo de um congresso, encontrei Carla, a quem não via há quatro anos. Guardava dela a lembrança de uma mulher jovem, morena e bonita, com um largo sorriso e belos cabelos longos. Na época, ela trabalhava como secretária de um amigo meu e participava do Grupo de Jovens da Igreja. Agora, me deparo uma mulher vestida com uma longa saia, sem qualquer adereço feminino. O que me estranhou mesmo foi vê-la com o cabelo cortado, bem curtinho. Ela tinha perdido alguma coisa de sua aparência feminina. Perguntei-lhe sobre sua vida recente. Ela me disse: “Mudei de Vida! Agora faço parte de um movimento religioso”. Tentando entender, eu me perguntava porque uma pessoa que se consagra a Deus, num movimento, numa Igreja, ou numa religião, tem que mostrar que está tão fora do mundo. Arrisquei uma pergunta: “Por que você cortou o cabelo assim, tão curtinho?” Meio sem graça, ela me disse: “É mais fácil de lavar”.
Confesso que a resposta não me convenceu. E ela acrescentou: “Lembra-se da Rosa? Ela também está participando do movimento”. Rosa era um adolescente, que eu conheci num curso de teologia para leigos. Branquinha, com espinhas no rosto, tinha uns cabelos enroladinhos, que lembravam os anjinhos barrocos das Igrejas de Ouro Preto. Na ocasião, procurava uma vida mais radical, mais próxima a Deus e de serviço aos outros. Então, Rosa me viu de longe e veio me abraçar. Fiquei feliz ao encontrar com ela. Mas, as duas tinham adquirido o mesmo perfil masculinizado. Quando Carla se virou para falar com outra pessoa, fiz a mesma pergunta para Rosa: Por que você cortou o cabelo? Ela respondeu sem pestanejar: “É! É mais fácil de lavar”.
Talvez este fato, tão corriqueiro, seja um sintoma de algo mais sério. Alguns grupos religiosos respondem a uma sociedade consumista, centrada nas vaidades pessoais, no culto exagerado do próprio corpo, na ausência de valores espirituais, indo ao outro extremo. Tratam de negar o próprio corpo, e com isso reforçam o dualismo corpo-alma, corpo e espírito, estética e mística. Com seu estilo de vida, denunciam a superficialidade da corpolatria, mas não o fazem em perspectiva de diálogo com a sociedade contemporânea. No fundo, o esquema é simples: “se o mundo é mau, vamos nos isolar dele”. Se a sociedade contemporânea colocou o estético acima do ético, considerou a aparência do belo acima do que é o bom, vamos afirmar o bem negando o belo.
Ora, por que alguém consagrado a Deus deve ser feio, desajeitado, com mau gosto? É preciso descobrir outra saída. É necessário levar em conta os valores da beleza, do estético, do cuidado com o corpo, mas sem absolutizá-los. Ao percorrer os textos bíblicos do Novo Testamento, escritos em grego, nota-se que o adjetivo “kalós” significa tanto “bom” quanto “belo”. Pois o Deus que se manifesta em Jesus é tão bom é belo também. A beleza mais profunda, que não é meramente cosmética, se radica no bem. Embora historicamente as duas não coincidam sempre, a beleza pode ser uma expressão original da bondade. A estética deve ter uma dimensão ética. Assim, afirmamos que a capacidade humana de construir relações de qualidade, de sonhar e de se engajar em projetos históricos de mudança, é boa e bela. Como canta o compositor nordestino Zé Vicente: “É bonita demais, é bonita demais, a mão de quem conduz a bandeira da paz”.
Ora, por que alguém consagrado a Deus deve ser feio, desajeitado, com mau gosto? É preciso descobrir outra saída. É necessário levar em conta os valores da beleza, do estético, do cuidado com o corpo, mas sem absolutizá-los. Ao percorrer os textos bíblicos do Novo Testamento, escritos em grego, nota-se que o adjetivo “kalós” significa tanto “bom” quanto “belo”. Pois o Deus que se manifesta em Jesus é tão bom é belo também. A beleza mais profunda, que não é meramente cosmética, se radica no bem. Embora historicamente as duas não coincidam sempre, a beleza pode ser uma expressão original da bondade. A estética deve ter uma dimensão ética. Assim, afirmamos que a capacidade humana de construir relações de qualidade, de sonhar e de se engajar em projetos históricos de mudança, é boa e bela. Como canta o compositor nordestino Zé Vicente: “É bonita demais, é bonita demais, a mão de quem conduz a bandeira da paz”.
sábado, 26 de abril de 2008
Quatro telas para ver o mundo
Eu estava num encontro de religiosas, em Salvador. Uma Irmã alemã, muito lúcida, levantou-se e disse: “As nossas jovens hoje vêem o mundo com três telas”. E explicou: A tela do computador, a tela da Televisão... Enquanto ela respirava, passei na mente com rapidez a pergunta: “E qual será a terceira?” Ela acrescentou: “A terceira tela é o espelho”.
Penso que este fenômeno, embora toque mais de perto os jovens, contagia uma parcela crescente da população, inclusive quem lê agora este texto do blog. E cada tela tem um verso e um reverso ético. A informática, especialmente pela Internet, nos abre possibilidades inusitadas de acessar informações de todo o mundo, com rapidez incrível. Favorece a criação de comunidades e redes virtuais, enlaçadas a partir de múltiplos interesses. Com a crescente inclusão digital, a internet possibilita a criação de um planeta de fato global, para além das fronteiras locais. É fantástico ver o mundo com a tela do computador. Abrir múltiplas janelas de edição de texto, jogos, planilhas, clips, edição de fotos....
Mas o mundo virtual tem o seu perigo. Ele pode se tornar um pseudo-mundo, o das simulações, o da imagem que se sobrepõe à realidade e cria um simulado que parece melhor que o real. O cyber-espaço do exibicionismo e das redes de pornografia aprisiona milhares de pessoas. Cria-se um canal de futilidades, uma droga que atordoa as consciências.
Algo semelhante acontece com a tela da TV. Cada vez mais, na sociedade brasileira, o que não aparece na televisão simplesmente não existe. O real é aquilo que se torna movimento visível na telinha. Além disso, a TV é mais elitizada que a Internet, no que diz respeito à produção e divulgação da informação, pois é refém do poder econômico e dos políticos. Em contrapartida, a televisão é um dos poucos espaços baratos de entretenimento. Dramas, comédias, noticiários, documentários, as famosas novelas, tudo isso nos abre também mundos. E nos faz ver o nosso próprio mundo, embora com os olhos dos outros.
Por fim, o espelho, outra tela ambivalente. De um lado, como é bom se ver no espelho, reconhecer-se, olhar a própria face. E, a partir da imagem invertida, poder cuidar de si. De outro lado, o espelho é o instrumento que literalmente define o narcisista. A pessoa narcisista olha para si a partir de si, como se o mundo não passasse dos estreitos espaços de seu próprio umbigo. Com ou sem piercing.
As três telas, do computador, da televisão e do espelho, oferecem riscos e oportunidades. São ambivalentes como quem as criou e delas se alimenta. Talvez o grande problema é que as pessoas olhem o mundo somente com estas telas. O terrível é quando a tela substitui o olhar livre e soberano da pessoa. E quanto mais acessos diversificados tivermos para ver o mundo, mais completo e tolerante será nosso olhar.
Creio que falta, no mínimo, uma quarta tela. O filósofo judeu-francês Emanuel Levinás dizia que o ser humano só se reconhece no olhar do outro. E aí reside o fascínio e as imensas possibilidades da relação interpessoal, que se abre para o comunitário e o social. Reconhecer-se no olhar, no sorriso, nas angústias, nas esperanças que são tecidas nas relações vivas e diretas entre as pessoas é maravilhoso e desafiador. As telas se completam com as teias. As imagens, com as relações vivas e calorosas. Então, faço um convite a você: Vamos ver o mundo com várias telas e tecer muitas teias de vida?
Penso que este fenômeno, embora toque mais de perto os jovens, contagia uma parcela crescente da população, inclusive quem lê agora este texto do blog. E cada tela tem um verso e um reverso ético. A informática, especialmente pela Internet, nos abre possibilidades inusitadas de acessar informações de todo o mundo, com rapidez incrível. Favorece a criação de comunidades e redes virtuais, enlaçadas a partir de múltiplos interesses. Com a crescente inclusão digital, a internet possibilita a criação de um planeta de fato global, para além das fronteiras locais. É fantástico ver o mundo com a tela do computador. Abrir múltiplas janelas de edição de texto, jogos, planilhas, clips, edição de fotos....
Mas o mundo virtual tem o seu perigo. Ele pode se tornar um pseudo-mundo, o das simulações, o da imagem que se sobrepõe à realidade e cria um simulado que parece melhor que o real. O cyber-espaço do exibicionismo e das redes de pornografia aprisiona milhares de pessoas. Cria-se um canal de futilidades, uma droga que atordoa as consciências.
Algo semelhante acontece com a tela da TV. Cada vez mais, na sociedade brasileira, o que não aparece na televisão simplesmente não existe. O real é aquilo que se torna movimento visível na telinha. Além disso, a TV é mais elitizada que a Internet, no que diz respeito à produção e divulgação da informação, pois é refém do poder econômico e dos políticos. Em contrapartida, a televisão é um dos poucos espaços baratos de entretenimento. Dramas, comédias, noticiários, documentários, as famosas novelas, tudo isso nos abre também mundos. E nos faz ver o nosso próprio mundo, embora com os olhos dos outros.
Por fim, o espelho, outra tela ambivalente. De um lado, como é bom se ver no espelho, reconhecer-se, olhar a própria face. E, a partir da imagem invertida, poder cuidar de si. De outro lado, o espelho é o instrumento que literalmente define o narcisista. A pessoa narcisista olha para si a partir de si, como se o mundo não passasse dos estreitos espaços de seu próprio umbigo. Com ou sem piercing.
As três telas, do computador, da televisão e do espelho, oferecem riscos e oportunidades. São ambivalentes como quem as criou e delas se alimenta. Talvez o grande problema é que as pessoas olhem o mundo somente com estas telas. O terrível é quando a tela substitui o olhar livre e soberano da pessoa. E quanto mais acessos diversificados tivermos para ver o mundo, mais completo e tolerante será nosso olhar.
Creio que falta, no mínimo, uma quarta tela. O filósofo judeu-francês Emanuel Levinás dizia que o ser humano só se reconhece no olhar do outro. E aí reside o fascínio e as imensas possibilidades da relação interpessoal, que se abre para o comunitário e o social. Reconhecer-se no olhar, no sorriso, nas angústias, nas esperanças que são tecidas nas relações vivas e diretas entre as pessoas é maravilhoso e desafiador. As telas se completam com as teias. As imagens, com as relações vivas e calorosas. Então, faço um convite a você: Vamos ver o mundo com várias telas e tecer muitas teias de vida?
terça-feira, 22 de abril de 2008
Consumir e gozar!
Mônica Bérgamo noticiou na sua coluna da Folha de São Paulo, no dia 14 de abril, que setenta empresárias e socialites se reuniram numa mansão em São Paulo, para ouvir uma palestra do "filósofo do luxo" Silvio Passarelli. Elas assistiram à palestra "O Seu Tempo É o Seu Luxo", em que o economista falou do prazer inigualável do consumo sem grilos ou culpas de qualquer espécie.
Conforme Passarelli, o atual liberalismo inaugurou a era do padrão individual de escolhas. Mas, de nada adianta acumular os bens se não temos tempo para usufruí-los. A grande batalha do século 21 será Consumir e gozar, consumir e gozar! E não estocar". E acrescenta: "Sabe a Imelda Marcos [ex-primeira-dama das Filipinas] e os 500 calçados? Será que ela os conhecia a todos? Será que estabeleceu com cada um deles uma história pessoal?"
Passarelli insiste na idéia de que as pessoas têm que melhorar o seu estoque de tempo. "Vamos perder a vergonha quando alguém perguntar: O que você vai fazer amanhã? Nada! Eu comprei um carro novo e vou passar o dia dedicado a esse brinquedo que eu me proporcionei. É preciso tempo para que o projeto emocional que o levou a adquirir aquele bem possa ser explicitado". Assim, deve-se "gradativamente trocar compromissos inúteis pelos úteis na busca de uma nova ética de consumo, que não seja marcada pela condenação de um produto supérfluo. Ora, quem tem condição de dizer o que é supérfluo? É supérfluo para ele, mas pode ser a diferença entre felicidade e tristeza para outro".
A colunista da Folha comenta que as mulheres aclamaram com euforia as palavras do dito professor e que agora se sentem mais à vontade para consumir o luxo, sem culpa.
As idéias de Passarelli levam a ideologia do consumismo ao seu ápice. Não basta o prazer de comprar. É preciso cultivar o gozo de usufrir, de forma egoísta, dos bens adquiridos. Estranhamente, não se fala, em momento nenhum, do prazer de estar junto com os outros, de estabelecer laços de qualidade, de saborear as coisas simples da vida, de estar aberto ao que é gratuito. O defensor do luxo chega ao absurdo de perguntar se a mulher do ex-ditador das Filipinas, que acumulou imensa riqueza à custa da exploração de seu povo, estabeleceu com um dos seus quinhentos sapatos uma história pessoal. Ora, nenhum ser humano com valores profundos estabelece relação pessoal com sapatos. E sim, com pessoas. Alguém pode gostar de maneira especial de um objeto pessoal e sentir falta dele, mas criar vínculos pessoais, isso é para os relacionamentos.
O consumo de luxo é a manifestação patente da concentração de riqueza, que gera opulência de um lado, e exclusão social de outro. Além de impactar no meio ambiente. Pois quem faz do lema de sua vida o consumo e o gozo não tem no horizonte nem a humanidade, nem o nosso planeta.
A máxima “consumir e gozar. E não estocar!” é a degeneração de algo bom. Aprender a fruir o presente, cultivar a alegria e o gozo, deliciar-se com as pequenas coisas da vida são aspectos enfatizados por grandes místicos e sábios. Um ser humano maduro, espiritualmente evoluído, aproveita bem o tempo, curte as experiências gratificantes e faz memória dos acontecimentos significativos. Há pessoas que se sentem verdadeiramente felizes por serem solidárias, por cuidar do meio ambiente e das outros, especialmente os mais fragilizados, como as crianças, os anciãos e os empobrecidos. Onde reside a diferença? Em perceber que as satisfações não são uma finalidade em si mesma, mas são experimentadas e interpretadas dentro de um projeto de vida que tem uma direção para o Bem. Então, poderemos criar outras máximas, mais conseqüentes, como: Cuidar e fruir! Amar e se alegrar!
Conforme Passarelli, o atual liberalismo inaugurou a era do padrão individual de escolhas. Mas, de nada adianta acumular os bens se não temos tempo para usufruí-los. A grande batalha do século 21 será Consumir e gozar, consumir e gozar! E não estocar". E acrescenta: "Sabe a Imelda Marcos [ex-primeira-dama das Filipinas] e os 500 calçados? Será que ela os conhecia a todos? Será que estabeleceu com cada um deles uma história pessoal?"
Passarelli insiste na idéia de que as pessoas têm que melhorar o seu estoque de tempo. "Vamos perder a vergonha quando alguém perguntar: O que você vai fazer amanhã? Nada! Eu comprei um carro novo e vou passar o dia dedicado a esse brinquedo que eu me proporcionei. É preciso tempo para que o projeto emocional que o levou a adquirir aquele bem possa ser explicitado". Assim, deve-se "gradativamente trocar compromissos inúteis pelos úteis na busca de uma nova ética de consumo, que não seja marcada pela condenação de um produto supérfluo. Ora, quem tem condição de dizer o que é supérfluo? É supérfluo para ele, mas pode ser a diferença entre felicidade e tristeza para outro".
A colunista da Folha comenta que as mulheres aclamaram com euforia as palavras do dito professor e que agora se sentem mais à vontade para consumir o luxo, sem culpa.
As idéias de Passarelli levam a ideologia do consumismo ao seu ápice. Não basta o prazer de comprar. É preciso cultivar o gozo de usufrir, de forma egoísta, dos bens adquiridos. Estranhamente, não se fala, em momento nenhum, do prazer de estar junto com os outros, de estabelecer laços de qualidade, de saborear as coisas simples da vida, de estar aberto ao que é gratuito. O defensor do luxo chega ao absurdo de perguntar se a mulher do ex-ditador das Filipinas, que acumulou imensa riqueza à custa da exploração de seu povo, estabeleceu com um dos seus quinhentos sapatos uma história pessoal. Ora, nenhum ser humano com valores profundos estabelece relação pessoal com sapatos. E sim, com pessoas. Alguém pode gostar de maneira especial de um objeto pessoal e sentir falta dele, mas criar vínculos pessoais, isso é para os relacionamentos.
O consumo de luxo é a manifestação patente da concentração de riqueza, que gera opulência de um lado, e exclusão social de outro. Além de impactar no meio ambiente. Pois quem faz do lema de sua vida o consumo e o gozo não tem no horizonte nem a humanidade, nem o nosso planeta.
A máxima “consumir e gozar. E não estocar!” é a degeneração de algo bom. Aprender a fruir o presente, cultivar a alegria e o gozo, deliciar-se com as pequenas coisas da vida são aspectos enfatizados por grandes místicos e sábios. Um ser humano maduro, espiritualmente evoluído, aproveita bem o tempo, curte as experiências gratificantes e faz memória dos acontecimentos significativos. Há pessoas que se sentem verdadeiramente felizes por serem solidárias, por cuidar do meio ambiente e das outros, especialmente os mais fragilizados, como as crianças, os anciãos e os empobrecidos. Onde reside a diferença? Em perceber que as satisfações não são uma finalidade em si mesma, mas são experimentadas e interpretadas dentro de um projeto de vida que tem uma direção para o Bem. Então, poderemos criar outras máximas, mais conseqüentes, como: Cuidar e fruir! Amar e se alegrar!
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Insetos sociais?
A Edição de 16 de abril da Folha de São Paulo exibe na parte inferior da primeira página uma foto e um comentário que são, no mínimo, causa de incômodo. A imagem retrata no mínimo 15 homens algemados, que segundo a polícia, estariam a serviço do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Basta olhar os detalhes: a grande maioria é afro-descente, e jovem! No primeiro plano da fotografia, em perspectiva aérea, um membro do temido Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia), imortalizado no filme “Tropa de Elite”. E no comentário, se diz que para o comandante de policiamento da cidade, a PM é um inseticida social.
Passei pelo Rio de Janeiro, uns dias antes. A assim chamada “Cidade Maravilhosa” recebeu o apelido de “Cidade da Dengue”. Havia, de fato, uma epidemia. Estranhamente, o poder local, inepto para tratar do “inseto literal”, o mosquito que causa a dengue, se acha no direito de tratar seres humanos como “insetos sociais”. A coisa não é tão simples assim. Sabemos que muitas pessoas envolvidas no tráfico de drogas foram vítimas e agora são protagonistas de processos de complexos violência e exclusão social. Ao mesmo tempo que é preciso punir a contravenção, é necessário promover pessoas e grupos, alimentar a esperança da juventude, abrir perspectivas de vida para os pobres.
Na minha estada no Rio de Janeiro, estive com um grupo de cinqüenta pessoas, religiosas(os) e leigos que atuam em centros sócio-educativos com crianças e jovens em situação de risco pessoal e social. Chamou-me a atenção o depoimento de uma Irmã, que, com alegria, apresentou dois jovens afro-descendentes, que tinham sido educandos de determinada “Obra Social”. Eles agora atuam como educadores junto a outros jovens. Felizmente, para eles, a abordagem não foi a da inseticida. Em vez insetos sociais, foram considerados como pessoas humanas, com o grande potencial que tinham a desenvolver. O resultado, é uma outra foto. Não a de jovens amarrados e sem perpectiva. E sim, de pessoas que semeiam esperança e cidadania. Amém!
Passei pelo Rio de Janeiro, uns dias antes. A assim chamada “Cidade Maravilhosa” recebeu o apelido de “Cidade da Dengue”. Havia, de fato, uma epidemia. Estranhamente, o poder local, inepto para tratar do “inseto literal”, o mosquito que causa a dengue, se acha no direito de tratar seres humanos como “insetos sociais”. A coisa não é tão simples assim. Sabemos que muitas pessoas envolvidas no tráfico de drogas foram vítimas e agora são protagonistas de processos de complexos violência e exclusão social. Ao mesmo tempo que é preciso punir a contravenção, é necessário promover pessoas e grupos, alimentar a esperança da juventude, abrir perspectivas de vida para os pobres.
Na minha estada no Rio de Janeiro, estive com um grupo de cinqüenta pessoas, religiosas(os) e leigos que atuam em centros sócio-educativos com crianças e jovens em situação de risco pessoal e social. Chamou-me a atenção o depoimento de uma Irmã, que, com alegria, apresentou dois jovens afro-descendentes, que tinham sido educandos de determinada “Obra Social”. Eles agora atuam como educadores junto a outros jovens. Felizmente, para eles, a abordagem não foi a da inseticida. Em vez insetos sociais, foram considerados como pessoas humanas, com o grande potencial que tinham a desenvolver. O resultado, é uma outra foto. Não a de jovens amarrados e sem perpectiva. E sim, de pessoas que semeiam esperança e cidadania. Amém!
segunda-feira, 31 de março de 2008
A Escola católica é viável?
Era uma vez um casarão antigo e vistoso, perto de uma cidade do interior. Havia sido construído com muito esforço e carinho por uma família de fazendeiros, coordenado por “Seu Fernando”. Tinha muitos quartos amplos, com belas e largas janelas de madeira. O enorme pé direito dava a todos uma noção de grandeza, de espaço quase infinito. E no verão, enquanto lá fora era quente e úmido, dentro de casa circulava um ar agradável. Na cozinha, o fogão de lenha era um símbolo de aconchego. Ocasionava que todos se reunissem em torno ao fogo, nas frias noites de inverno. E lá se contavam histórias, estouravam-se pipocas e se comia milho e batata doce assados. Na varanda havia muitos vasos de plantas, cultivados por Dona Joana. No quintal, horta bem protegida fornecia verduras e legumes frescos e saudáveis. Algumas vaquinhas asseguravam o leite e o queijo. E no terreiro, pássaros, galinhas e patos entoavam sinfonias alegres e múltiplas.
Aquela casa tinha tudo para se prolongar no tempo: consistência de material, pessoas, alimento, muito espaço e beleza. Mas os filhos foram crescendo e se mudaram para a capital. Seu Fernando e Dona Joana envelheceram e não davam conta de cuidar da casa. Quanto trabalho para manter tudo limpo, cuidar da horta e zelar dos animais! E afinal, casa grande e vazia não tem graça. Acaba se transformando em um peso difícil de carregar.
Muitas escolas católicas se assemelham a esse casarão de fazenda. São belas e vistosas, impressionam pela estrutura física, mas estão cada vez mais vazias. Remetem a algo do passado, a uma tradição que enche de orgulho os ex-alunos, mas parece dizer pouco para as novas gerações. A crescente perda de alunos é um fato incontestável. Gestores e educadores olham perplexos para esta situação, considerando-a como uma fatalidade, um destino irreversível.
Acredito que as escolas são viáveis, desde que superem o amadorismo e adotem uma gestão profissional que seja coerente com seu carisma e espiritualidade. É necessário colocar em prática princípios básicos da gestão, considerando a originalidade da escola católica e suas múltiplas tarefas: socializar e sistematizar o conhecimento, educar as novas gerações, reelaborar a cultura, evangelizar e formar cidadãos planetários.
Para saber mais, veja o meu livro “Gestão e Espiritualidade” (Paulinas, 2007).
Aquela casa tinha tudo para se prolongar no tempo: consistência de material, pessoas, alimento, muito espaço e beleza. Mas os filhos foram crescendo e se mudaram para a capital. Seu Fernando e Dona Joana envelheceram e não davam conta de cuidar da casa. Quanto trabalho para manter tudo limpo, cuidar da horta e zelar dos animais! E afinal, casa grande e vazia não tem graça. Acaba se transformando em um peso difícil de carregar.
Muitas escolas católicas se assemelham a esse casarão de fazenda. São belas e vistosas, impressionam pela estrutura física, mas estão cada vez mais vazias. Remetem a algo do passado, a uma tradição que enche de orgulho os ex-alunos, mas parece dizer pouco para as novas gerações. A crescente perda de alunos é um fato incontestável. Gestores e educadores olham perplexos para esta situação, considerando-a como uma fatalidade, um destino irreversível.
Acredito que as escolas são viáveis, desde que superem o amadorismo e adotem uma gestão profissional que seja coerente com seu carisma e espiritualidade. É necessário colocar em prática princípios básicos da gestão, considerando a originalidade da escola católica e suas múltiplas tarefas: socializar e sistematizar o conhecimento, educar as novas gerações, reelaborar a cultura, evangelizar e formar cidadãos planetários.
Para saber mais, veja o meu livro “Gestão e Espiritualidade” (Paulinas, 2007).
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